Paulo foi um ser único, surpreendente, bom, que conseguiu realizar tarefas gigantescas quando o Brasil começou a acordar para a área ambiental.
Voltando da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente de Estocolmo (1972), ele conseguiu o estabelecimento da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), que embora vinculada ao Ministério do Interior, foi o embrião do futuro Ministério do Meio Ambiente.
Pouco depois, ele pediu para conversar comigo, então Diretora do Departamento de Parques Nacionais e Reservas Equivalentes do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Marcamos a reunião e lá fui eu grávida de oito meses de meu filho Alexandre. O que Paulo queria? Pois, me convidar para o segundo posto da SEMA!!! E eu respondi: “Paulo você não está vendo que estou no final de uma gravidez?” Ele continuou a falar…Enfim parei com a conversa e disse a ele que não deixaria o IBDF e os Parques Nacionais e ele teve de se conformar.
A conversa me trouxe esperanças − uma mulher grávida ser convidada para um cargo importante de confiança há mais de quatro décadas? O episódio mostra exatamente o que era o Paulo… um homem de ideias avançadas para o seu tempo, tanto nos temas ambientais como nos de equidade social e de gênero. Quanta confiança mais eu adquiri com a conversa! Creio que essa boa experiência me ajudou reiteradas vezes na minha carreira.
Uma vez eu pedi um estágio para 14 alunos meus na sua fazenda em Campinas, a Nogueirapis, e ele aceitou. Meus alunos depois contavam as histórias dos talheres com o brasão familiar, o conforto exagerado dos ricaços de São Paulo e os experimentos esdrúxulos com fauna importada que Paulo fazia, em especial com os Elandes. Mas, todos saíram admirados da gentileza do Paulo, da sua formidável imaginação e indestrutível fé no futuro Brasil. Sabíamos da importância histórica dos feitos de Paulo.
Ele deixou seu lugar excepcional em São Paulo para viver em um apartamento governamental modesto, na quadra 316 sul, em Brasília. Sua eterna e doce companheira, Lúcia, aceitou de bom grado ir viver longe dos teatros de Nova York. Eles sempre nos convidavam para jantares conciliadores com Ibsen de Gusmão Câmara, Rogerio Marinho, Augusto Ruschi e, claro, com os ministros de plantão dos que desejávamos tirar alguma concessão favorável à conservação da natureza. Qual ministro iria recusar alguma medida com esta elite da área ambiental?
Paulo fez muito para a área ambiental, sempre com inacreditável modéstia, muita competência, sem brigas nem soluções drásticas e pouco duradouras. Mesmo quando por acaso estávamos propondo um parque nacional em uma mesma região na que ele propunha, uma estação ecológica, não brigávamos… ele sempre conseguia me devolver a calma e a ponderação que, reconheço, tantas vezes me faltam. Ademais, tanto ele como eu sabíamos que um dia tudo pertenceria a um mesmo sistema.
Ele foi quem primeiro me estendeu a mão, me fez amiga de toda sua família e me tratava como se eu fosse da mesma estatura que ele. Foi o maior presente da minha vida: ser ombreada a Paulo por cinco décadas.
Agora nem a seu enterro posso ir. Estou no Peru. Vou sempre sentir sua falta querido e único amigo.
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Minha eterna presidente da FUNATURA eu assino sempre e concordo com você ! O Paulo sempre foi um dos maiores ambientalistas do Brasil !