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Banzeiro da Esperança: as vozes da floresta rumo à COP30

Antes de a COP30 chegar a Belém, a Amazônia já estava em movimento. Esse movimento tinha nome, rosto e muitos sotaques: Banzeiro da Esperança

11 de dezembro de 2025
  • Valcléia Lima

    Superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

O Banzeiro foi uma expedição fluvial que reuniu lideranças indígenas, ribeirinhas, quilombolas, juventudes e organizações da sociedade civil em um barco que desceu o rio rumo ao maior encontro climático do planeta. O Banzeiro era, ao mesmo tempo, o barco que nos levava até a conferência e um grande espaço de convivência, formação política e construção coletiva, onde cada parada e cada conversa ajudavam a redesenhar a forma como a Amazônia se apresenta ao mundo. A ideia era simples e poderosa: se a COP seria na Amazônia, a Amazônia  precisava chegar antes com sua própria agenda. 

Ao longo da viagem, ficou evidente que aquele barco representava algo maior do que um projeto pontual. Ele condensava a força da Amazônia profunda, com suas realidades diversas, mas atravessadas pelos mesmos desafios: mudanças climáticas, desigualdade, ausência de políticas públicas estruturantes e a luta cotidiana para manter a floresta em pé. Estavam ali, lado a lado, povos que raramente se encontram no cotidiano, mas que compartilham o mesmo território e a mesma urgência. 

O Banzeiro foi, sobretudo, um exercício de escuta. Rodas de conversa, oficinas, debates espontâneos no convés e nas redes mostraram o quanto a Amazônia pensa sobre si mesma. A bordo, a palavra circulou. Lideranças trouxeram relatos das secas extremas, da dificuldade de acesso a serviços básicos, da pressão sobre territórios e da necessidade de adaptação às mudanças do clima. Ao mesmo tempo, apresentaram soluções, práticas de manejo, experiências comunitárias de conservação e propostas concretas. 

Foto: Lucas Bonny

Desse processo nasceu a Carta da Amazônia, um dos principais legados do  Banzeiro. Ela não surgiu de um escritório distante, mas de um acúmulo de  escutas, reuniões, encontros e vivências ao longo do ano. É um documento  político, mas também um registro de memória: reúne demandas históricas, compromissos defendidos há décadas e caminhos apontados pelas próprias  populações tradicionais. Quando a carta foi entregue à presidência da COP30, o gesto tinha um significado claro: a Amazônia não aceita mais ser tratada apenas  como tema de pauta, quer ser sujeito nas decisões. 

Na conferência, o Banzeiro ajudou a abrir caminho para esse protagonismo. A presença das lideranças que vieram na expedição ocupou mesas, painéis, marchas e diálogos oficiais e paralelos. A agenda da adaptação às mudanças climáticas, muitas vezes tratada de forma genérica, ganhou rosto e território. Falou-se de secas que esvaziam rios, de comunidades isoladas, de escolas que  fecham, de perdas de safra, mas também de iniciativas de bioeconomia, de juventudes comunicadoras, de mulheres liderando cadeias produtivas e de  estratégias de proteção territorial construídas de forma comunitária. 

Do ponto de vista de quem vive e trabalha na Amazônia, o Banzeiro deixou algumas lições importantes. A primeira é que a floresta não é apenas um bioma, é um projeto de futuro. E esse futuro não se constrói sem incluir quem mora nos  rios, nas comunidades, nas beiras de igarapé, nas cidades amazônicas  invisibilizadas. A segunda é que a Amazônia tem capacidade de elaborar propostas com qualidade técnica e política, mas muitas vezes o que falta não é conteúdo, e sim acesso aos espaços onde essas propostas podem ser ouvidas. 

A mobilização em torno do Banzeiro e da Carta da Amazônia também mostrou que sociedade civil, povos da floresta e organizações podem atuar de forma articulada, sem abrir mão da diversidade de olhares. Houve divergências, debates intensos, ajustes de texto e de posições, como é natural em qualquer processo democrático. Mas, ao final, prevaleceu o entendimento de que havia algo maior em disputa: a forma como o mundo enxerga a Amazônia e como a Amazônia se apresenta ao mundo. 

Para a FAS, que ajudou a articular esse processo junto com outros parceiros, o aprendizado também foi profundo. Não se trata apenas de apoiar projetos, mas de criar condições para que as populações tradicionais falem por si, escrevam seus próprios documentos, definam suas prioridades e tenham voz direta nos espaços de decisão. O Banzeiro confirmou que esse é o caminho certo: fortalecer quem já cuida do território, em vez de falar em nome dessas pessoas. 

Se eu tivesse que resumir o legado do Banzeiro da Esperança em uma imagem, seria a de um rio cheio de vozes. Vozes diferentes, de povos diferentes, em línguas diferentes, mas que, juntas, formam um coro. A travessia terminou, o barco atracou, mas o que ele desencadeou segue em movimento: a consciência de que a Amazônia não quer mais ser tratada como cenário, e sim como protagonista.

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