Colunas

O que muda na Amazônia, muda em nós

Transformações na floresta já afetam o clima, a saúde, a economia e o cotidiano, mostrando que conservar a Amazônia é também conservar a nossa própria vida

2 de outubro de 2025
  • Valcléia Lima

    Superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

A Amazônia influencia a vida de todos, mesmo de quem nunca esteve nela. As chuvas que irrigam plantações no Sudeste, a estabilidade do clima nas grandes cidades e até os alimentos que chegam à mesa estão ligados à floresta em pé. O que acontece aqui não fica apenas aqui, reverbera primeiro na vida das populações tradicionais e depois chega ao cotidiano de quem mora em capitais brasileiras ou até em outros países. 

As mudanças climáticas deixam isso evidente. Quando os rios secam, não é apenas a comunidade ribeirinha que sofre, é toda uma rede de consequências. Em 2023, o Amazonas registrou a estiagem mais severa em 121 anos, afetando mais de 600 mil pessoas em 60 municípios. Crianças deixaram de ir à escola porque o transporte fluvial parou. Famílias caminharam quilômetros para buscar água, tarefa que recai quase sempre sobre mulheres, idosos e crianças. Produtos básicos como açúcar e café encareceram com o isolamento, e alimentos da  floresta, como a castanha e o tucumã, perderam sua safra no tempo certo. Até os peixes, privados de alimento nos igarapés secos, chegaram ao consumo com a carne comprometida. 

Esse é o retrato da injustiça climática: os que menos contribuem para a crise são justamente os que mais sofrem com ela. Povos indígenas, ribeirinhos e  quilombolas, que conservam a floresta em benefício de todos, vivem em territórios onde carecem de serviços básicos e infraestrutura. Quando a temperatura sobe, resta apenas suportar o calor extremo, enquanto que nas áreas urbanas há alternativas como ligar o ar-condicionado. Essa diferença expõe o peso desigual da crise e revela como a adaptação é muito mais dura para quem está na linha de frente da conservação. 

Quando a floresta está em pé, todos ganham. Ela refresca o ambiente, garante a continuidade das chuvas e protege a saúde das pessoas ao evitar o avanço das queimadas. Também sustenta economias locais, criando alternativas de renda para comunidades que vivem da pesca, do artesanato, do turismo de base comunitária e dos frutos da sociobiodiversidade. Além disso, mantém vivas culturas ancestrais que carregam soluções para enfrentar a crise climática e ensinam outros modos de viver em equilíbrio com a natureza. Cuidar da Amazônia  é muito mais do que proteger um território, é sobre assegurar que continuemos a ter alimento, água e bem-estar para as próximas gerações. 

Comunidade do Tumbira, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro durante estiagem histórica. Foto: Rodolfo Pongelupe.

Por isso, dar voz aos povos da floresta é essencial. Não basta que especialistas falem sobre a Amazônia, é preciso ouvir quem a vive no dia a dia. Suas histórias  trazem as soluções. Para compreender a Amazônia profunda, você deve ir além de visitar Manaus ou Belém. É preciso entrar nos rios, conhecer as comunidades, sentir a distância entre uma torneira de água potável e um balde cheio carregado na cabeça. É nesse contato que nasce a consciência de que conservar a floresta é preservar a nós mesmos. 

A COP30, que será realizada em Belém, pode ser uma oportunidade histórica. É hora de ir além dos discursos e avançar para a ação. Que essa conferência seja lembrada não apenas pelas negociações diplomáticas, mas por abrir espaço real para lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas. O mundo precisa ouvir de quem conserva que a floresta não pode esperar e que a Amazônia não é cenário, mas protagonista da luta climática. 

A mensagem é clara: não existe planeta B. Temos apenas este, e a Amazônia é uma de suas colunas de sustentação. Ela nos convoca a olhar para além das  fronteiras e reconhecer nossa interdependência. Cada decisão sobre a floresta é também uma decisão sobre o nosso futuro. E é juntos que precisamos escolher mantê-la viva.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também

Notícias
4 de dezembro de 2025

Quase a metade dos ambientes aquáticos do mundo está gravemente contaminada por lixo

Estudo de pesquisadores da Unifesp sintetizou dados de 6.049 registros de contaminação em todos os continentes ao longo da última década

Reportagens
4 de dezembro de 2025

Como as canoas havaianas podem ser aliadas à pesquisa sobre microplásticos?

Pesquisadores da UFC desenvolveram uma nova metodologia capaz de captar dados relacionados a microplásticos com baixo custo e sem emissão de CO₂

Notícias
4 de dezembro de 2025

Macaco-aranha-da-cara-branca é destaque de pesquisa e turismo no Cristalino

Retomada do monitoramento do macaco na RPPN Cristalino revela novas informações e ajuda a promover turismo e Rota dos Primatas de Mato Grosso

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.