A 40 km ao sul da Praça da Sé, em São Paulo, em Itapecerica da Serra, podemos nos deparar com bugios, esquilos, veados, capivaras e até mesmo onças soltas na natureza. Contrariando todas as expectativas, há ainda por ali centenas de tipos de aves, répteis e um número incalculável de espécies vegetais características do bioma Mata Atlântica.
Há 50 anos, aquela cidade ainda guardava as características de uma pequena aldeia. A sua igreja católica dava certa coesão cultural e fomentava o turismo religioso com as festas de Corpus Christi, quando as poucas ruas da cidade eram enfeitadas com tapetes feitos de serragem colorida sobre os quais os fiéis passavam em procissão.
Esse aspecto socioambiental da região desapareceu. Itapecerica foi impactada à época em Jânio Quadros, prefeito da capital paulista, preocupado com a “estética urbana” (estou sendo irônico), empurrou a população carente para os limites geopolíticos do seu município.
Desencadeou-se então uma rápida e assustadora transformação da paisagem na Estrada de Itapecerica. Nos anos 1990 todo o verde naquela estrada deu lugar a uma gigantesca mancha de deserto cinzento que corresponde a Valo Velho, Parque Paraíso, Juquitiba, Capão Redondo, Taboão da Serra, Embu das Artes, Embu Guaçu, São Lourenço da Serra etc.
É quase inexplicável, mas apesar de tudo isso, em determinada região de Itapecerica remanesce um precioso fragmento da outrora tão rica biodiversidade do entorno da região sul de São Paulo. Ali se refugiam os últimos exemplares ainda vivos de várias espécies da fauna ameaçados de extinção.
O verde intocado é esse que possibilita ao Governo do Estado de São Paulo a gestão de um sistema de abastecimento de águas para uma população estimada de mais de 20 milhões de pessoas. Por essa razão, o Poder Legislativo Paulista editou desde a década de 1970 uma série de leis destinadas à proteção de seus mananciais de água.
A importância estratégica da região, para fins de preservação dessa biodiversidade, seja para a preservação de condições microclimáticas adequadas para a vida humana, seja para a captação de água potável, é gigantesca. Cem por cento do município de Itapecerica da Serra encontra-se em área de preservação dos mananciais.
No entanto, bem em cima do divisor de águas das bacias do Guarapiranga e do Ribeira, há muitos anos ocorrem violentas explosões que chegam a ser ouvidas pela população num raio de quase 10 km.
Nessas ocasiões, os pássaros voam assustados e as famílias de bugios se encolhem abraçadas nas árvores. As explosões ocorrem numa região chamada Itaquaciara, mais precisamente na Estrada Abias da Silva. Ali, a empresa Votorantim Cimentos S/A abre um gigantesco rombo na paisagem. Não satisfeita com a exploração que já fez, agora pretende ampliar suas atividades, o que significará destruir de forma irreversível aproximadamente trinta e cinco preciosos mananciais de água, tanto da bacia que abastece paulistas (Guarapiranga) como da que serve os paranaenses (Ribeira).
No final da tarde fria e chuvosa do dia 6 de agosto de 2018, moradores da região de Itapecerica da Serra participaram de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo destinada a debater esse polêmico processo de licenciamento da Votorantim Cimentos, que só agora começa a ganhar efetivamente publicidade.
Adriana Abelhão, moradora da região e integrante do Movimento Preservar Itapecerica, conseguiu lotar o Plenário Tiradentes da ALESP naquele dia cinzento, levando não apenas representantes da região, mas também da área jurídica. Com a presença de Vera Jucovsky, diretora da AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, de José Nuzzi Neto, presidente eleito do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da APRODAB – Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, bem como da professora Elisabeth de Almeida Meirelles, da Faculdade de Direito da USP, a audiência contou ainda com a presença de um funcionário da CETESB (a agência ambiental paulista). O que mais chamou a atenção na audiência pública, porém, foi a ostensiva ausência de representantes da maior interessada, a empresa Votorantim Cimentos. A empresa se limitou a enviar ofício afirmando que o pedido de licenciamento encontra-se em processamento. Referiu-se a uma audiência pública do EIA-RIMA em 14/12/2017, tão mal divulgada que nem sequer os membros do conselho municipal de meio ambiente ficaram sabendo de sua realização. Por isso, concluiu que não tinha nada para fazer ali naquela reunião.
A ausência da Votorantim Cimento a essa audiência pública na sede do Legislativo Paulista é um indicativo bastante claro de seu descaso para com a população e de sua certeza de que, dentro do quadro político atual, conseguirá atingir seu objetivo de expansão do desastre ambiental e ampliação de seus lucros.
Medidas mitigadoras para o dano? Limito-me a mencionar duas delas, deixando ao leitor que tire suas próprias conclusões: (1) A empresa promete que contratará um biólogo para afugentar os animais que resistirem; (2) As águas envenenadas pelo resíduo da mineração, formadas pelo corte dos veios de mananciais destruídos, receberão o nome de “reservatório”. Não há muito mais o que falar… Afinal, eles são os donos da dinamite.
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Pois é, lamentável ver mais uma vez o pensamento dinheirista atropelando a vocação de uma região! Biodiversidade? Nascentes de vários rios? Respeito às atividades desenvolvidas no local? Respeito à lisura e ao bom senso? Pois é, nada disto parece ser importante quando estas corporações acéfalas querem ampliar os seus lucros… Os acionistas não pensam naquilo que a empresa representa onde chega, nem tão pouco são responsabilizados pelos desastres das operações irresponsáveis…. Mais complexo ainda é assistir a fragilidade do sistema de licenciamento e dos interesses setoriais instalados nos municípios…. Perde a coletividade, perde a natureza, perdem os mananciais, perdem as atividades de lazer e contemplação, perde a biodiversidade! Precisamos estar unidos para não haver perdas e danos!
Sr. Carlos Magalhães… sim, os bugios, nossos melhores vizinhos aqui de Itaquaciara, que apareciam em bando, sim eles agarravam-se às árvores, com filhotes às costas. Eles não mereciam as explosões! Trabalho há nove anos na Biblioteca Popular de Itaquaciara Dona Nélida e enquanto estávamos no jardim, lendo e contanto histórias para crianças de 2 a 7 anos, parávamos tudo para ver os bugios. Eles chegavam com tanto respeito, devagar, sem assustar as crianças. Como orientamos os pequenos a falarem baixo e não fazerem movimentos bruscos, eles chegavam bem perto. Os mais jovens eram mais curiosos e faziam graça nos galhos. As crianças acompanharam uma fêmea, que estava com o ventre sobressaltado e depois, puderam ver seu filhote pequenino em suas costas. O macho do bando, grande e vermelho, chegava a ser do tamanho de uma das crianças. Ficava quieto, atento, um pouco afastado. Os olhos das crianças brilhavam! Eu pude ouvi-los durante anos, seus roncos maravilhosos ecoando na Mata. Quando as crianças iam embora, eu voltava para o jardim para olhar lá no alto, da araucária mais alta, para vê-los recolherem-se para a noite. De longe, todos bem perto, juntos para se aquecerem, pareciam um grande e único bugio e a pouca claridade da tarde nos mostrava o avermelhado do pelo, o Guariba. Ficavam e conviviam, os bugios, ao lado das crianças e dos livros. É lamentável que o senhor não tenha tido a oportunidade desse contato com a natureza pelo que demonstra. Como se vê o senhor é um homem rude, grosseiro, que não vê a maravilha da ciência que está na vida, no olhar curioso e perspicaz de uma criança, no ronco de um bugio. Talvez o senhor também não tenha nunca lido sobre Albert Einstein, que sempre defendeu que o grande desafio da ciência é explicar com fórmulas mais simples possíveis a grandeza da vida. Mas, lamentavelmente, sua referência cultural não passa de Walt Disney. Os bugios resistem Sr. Carlos Magalhães, já se ouvem seus roncos novamente nas imediações da cava da pedreira.
Nada contra sua intenção positiva de preservação, mas sugiro que reflita um pouco mais antes de publicar opiniões ou se referir a fatos de de veracidade duvidosa. Veja que você numa frase afirma que "Nós estamos falando de uma área estratégica para a geração de água para a RMSP" e em seguida afirma "Rio São Lourenço, rio que foi violentamente afetado com a transposição de suas águas para o sistema Guarapiranga" Parece contraditório, não? Depois afirma que "80% das cidades brasileiras tem estradas não pavimentadas e estudos de engenharia comprovam que uma estrada não pavimentada, bem feita, que não impermeabilize, que utilize técnicas de drenagem das águas pluviais, análise do solo e uso de vegetação no entorno que seja capaz de absorver água e preservar a estrada de terra são eficientes para trazer aos cidadãos todos os benefícios sociais que vias de transporte em boas condições podem trazer." Desculpe, mas essa é uma informação da qual eu discordo, técnicas de perenização de leitos de estradas implicam em impermeabilização do leito, caso contrário, você não obterá um leito em boas condições de trafegabilidade. A causa ambiental tem fundamentos e motivações reais e importantes, ao se lançar mão de argumentos falaciosos e por vezes fantasiosos só se enfraquece a causa.
Acho lamentável que uma pessoa com qualificações tão importantes se utilize tanto de clichês com o objetivo escandaloso de "demonizar" uma empresa, ao classificar de "desastre ambiental" uma atividade desenvolvida numa área localizada, cerca de 44ha, ao longo de mais de 50 anos… Difícil achar uma frase sequer no texto que não venha carregada com termos inadequados, como "gigantesca mancha de deserto cinzento que corresponde a Valo Velho" ou esse devaneio: "O verde intocado é esse que possibilita ao Governo do Estado de São Paulo a gestão de um sistema de abastecimento de águas para uma população estimada de mais de 20 milhões de pessoas." como assim? (para ficar no clichê!) Esse certamente não é o caminho para um debate construtivo e muito menos digno de alguém com a qualificação do autor. Esse artigo não informa, distorce fatos. A Votorantin não é a única com um empreendimento desse tipo na região, que fornecem material básico para a construção civil para a metrópole, mas não por acaso ela mantém a maior reserva de Mata Atlântica, o Legado das Águas, com cerca de 31.000ha preservadas bem perto dali. Essa sim talvez mereça a classificação de "gigantesca", porque abriga uma enorme diversidade de flora e fauna. Ao invés de atacarem visceralmente uma empresa que atua legalmente na região, talvez fosse o caso de se preocuparem com atividades ilegais praticadas na região, como por exemplo a prática da caça na Reserva Morro Grande, da Sabesp, onde observadores de aves encontraram uma anta morta a tiros no ano passado, perto de acampamentos de caçadores… Ou os desmatamentos ilegais praticados na zona rural dessa região, onde vi pessoalmente produções de carvão vegetal feitas com árvores da mata atlântica cortadas ilegalmente, e mais grave ainda, o roubo de palmito no Parque Jurupará e no Legado das Águas, da Votorantim…
Eu não escrevi nada disso que o senhor atribui a mim. Creio que o senhor está confundindo de pessoa: meu artigo se encerra na menção a duas medidas mitigadoras.
Sr. Emerson Kaseker, lamentável é ver que em pleno século XXI, com tanta tecnologia disponível, com tantos progressos alcançados pela humanidade em todas as áreas ainda existirem pessoas para defender empresas que insistem em fazer o mesmo "ao longo de mais de 50 anos…". "Como assim?"! "Debate construtivo?" "Digno… qualificação"?! Então o Sr. que defende a Votorantim Cimentos, acha digno e construtivo uma empresa que explora um único lugar há mais de 50 anos, solicitar um licenciamento de mais uns 70 anos, sem gerar um único novo emprego para a população local e causar mais um, dos muitos que ela vem causando pelo país afora, desastre ambiental que se tem notícia? Em plena crise hídrica batendo às nossas portas?! O Sr. acha isso "clichê", "objetivo escandaloso", "demonizar uma empresa"????
Realmente, convido o Sr. a se atualizar, leia, principalmente o documento EIA e EIA Complementar (Revisado), disponíveis na internet… e se atualize também sobre conceitos do século XXI que o levarão ao conceito adequado sobre "qualificação", como por exemplo, marketing 4.0, o novo consumidor…, como a IA – Inteligência Artificial, que está ganhando todas as áreas, e bioconstruções, certificações GREEN BUILDING, construções sustentáveis… O Sr. sabia que temos um lindo prédio (entre outros, porque já são vários edifícios certificados) aqui em Sampa com uma das maiores desta certificação?! E ainda com área verde composta por mais de 170 espécies nativas da Mata Atlântica preservadas. Ao todo, são mais de 700 árvores integradas num ecossistema vivo e autônomo. Procure na internet por São Paulo Corporate Towers, creio que irá reconhece-lo, pois de qualquer ponto da Marginal Pinheiros, sua visualização é possível! Leia no Ministério do Meio Ambiente (mma) sobre este assunto e verá que não é mais possível, admitirmos que empresas como a Votorantim, continuem fazendo o que fazem da mesma forma há séculos e gerando só destruição por onde passa! CHEGA!
O artigo tem um combo de clichês. Se tivesse discutido melhor alternativa locacional, impactos ambientais, o processo em si, tudo certo. Inclusive podendo chegar a conclusão pela não ampliação da atividade. Mas aí não, sempre vem a carga ideológica, falando de lucro, destruição, desastre ambiental, etc. Pra um operador do direito isso é grave. Uma atividade licenciada não é um desastre ambiental. E quantos desses que criticam a mineração tem casas feitas de cimento, concreto? A questão é que toda atividade causa impacto, mas o licenciamento tá aí pra regular, gostando ou não. Fora que faz chacota de medida mitigadora, parecendo não saber que afugentamento é uma usual em várias tipologias de licenciamento. Em resumo, o velho maniqueísmo de nós contra eles. Nada de novo…
E verdade, Everardo. Veja: "Nessas ocasiões, os pássaros voam assustados e as famílias de bugios se encolhem abraçadas nas árvores."
Isto é muito pouco científico, está mais para uma animação de Walt Disney. Síndrome do Bambi?
O nível de grosseria chegou ao fundo do poço. Será que o empresariado brasileiro não consegue ninguém minimamente educado que o defenda? Confesso que não estou acostumado e muito menos preciso escrever para prepostos desqualificados e que, a teor da forma como se expressam publicamente, não receberam da família os mais elementares rudimentos da educação.