Quando buscamos um destino para as férias, para uma prática esportiva ou meditativa é comum que a escolha esteja associada ao ambiente marinho. Apesar disso, os brasileiros não se sentem conectados com o oceano. Um estudo recente indica que mais da metade dos estudantes entrevistados dizem não ter relação com o ambiente marinho em seu cotidiano e outra pesquisa aponta que cerca de 40% dos brasileiros acreditam que suas ações não impactam a conservação do oceano. Um dos caminhos para aproximar a sociedade do oceano é através de podcasts, que desde a pandemia da COVID-19 passaram a ser mais consumidos. Um levantamento recente indica que são mais de 50 disponíveis apenas para tratar sobre o oceano, uma riqueza a ser explorada.
Podcast é um arquivo digital em áudio, divulgado com periodicidade regular, muito similar ao rádio. O diferencial é que a pessoa pode ouvi-lo a qualquer hora, enquanto realiza outras tarefas (durante exercícios físicos, no transporte público ou tarefas domésticas, por exemplo). Pode ainda ser baixado, armazenado, distribuído facilmente e acessado gratuitamente.
Esse tipo de recurso em áudio traz vantagens em relação à mídia impressa e televisiva ao permitir criar, através da voz, uma forma mais descontraída, reflexiva e afetiva de comunicar e aproximar o ouvinte a temas relevantes. Segundo estudo do psicólogo social Michael Kraus, da Universidade de Yale, a audição é mais eficaz em detectar emoções em uma conversa do que nossa visão através da expressão facial.
O Brasil é o terceiro país com maior número de consumidores de podcast do mundo, cuja popularidade acentuou-se nos últimos 10 anos, principalmente durante a pandemia. Segundo pesquisa TIC Domicílios de 2023, o percentual de ouvintes de podcast em relação ao total da população, saltou de 10% em 2019, para 22% em 2022 e 29% em 2023. Apesar dessa tendência em buscar informações não se restringir a uma área do conhecimento, pesquisa da Associação Brasileira de Podcasts (Abpod), realizada entre 2019 e 2020, indica que assuntos sobre ciências aparecem em terceiro lugar na preferência e interesses dos ouvintes, atrás de cultura-pop e humor.
A presença do oceano em podcasts
Os esforços mundiais de implementação da Década do Oceano, a partir de 2021, se concentraram em mudanças comportamentais e ações que consigam reverter o estado de deterioração do oceano, que têm contribuído para as mudanças climáticas e eventos extremos, como os que temos testemunhado. Acidificação e aquecimento das águas salgadas, branqueamento de corais, elevação dos níveis do oceano e aumento da precipitação são apenas alguns desses impactos. Para tantos problemas complexos será preciso envolver todos os atores sociais do planeta para que os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos pelas Nações Unidas até 2030, sejam atingidos. Dentre eles está o de proteger a vida na água (ODS14), que depende de comunicação efetiva para que se possa “conhecer para preservar”.
Dentre as inúmeras iniciativas de comunicação, observou-se um grande aumento de podcasts dedicados exclusivamente à chamada cultura oceânica. Um levantamento feito pela rede Ressoa Oceano nos agregadores Spotify, Google Podcasts e Apple Podcasts, resultou em 52 podcasts que abordam as comunidades pesqueiras, entrevistas com profissionais que atuam de forma inspiradora com o oceano, compartilham as maravilhas e resultados de pesquisas sobre as regiões polares incluindo o Ártico e Antártica, fósseis, biodiversidade, fenômenos do mar e muito mais.
A maioria dos podcasts identificados (75%) começou entre os anos de 2020 e 2021, período que coincide com os dois primeiros anos da pandemia e o início da Década do Oceano. A maior parte é resultado de iniciativas individuais, muitos já atuam com o oceano, ou de universidades e institutos de pesquisa, o que mostra uma preocupação em compartilhar parte do conhecimento produzido com a sociedade.
Apesar do crescimento de podcasts no período, a grande maioria se tornou inativa, com apenas 23,1% ainda ativos. A descontinuidade de programas não é exclusiva dessa área, muito menos do Brasil. Em levantamento global, esse padrão também é percebido e reflete tanto um grande aumento na criação de podcasts em 2020 e 2021, como também um decréscimo enorme nos anos seguintes.
A descontinuidade de alguns podcasts pode ter diferentes razões, como a falta de financiamento, o encerramento de projetos que tinham um período de duração específica, o que é muito comum em editais públicos e privados de pesquisa. Por outro lado, em alguns casos, observamos que a descontinuidade do podcast pode estar relacionada com a natureza do programa em si. Alguns deles foram estruturados para terem o formato de série com o intuito de contar uma história fechada e, portanto, se encerra como um livro, mas segue disponível para acesso.
Felizmente, há iniciativas importantes de financiamento de podcasts como os editais anuais do Instituto Serrapilheira, que já investiram R$1,25 milhão em 19 podcasts. Desde 2020, a instituição lança chamadas anuais, para financiar até 8 podcasts “liderados por pessoas negras e que contém boas histórias nas quais a ciência e o método científico têm um papel central”. Dentre as propostas apoiadas na edição de 2023 está “O mar não está para peixe”, coordenado pelo jornalista Herton Escobar, da Universidade de São Paulo (USP), que aborda em cinco episódios os impactos das atividades humanas e das mudanças climáticas no oceano, temas chave para a conservação da vida no planeta.
Há também iniciativas de projetos de divulgação científica financiados pelo CNPq. É o caso da rede Ressoa Oceano, que em parceria com a jornalista ambiental Paulina Chamorro e a jornalista Juliana Vilas, está produzindo o podcast “Ressoa: Uma janela para o mar”. A produção vai abordar em dez episódios os ecossistemas costeiros e marinhos presentes no Brasil, descrevendo aspectos fundamentais desses ambientes para a sociobiodiversidade. O podcast contará com a participação de vozes diversas, de cientistas, lideranças de comunidades tradicionais, estudantes, crianças e público não especializado em geral. O lançamento será divulgado nos próximos meses no site e nas redes sociais da Ressoa.
Podcasts exigem investimento, técnica e dedicação. A primeira leva de podcasts identificados indica um enorme potencial desse meio de comunicação para trazer a bordo um público distanciado do mar. Cativar o público pode ser um importante passo para trazer o oceano para nosso cotidiano.
Selecionamos cinco podcasts para você mergulhar em histórias e curiosidades sobre o oceano e navegar em conhecimentos inspiradores. Usamos como critério de seleção podcasts que tenham temáticas diversas com o intuito de mostrar que falar sobre oceano é falar a partir de muitas áreas do conhecimento. Pois, para conhecer o oceano, em suas diversas importâncias, precisamos navegar por entre águas naturais e humanas, podendo entender, assim, os diversos serviços prestados por ele para nosso bem estar e de todas as demais formas de vida na Terra.
“O navegando nas artes tem uma abordagem que não é só navegar, ou um olhar do atleta. Ele tem um olhar mais educacional, entender essa relação com o barco, a vela e a nossa relação com a Represa Billings e todo o meio ambiente do entorno (…) mas a gente ainda quer levar as crianças para ter uma experiência no mar, num barco maior também, porque muitos nem viram o mar, muito menos entrou dentro de um barco no mar”, contam seus fundadores ao podcast Maré Sonora de abril de 2024. O projeto Navegando nas Artes nasceu em 2016, e atua com crianças da periferia, a partir dos 4 anos, para se conectarem com a represa Billings, de São Paulo, através do barco à vela decorados com artes de grafite.
“As ascídias são invertebrados marinhos que pouca gente conhece, mas elas estão dentro desse grupo que é o que está mais próximo evolutivamente dos vertebrados. Pelo menos, essas são as hipóteses mais recentes que a gente tem”, conta o biólogo e especialista em ecologia e sistemática de Ascidiacea, Tito Lotufo, ao podcast Cientista do Mar, em julho de 2021. Segundo o biólogo, as ascídias são animais fantásticos porque elas são um exemplo muito importante de que a evolução não tem uma direção, ela não tem como objetivo tornar as coisas mais complexas. Elas são organismos morfologicamente simples, são filtradoras e vivem fixas no leito do mar, como as esponjas.
Cinco podcasts para quem quiser mergulhar em histórias, aprendizados e curiosidades sobre o oceano:
Berbigão da Costeira: Criado em janeiro de 2023 durante a oficina participativa “Berbigão: memória, tradição e cultura” por Felipe Matos. Objetiva reconhecer a coleta artesanal do berbigão, valorizando o saber dos pescadores e das desconchadeiras. O Podcast é parte do projeto “Mapeamento de Referência Cultural: Coleta do Berbigão, Memória, Tradição e Cultura” (2 episódios) | |
Cientista do Mar: Criado em fevereiro de 2021 por Camille Victoria Leal, Cristiana Castello-Branco, Dora Leite e Sula Salani @scidomarpodcast, com o intuito de divulgar toda a beleza e importância do oceano em nossas vidas, através de entrevistas com importantes especialistas brasileiros. (24 episódios). | |
Maré Sonora: Marina Guedes e Cyro Neto, iniciou em 27/05/2020. Podcast sobre entrevistas com pessoas que atuam com o oceano de forma inspiradora. + 160 episódios, 60 min. | |
Paleotema: Mayra Torres @lapas.iousp projeto Midia-Ciência Labjor/IO. 25/10/2022, 35 episódios de 10 a 27 minutos. A história dos oceanos através de fósseis e sedimentos marinhos. Universidade USP | |
Vozes da Pesca Artesanal: criado em 04/01/2021. Divulga a vivência dos pescadores e pescadoras artesanais do Brasil, do Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios (NUHUMAR), Laboratório de Estudo Rurais, 39 episódios de 12 minutos em média. Último episódio em dezembro de 2023. |
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