Quando falamos de alimentação, estamos falando de cultura, história e sobrevivência. O café, por exemplo, não é apenas uma bebida: é um hábito enraizado, uma prática cotidiana que nos acompanha desde sempre. Mas, quando olhamos para a produção de alimentos em territórios tradicionais, percebemos que ela está sujeita às mudanças climáticas, que impactam diretamente a segurança alimentar das comunidades.
Os impactos das mudanças climáticas já são visíveis no cotidiano das populações tradicionais. No Amazonas, por exemplo, identificamos que a seca extrema pode ter afetado a produção do ouriço da castanha, reduzindo seu tamanho. O tucumã, essencial para pratos típicos como o x-caboquinho, teve escassez e aumento de preço. O jaraqui, peixe emblemático da região, não só diminuiu de tamanho como também teve alteração no sabor. Alguns dados que, embora empíricos, refletem a realidade de quem vive e depende desses alimentos.
A insegurança alimentar está diretamente ligada às mudanças climáticas e ao aumento do preço dos alimentos, tornando pratos comuns inviáveis para muitas famílias. O quilo do tucumã chegou a R$ 200, e quem trabalha com a venda desses produtos também precisa reajustar preços, encarecendo ainda mais o acesso a itens essenciais.
Mas e as soluções? É necessário pensar em estratégias de adaptação que garantam uma mesa mais acessível e segura. Em algumas comunidades, é possível substituir o café por chás de ervas locais, mas e quem vive nas cidades e não tem acesso a essas alternativas? Ainda que essa substituição seja uma possibilidade, ela não ocorre por escolha, mas sim como uma imposição das mudanças climáticas e do mercado, que tornam inviável o consumo de determinados alimentos. O aumento do preço dos alimentos impacta principalmente aqueles que têm menor poder aquisitivo, tornando mais difícil o acesso a opções saudáveis.
Outro ponto de reflexão é sobre a produção local. Antigamente, comunidades produziam mais para consumo próprio, reduzindo a dependência de alimentos externos. Não seria o momento de resgatar essas práticas? Pequenos cultivos de cacau, café e outros alimentos poderiam suprir parte da demanda interna, garantindo maior autonomia alimentar. No entanto, esse resgate precisa levar em conta as novas condições ambientais. Com as mudanças climáticas afetando a produção de frutos amazônicos e alterando os ciclos naturais, é fundamental que qualquer retorno às práticas tradicionais seja acompanhado de estratégias de adaptação, como o uso de técnicas agrícolas resilientes e manejos sustentáveis que possam mitigar esses impactos.
Precisamos pensar em soluções sustentáveis para garantir que a população tenha acesso a uma alimentação digna. Isso passa pela adaptação climática, pelo fortalecimento da produção local e por um modelo de distribuição que valorize as necessidades da população. Afinal, se podemos substituir o óleo de soja na fritura, também podemos repensar formas de preservar nossa cultura alimentar sem que isso pese tanto no bolso. A segurança alimentar não deve ser privilégio, mas um direito garantido a todos.
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