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Faltam assessores na área ambiental do governo Bolsonaro

Nosso presidente e seu ministro do Meio Ambiente cometem erros crassos ao imputar à área ambiental o fato de ser um empecilho para o desenvolvimento do país, em especial para  o setor de agronegócios

16 de julho de 2019 · 5 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Agricultura e Meio Ambiente devem andar juntos. Foto: Sam Beebe/Flickr.

Não obstante o Brasil ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo, com muita terra agrícola subutilizada ou desperdiçada, quer-se liberar para o uso agrícola as áreas de preservação permanente, as áreas protegidas pelo código florestal e até se pretende reduzir e extinguir unidades de conservação legalmente estabelecidas.

Com este posicionamento consegue-se até imputar ao setor ambiental uma aparente ojeriza ao setor agrícola. A própria história do estabelecimento de restrições legais para controlar o uso indiscriminado de recursos naturais nos mostra como é falsa esta impressão. Foram comissões sempre com vários engenheiros agrônomos que prepararam nossa mais expressiva legislação ambiental, como o Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/65) e a lei de proteção à fauna (Lei 5.197/67). Os engenheiros agrônomos Alceo Magnanini, Wanderbilt Duarte de Barros, Harold Edgard Strang, José Candido Mello Carvalho e mais recentemente Sérgio Brant, entre muitos outros como a própria autora desta nota, prepararam leis, decretos e regulamentos de proteção à natureza.

O fato ajuda a afiançar que especialistas sugerem a proteção de determinadas áreas e até a restrição total de seu uso para garantir, ao próprio setor agrícola, os recursos de que tanto depende como o da água, solo, clima, recursos genéticos, entre outros.

A cobertura vegetal garante ainda a sobrevivência da fauna e representa um museu vivo de genes naturais à disposição do setor agrícola bem como o de outros.

“Com este posicionamento consegue-se até imputar ao setor ambiental uma aparente ojeriza ao setor agrícola.”

Nossa legislação é mesmo muito boa, das melhores do mundo. Sofre pelo fato de não ser aplicada com rigor, pela absoluta falta de fiscalização e responsabilidade de dirigentes dos setores, dando assim a impressão de que não serve. Porém deve-se reconhecer que peca por uns poucos exageros, entre eles o mais conspícuo, o estabelecimento de Áreas de Proteção Ambiental e de Reservas de Biosfera, que viraram moda e que não exigem a desapropriação de suas terras, sendo, pois, instrumentos que não diferem da legislação orgânica em vigor. Portanto usar-se estas categorias é um procedimento inócuo e dá argumentos aos inimigos das unidades de conservação dizendo que o país possui mais de 300 áreas protegidas federais. Bem a maioria é de APAS e, em extensão, as reservas de biosfera dominam.

O que realmente o país necessita é de implementar urgentemente suas unidades de conservação já estabelecidas legalmente e manejá-las para os objetivos pelos quais foram criadas, quer sejam os Parques Nacionais, as Reservas Biológicas, as Estações Ecológicas, os Monumentos Naturais, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável ou as Reservas de Fauna.

É mister, outrossim, conseguir que as áreas protegidas pelo só efeito da lei, como as matas ciliares, as nascentes, os topos de morro, as de muito declive e parte de propriedades particulares possam cumprir o papel buscado pelos mentores da legislação ambiental em vigor.

Os produtores agrícolas podem ainda usufruir de muita terra neste país. Podem e devem melhorar muito a produtividade por hectare. Não existe nenhum motivo real para que agricultores não sejam eles mesmos, como tem sido ao longo da história deste e outros países, os melhores, mais ativos e realistas defensores da natureza onde trabalham e de que dependem. O governo deve deter sua campanha para criar inimizades absurdas e fomentar divórcios entre o ambiente e o agronegócio que, de um modo ou de outro, são parte da mesma equação. Poderia lhe ajudar a ser mais equânime e sábio se procurasse dotar seus quadros de bons assessores nos setores ambiental e agrário.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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Comentários 5

  1. maria tereza diz:

    Muito obrigada Carlos pelos seus excelentes comentarios


  2. Carlos Magalhães diz:

    Excelente matéria.

    "O que realmente o país necessita é de implementar urgentemente suas unidades de conservação já estabelecidas legalmente e manejá-las para os objetivos pelos quais foram criadas, quer sejam os Parques Nacionais, as Reservas Biológicas, as Estações Ecológicas, os Monumentos Naturais, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável ou as Reservas de Fauna." Está tudo dito aí. Perfeito. E as APAS são de uma irrelevância monumental.

    No entanto, como já lembrei algumas vezes nesta folha, a esmagadora maioria dos ambientalistas querem criar novas UC's, ao invés de cuidarem das já constituídas, muitas delas apenas "no papel". E, nessas horas, convenientemente "esquecem" de produtores rurais que ha gerações, com documentos fundiários perfeitos, trabalham e produzem no interior de UC's sem terem sido indenizados.

    Nosso primeiro PN, o de Itatiaia, (anos 30 doo século passado) ainda tem cerca de 50% da área ocupada por particulares!

    E quero mais uma vez lembrar que somente no bioma mata atlântica, temos 600.000 (sim, seiscentos mil) hectares ocupados por particulares nas mais diversas UC's.

    Que tal começarmos por sermos simplesmente honestos?


  3. Alternância de poder diz:

    Falta mesmo, mas pelo menos desalojou a panelinha que "dominava o mercado" desde 2003


  4. Romulo Miranda diz:

    A autora insiste corretamente no caráter absurdo da insistência deste governo em criar divisão e antagonismo entre o desenvolvimento agropecuário e a conservação dos recursos naturais renováveis. Bolsonaro e seu ministro do ambiente, tal como o Trump nos EUA, desfrutam inventando o agravando diferencias e problemas onde não existem, no lugar de unir tendências e evitar conflitos, como corresponde fazer aos mandatários sérios. Grande parte da legislação ambiental brasileira existe precisamente para viabilizar e manter a atividade agropecuária. Este governo é um protótipo do dito “a ignorância é atrevida”.


    1. Carlos Magalhães diz:

      Divisão e antagonismo entre ruralistas e ambientalistas NÃO foram criados neste governo. O "nós contra eles" começou no período FHC, e se agravou muito com Lulla e Dilma. Os ministros Minc, Sarney e Marina foram desastres insuperáveis. As perseguições contra o setor produtivo agrícola, especialmente na área ambiental (e na trabalhista também) foram intensas e no mais das vezes injusta.