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Jornalista, vamos colocar o mar no mapa do Brasil?

Incluir nos canais de comunicação pautas relacionadas ao oceano é responsabilidade da mídia

9 de novembro de 2023
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Beatriz Santomauro

    Jornalista com especialização em sustentabilidade, mestranda da área de conservação ambiental.

  • Alexander Turra

    Professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano.

Reportagens falando do Flamengo, de ajustes fiscais, do STF, das guerras ou de fofocas da novela são muito corriqueiras. Mas aquelas relacionadas ao oceano, especialmente do trecho brasileiro, é possível contar nos dedos. Ultimamente, a discussão sobre exploração do petróleo no litoral da Amazônia tem ganhado destaque. Mas quais outros temas têm vez?

Em agosto de 2023, o SP Ocean Week, evento que movimentou o Memorial da América Latina, em São Paulo, e teve transmissão ao vivo pelo canal do Youtube da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, deu luz a uma provocação marcante: vamos colocar o mar no mapa do Brasil? A campanha, criada por Alexander Turra, biólogo e um dos organizadores do evento, e pela Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar, do governo federal, realmente é provocativa. A imagem do mapa que temos em mente é de um território com 8.500.000 km2, com os países latino-americanos dividindo o continente, e tudo o que vem ao redor é um imenso oceano sem dono. Só que não é bem assim. 

Foto: Beatriz Santomauro

Há uma imensa área de mar que  também faz parte do território brasileiro. São 5,7 milhões de quilômetros quadrados de área, uma das maiores áreas marinhas sob jurisdição de um país do mundo e que se aproxima ao tamanho da Amazônia Legal. Esse território marinho brasileiro inclui os trechos conhecidos por Mar Territorial, Zona Contígua, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental Jurídica e é chamado de Amazônia Azul. Depois desses limites está o Alto Mar, que não pertence a nenhuma nação pois, na verdade, pertence à humanidade.

A imprensa precisa dar luz às questões cada vez mais urgentes neste momento da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentáve e diante dos desafios para alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 da Agenda 2030 das Nações Unidas denominado “Vida na Água”. Temas como: o que sabemos do nosso mar? Quais políticas públicas existem e precisam ser atualizadas? Quais os problemas, como tem sido explorado, o que se sabe de sua biodiversidade e do equilíbrio dos ecossistemas marinhos? 

Inspire e entre no mar

A frase “vamos colocar o mar no mapa do Brasil?” pode ser ainda complementada por outra: “vamos colocar o brasileiro no mar?”. Refletindo sobre sua importância, aproveitando seu potencial econômico e paisagístico, e conservando sua biodiversidade, quem ganha são as gerações atuais e as futuras. Iniciativas interessantes podem ser citadas nessa direção. No Rio de Janeiro, o Passaporte Carioca, organizado pelo Br Bio e a Secretaria Municipal de Ambiente e Clima, da capital fluminense, favorece que o visitante faça um roteiro de visitação por cinco unidades de conservação costeiras e marinhas. Funciona assim: um folheto reúne informações desses locais e, a cada visita, é carimbado, gerando maior interesse de circulação entre os pontos. Outro exemplo são as experiências de turismo de base comunitária, como o que ocorre em Ubatuba e Ilhabela, no Litoral Norte de São Paulo. Nessas localidades as comunidades tradicionais de caiçaras criam produtos turísticos para os visitantes entrarem em contato com a natureza e com os costumes locais, como a música e a culinária.

SP Ocean Week. Foto: Divulgação.

Retomamos o SP Ocean Week, em que nós dois atuamos – Alexander Turra na organização geral dos cinco intensos dias de evento e Beatriz Santomauro na mediação de oito painéis, dialogando com cerca de 30 convidados –, para levantar alguns temas que podem inspirar pautas de reportagens que podem ser desenvolvidas pelos jornalistas. Dentre eles pode-se citar de que forma o oceano pode ser incluído nas abordagens de Educação Ambiental das escolas e nas universidades, como a pesca artesanal se organiza nas diferentes realidades da costa, de que forma a maricultura (cultivo de espécies na água salgada) está se desenvolvendo, quais projetos de conservação têm sido realizados com diferentes espécies animais, e como Marinha, Sebrae e outras instituições têm agido em parceria para proteger o mar. As universidades também têm gerado conhecimento e pesquisas incríveis. Novas estratégias para a recuperação de recifes de coral a partir de colônias cultivadas em cativeiro, métodos para o monitoramento e combate ao lixo no mar, novas tecnologias para reduzir as fontes de poluição são exemplos de desenvolvimentos que vêm sendo feitos pela ciência no país. 

Esses e outros temas dão origem – desculpem pelo trocadilho – a um oceano de questões, trazem um mar de respostas interessantes e oportunidade para agregar e distribuir riqueza para mais pessoas, sempre zelando pela qualidade do ambiente. Portanto cabe também aos jornalistas estar atentos ao que merece notícia, denúncia ou valorização de boas práticas, oferecer ao leitor ou espectador muito além do futebol e do simples entretenimento. Uma oportunidade de contagiar a sociedade com a inspiração que o oceano nos traz e de mobilizá-la para a ação que ele nos pede. Vamos colocar o mar no mapa do Brasil e na cabeça, coração e alma dos brasileiros.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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