O governador Helder Barbalho emergiu como o grande vencedor político da COP30 em Belém. Ele apostou suas fichas no evento, fazendo uma parceria estratégica com o presidente Lula e assumindo o compromisso de não apenas sediar, mas de preparar a capital para receber o maior evento climático global. Barbalho cumpriu a promessa de anfitrião: a conferência foi reconhecida por visitantes internacionais como um evento lindo, bem-sucedido e organizado, injetando uma inédita onda de orgulho dos paraenses, com muitos circulando pela cidade com a bandeira do Pará. Mas existe outra promessa ainda em suspense: tirar o desmatamento da pecuária paraense. E essa não parece estar indo tão bem.
O cerne dessa promessa é o Programa de Integridade e Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Pecuária de Bovídeos Paraenses. Foi lançado com grande alarde na COP28, em Dubai, quando o Pará ganhou o direito de hospedar a COP30. O programa estabeleceu metas claras: ter 100% do trânsito de bovinos rastreado individualmente até dezembro de 2025 e todo o rebanho do estado rastreado individualmente até dezembro de 2026. O objetivo é priorizar a abertura de novos mercados e a valorização da carne paraense, garantindo o cumprimento de regras sanitárias, fundiárias e socioambientais em toda a cadeia. Para acelerar a adesão, o governo assegurou um incentivo financeiro de R$ 123 milhões nos próximos três anos, com o apoio de grandes players como o Fundo Bezos (R$ 80 milhões) e a JBS (R$ 43 milhões). O plano foi visto como um modelo nacional, com o Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, expressando o desejo de que o programa se torne uma referência para todos os estados brasileiros.
Se antes era tudo festa, os sinais mudaram bastante agora. Duas semanas depois da COP em Belém, o governador assinou um decreto adiando tudo. O prazo para a primeira etapa, de rastreabilidade individual dos bovinos, passou de dezembro de 2025 para dezembro de 2030. Segundo o Estadão Agro, em discurso no anúncio do adiamento, Helder disse que houve a sinalização de que isso dependeria de “um movimento de mercado para o reconhecimento destas práticas”, o que não ocorreu.
Esse adiamento levanta a questão de como o governador vai cumprir sua missão, responder a todos que apostaram nele, e manter sua boa imagem. O sucesso da COP se deve ao empenho do governo federal com um conjunto de organizações e empresas. Muita gente trabalhou nos holofotes e anonimamente pelo sucesso da empreitada. O evento valorizou a cultura do estado, injetou recursos na economia e deixou um legado de melhorias estruturais para Belém e municípios vizinhos. Tudo isso constitui uma base eleitoral sólida. O cacife político do governador, que já era alto, aumentou consideravelmente com esse triunfo diplomático e de gestão, colocando-o em um novo e promissor patamar na política nacional. Ele termina seu segundo mandato como governador em dezembro de 2026. A questão é para onde ele vai agora.

Helder é um político com grandes ambições e um preparo notável para voos mais altos. Sua capacidade de articulação o coloca em posição de ir longe, e ele não esconde seus desejos por um cargo de destaque nacional. Contudo, para qualquer que seja seu próximo passo, precisará urgentemente ampliar seu espectro de apoio político e eleitoral para além das fronteiras do Pará e da Amazônia, aumentando, inclusive, sua capacidade de ser aplaudido internacionalmente.
E é aqui que se manifesta um dilema. Existe uma diferença entre o discurso interno, voltado para os paraenses, e o discurso externo, para o Brasil e o mundo. Boa parte do Brasil e da comunidade internacional desejam que a Amazônia pare com o desmatamento e se desenvolva com a floresta em pé. O desafio de Helder é conciliar essa demanda externa com os interesses de algumas elites políticas e econômicas do Pará, cuja visão de atividade e poder ainda está fortemente atrelada a práticas que geram desmatamento.
O cerne desse dilema é a pecuária bovina. O setor não é apenas uma commodity econômica, mas a maior causa de emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Segundo dados consolidados, a pecuária é responsável por mais da metade das emissões brutas do país. Reduzir o desmatamento ligado à cadeia da carne pode, por si só, tirar mais da metade de nossas emissões nacionais e, potencialmente, transformar o Brasil em um país com balanço de emissões próximo de zero. Isso ocorreria ao liberar vastas áreas para a regeneração florestal que poderiam compensar o restante das emissões do país. O desafio, no entanto, reside em como materializar essa transição.
O desafio é ainda maior quando se observa a estrutura da pecuária. A abertura de pastagens para o gado é o principal vetor do desmatamento na Amazônia. É extremamente complicado reduzir a ilegalidade na cadeia da pecuária, pois a contaminação por desmatamento legal e ilegal ocorre nas primeiras etapas. As fazendas de cria e recria são justamente as partes menos visíveis e menos controladas da cadeia de fornecedores, permitindo a entrada de gado vindo de terras invadidas ou desmatadas ilegalmente. Esta fragilidade não se resume apenas a crimes ambientais. Ela está associada a práticas de grilagem e roubo de terra pública, e, de forma preocupante, à atuação de facções criminosas que ameaçam a segurança do Pará, da Amazônia e do Brasil.
Os dados recentes do Radar Verde, que avalia 151 empresas frigoríficas anualmente, mostram o tamanho do desafio que Helder Barbalho tem pela frente. O relatório indica que apenas 11 das 151 empresas frigoríficas avaliadas demonstram algum controle sobre a última fazenda por onde o boi passa (a de engorda, onde ele vive seus últimos três meses). E, mais crucialmente, nem essas 11 empresas, nem nenhuma das outras, têm como comprovar o controle de toda a cadeia, ou seja, das fazendas onde o boi passa 90% de suas fases de vida (cria e recria). Esta é a lacuna crítica que mantém a porta aberta para a ilegalidade.O governador Helder tem parte de seu futuro político ligada à solução desse problema. A promessa de rastreabilidade completa e individualizada, com o objetivo de eliminar o desmatamento da cadeia, foi lançada sob os holofotes internacionais. Estamos, no entanto, muito longe de cumprir essa meta. E agora com um adiamento. O ritmo de avanço desde o anúncio mostra o quão difícil é o desafio. Por outro lado, se há alguém que tem o capital político acumulado com a vitória da COP, a compreensão do problema e a capacidade de diálogo com os pecuaristas para fazer essa transformação acontecer, é ele. Helder Barbalho é o ator-chave. Seu legado na Amazônia e suas ambições nacionais dependerão, em grande parte, de sua capacidade de usar essa nova força política para quebrar o ciclo vicioso do desmatamento em uma das principais commodities do estado. Se ele for bem sucedido, o Pará passará a ser exportador de carne sem desmatamento, um produto cada vez mais desejado pelos mercados nacional e internacional. E o governador se tornará ele próprio, um político com alto valor de “exportação” para o resto do país e do mundo.
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