Fadas Aladas de Yasuní é o nome do livro sobre borboletas, escrito por María Fernanda Checa, equatoriana, doutoranda da Universidade da Flórida. A autora descreve as borboletas dessa região de seu país, iniciando com lendas dos grupos indígenas, que acreditam que essas belezas são reencarnações de guerreiros caídos em combate que voltam para embelezar a vida, como filhos do Sol e símbolos do amor. Outros grupos creem que são fadas da floresta.
Yasuní é um marco em biodiversidade mundial. Em suas matas foram registradas entre 1.200 a 1.400 espécies de borboletas, o que deixa a região entre as mais diversas do planeta no que tange às Lepidopteras.
A riqueza cultural regional é igualmente notável, com a presença de tribos ameaçadas e outras que se extinguiram recentemente.
Mesmo contando com uma área protegida, o Parque Nacional Yasuní sofre pressões do desenvolvimento insustentável e predatório. Em nome de um progresso percebido como devastador para quem ali vive, a região tem sido desrespeitada enquanto os serviços ambientais que a natureza presta são desprezados. A degradação agora se apresenta com consequências nefastas, mas ignoradas por quem as causou.
A vida das borboletas
As borboletas pertencem à ordem denominada Lepidopteras, que em grego significa “asas em escamas”, característica única entre os insetos. Em suas subdivisões existem as Rhopalocera, que se movimentam de dia e são compostas por cores fortes e vibrantes em sua maioria, e as Hetrocera, com hábitos noturnos e coloração mais escura e homogênea. O livro de María Checa concentra-se nas espécies de Rhopalocera, com a descrição de suas seis famílias e exemplos de rara beleza em cada uma delas.
As fases de transformação são exemplificadas com os processos de metamorfose completa. Do ovo à larva, a função da futura borboleta é comer e evitar ser comida. Nessa fase, armazena energia para se tornar pupa — estágio entre larva e adulto–, quando finalmente sai do casulo e torna-se borboleta. O sistema de armazenamento de nutrientes as tornam petiscos para predadores como aves, ratos silvestres, macacos, lagartixas e mesmo insetos maiores.
Clique nas imagens para ampliá-las. Fotos: María Fernanda Checo |
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A alimentação das borboletas é sutil, à base de néctar de flores, seiva de plantas, lodo e frutas em decomposição. As cores as atraem, sendo azul a coloração preferida de muitas espécies. O pólen de flores serve como proteína que falta no restante da alimentação, mas até esse processo é delicado e singular. Como não mastigam, captam os pequenos grãos de pólen com a língua, que deixam por muitas horas na boca, até formar uma massa de onde extraem os nutrientes necessários. Esta é a fonte de açucares que utilizam. Já para os sais, aglomeram-se em lodo ou na beira de rios e florestas, locais nos quais costumam encontrar o que precisam.
A escolha das folhas onde serão depositados os ovos é também minuciosa, indo dos cheiros às formas, muito com base em características que ajudam a evitar a predação. A defesa da borboleta pode ser física, pois as larvas desenvolvem pelos e espinhos que causam incômodos ou odores desagradáveis. Também adotam comportamentos que ajudam a proteger suas crias, não depois que nascem, mas antes, quando as mães escolhem folhas com substâncias tóxicas a outros animais para colocar seus ovos. Ademais, as borboletas, enquanto larvas, desenvolvem simbioses com formigas que se alimentam de secreções que elas produzem e com isso se tornam protetoras de sua fonte de alimento.
Quando deixam de ser larvas e passam a pupa, adquirem uma couraça que as protegem enquanto desenvolvem todos os elementos de uma borboleta adulta. Nessa fase ficam imóveis e o trabalho é interno até que estejam prontas para saírem do casulo, com asas e uma enorme língua denominada de espiritrompa, que funciona como uma espiral capaz de buscar líquidos, já que as borboletas não ingerem qualquer elemento sólido.
As asas escamadas permitem a diversidade de cores e desenhos variados. Essas são características que ajudam no sucesso reprodutivo. O cortejo em geral parte dos machos que conquistam as fêmeas com rituais diferentes de acordo com as espécies, sendo alguns bastante elaborados.
Uma quantidade grande de detalhes das borboletas é descrita por María Fernanda Checa, como mecanismos de defesa, mimetismo e até a transferência de proteínas dos machos para as fêmeas, que as necessitam na produção de ovos de suas futuras crias.
Os detalhes da vida das borboletas são muitos. Ser borboleta é uma tarefa árdua e exige muito empenho até atingir a idade madura para voar livremente. Talvez por demandarem tantas peculiaridades de seus habitats, elas são indicadoras da qualidade dos mesmos. Suas funções ecológicas são tantas, que quando uma ou mais espécies se extinguem causam danos em cadeia aos habitats naturais onde vivem, só que sempre de forma sutil.
Por serem tão seletivas na sua forma de vida, as borboletas reagem às mudanças ambientais. Mas, é a destruição de habitat a maior causa de seu desaparecimento na natureza. Algumas espécies têm territórios pequenos, o que as deixam mais vulneráveis aos câmbios ambientais. A fragmentação, por exemplo, causa efeitos nefastos, pois muitas espécies dependem da sombra do interior das florestas para compor as diferentes fases de desenvolvimento do seu ciclo de vida.
Ameaças às borboletas
O livro é pioneiro na forma de apresentar as riquezas naturais e as ameaças pelas quais as borboletas agora passam, descrevendo possíveis caminhos de se reverter os riscos em oportunidades. Mas, toda a riqueza descrita com tanto cuidado está hoje ameaçada.
Das “fadas aladas” a autora relata o que vem ocorrendo na região com a exploração de petróleo, que tem levado as pessoas da região a morrer de câncer e outras doenças degenerativas, além da degradação ambiental que destrói o habitat de espécies nativas, principalmente das borboletas.
O Parque Nacional Yasuní conta com territórios indígenas e áreas de amortecimento adjacentes. Todavia, os impactos ao meio natural e às populações originais começaram há muitos anos, primeiro com a exploração da borracha e mais recentemente do petróleo. As perdas são incalculáveis e nada parece impedir a volúpia pelos recursos naturais, mesmo já tendo o reconhecimento da UNESCO de patrimônio da humanidade e nacionalmente contar com leis que protegem esta região específica. As perdas não se restringem ao meio ambiente. As populações tradicionais têm sido desrespeitadas e atualmente há uma descaracterização de seus costumes, principalmente por conta da presença das companhias petrolíferas na região.
Um problema acarretou outro. A extração de petróleo intensificou-se e os dejetos da atividade, que são altamente poluentes, foram jogados nas matas e nos rios, causando perdas inestimáveis à biodiversidade e à população humana. A água potável escasseou e doenças graves se proliferaram aceleradamente. As estradas instaladas favoreceram a caça e a extração de madeira e de outros recursos naturais. Muitas distorções sociais emergiram por conta do dinheiro mal gerenciado que passou a entrar rapidamente e sem respeito às hierarquias previamente estabelecidas. Enfim, um caos socioambiental se instalou nessa região do país.
Uma reviravolta histórica
Surpreendentemente, as comunidades indígenas se organizaram e abriram uma ação contra a Chevron-Texaco nos EUA pelos danos causados, e após 17 anos de batalhas judiciais ganharam. O montante que deveria ser pago pela petroleira era de oito milhões de dólares, caso inédito até aquela ocasião. A companhia recorreu e abriu uma ação contra as populações indígenas, mas o caso ainda está sob litígio. A devastação provocada pela Chevron-Texaco no Ecuador chegou ao Brasil por meio da justiça e de grupos dos direitos humanos.
Outro cenário que poderia ter se tornado vanguarda diz respeito à compensação financeira internacional para não mais explorar petróleo na região. Foram levantados milhões de dólares, que por alguns anos foi o bastante para conter a extração do petróleo na região. Mas as pressões parecem ser maiores do que a vontade política de proteger as riquezas socioambientais do país. Novas concessões estão sendo liberadas e as pressões econômicas e políticas acabaram por levar o país a explorar mais petróleo, adentrando as cercanias do Parque Nacional e as florestas de Yasuní.
A ganância prevalece
María Fernanda Checa analisa em profundidade a situação ambiental, social, econômica da região. Seu livro certamente poderia ser seu doutorado, pois tem qualidade em tudo o que apresenta com dados bem fundamentados, cálculos matemáticos minuciosos do quanto seria necessário para salvar a região e argumentos fortes de como seu pais megadiverso poderia ser modelo de um desenvolvimento sustentável e inovador.
Inicia seu livro pessoas com detalhes da vida sutil e do deslumbramento e da variedade de cores e desenhos desses insetos tão delicados, o que deixa o leitor, por mais insensível que possa ser, estarrecido. Nem as belezas desses seres descritos com tanto amor e cuidado por María Fernanda Chaco têm sido capazes de deter a ganância de um modelo econômico insustentável e antiético, que passa por cima de qualquer valor, mesmo aqueles que são vitais para que a vida se perpetue na Terra.
Muito da realidade que o livro “Fadas Aladas del Yasuní” relata é comparável ao que ocorre em tantas regiões do Brasil. Já é tempo de evoluirmos como espécie e passarmos a pensar e agir de maneira diferente. As provas da insustentabilidade estão aí e só quem não vê é quem não quer. Basta querer!
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Especial multimídia de ((o))eco sobre a região de Yasuní
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A economia mundial depende dos polinizadores, em sua maioria composta por insetos, depende dos dispersores de sementes, entre eles, diversos mamíferos e outros vertebrados; depende dos predadores naturais que equilibram os ecossistemas evitando que os herbívoros cresçam em demasia. Enfim, nós sabemos de tudo isso, mas a ganância humana parece não ter limites em sua busca por dinheiro e poder. Empresas de grande porte não pretendem se comprometer com o futuro de qualquer criatura que não traga – de imediato – os lucros rápidos esperados. Acho que eles sabem o mal que estão fazendo, mas são de um grupo que raciocina somente o sucesso humano e não gostam de derrotas. Vivem num jogo de desafios e de estresses constantes. Parece ser como um droga, que vicia o cérebro do seu dono, tornando-o um escravo dependente de novas sensações. Acho que é patológico o fato de empresários se destacarem com base na destruição de ecossistemas inteiros, em condutas anti-éticas e até mesmo ilegais. Isso é sucesso? Devemos aplaudir tais comportamentos? Render-lhes honras e glórias? Quem sabe que sim? Porque os que apoiam todo esse sistema são igualmente doentes e não desejam ser tratados com remédios de bom senso e de equilíbrio. Os que premiam são doentes também. Precisamos desenvolver a criatura humana como um todo, da mesma forma que faz a natureza. Ela não dá privilégios para A ou B. Todos são importantes. Uma grande lição para ser aprendida pelos humanos "normais". Os outros deveriam ser tratados de suas doenças até que possam ter o mínimo de coerência com a vida e consigam desfrutar do cenário como um todo, e não como seres exclusivistas e autoritários, em seus mundos de fantasias e deslumbramentos.
Obrigada, Roberto Rocha por sua linda e profunda reflexão.Concordo com tudo o que disse – estamos em sintonia…