O ano de 2020 tem despertado atenção para grandes temas globais, como pandemias e mudanças climáticas. No entanto, nem tudo que estamos perdendo ocorre nessa escala. Em 4 de agosto de 2020, às 7h da manhã, a Brigada de Prevenção e Combate aos Incêndios do Parque Nacional da Serra dos Órgãos foi acionada. Um incêndio havia começado na madrugada anterior, localizado em uma região próxima a nascentes e da divisão de três bacias hidrográficas (Piabanha, Guapimirim-Macacu e Roncador/Santo Aleixo), dentro do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO). No meio do segundo dia, o fogo cobria 100 hectares, dobrando no dia seguinte e chegando aos 300 ha quando começou a ser controlado no dia 7. O incêndio florestal aconteceu apenas duas semanas depois de outro que devastou uma porção significativa da Reserva Biológica Estadual de Araras. Esses incêndios não atingem apenas habitats muito ricos em biodiversidade: suas perdas também tocam o mundo dos humanos.
A importância das Unidades de Conservação (UC) vai muito além da proteção à biodiversidade. Há uma crescente literatura que mostra que o papel das UCs para o desenvolvimento econômico e social é considerável e com retornos muito superiores aos valores investidos na sua gestão. O relatório econômico da ONG Campaign for Nature mostra, por exemplo, que a proteção de 30% do planeta traz benefícios e custos em uma proporção de 5 para 1. Estudos de valoração de serviços ecossistêmicos mostram repetidamente o valor das UCs, e como o seu papel transborda a já importante tarefa de conservação e regulação ecológica. O PARNASO, em particular, gera benefícios de aproximadamente R$ 51,5 milhões anuais e é responsável por um estoque de carbono no valor de R$ 35,3 milhões. O fogo queima mais do que árvores, queima serviços de captura de carbono, de regulação ecológica, de suporte e culturais, tendo efeitos no bem estar e para a economia como um todo.
Cada categoria de UC possui especificidades com potenciais diferenciados para o desenvolvimento territorial. Por exemplo, parques são notavelmente reconhecidos pelo uso público. Nesse quesito, o PARNASO é um dos que mais recebe visitação no país: em 2019 recebeu 196 mil visitantes. Muito além da movimentação de bilheteria, essa visitação movimenta a economia local e seus gastos induzem outras atividades, como hospedagem, alimentação, transporte e entretenimento. Esse efeito indutor do emprego e atividade econômica é chamado pelos economistas de multiplicador, e possibilita o cálculo de impacto econômico total do turismo.
Impacto econômico do turismo no PARNASO (em milhões de reais)
A região atacada pelo fogo (Mapa 1), como mencionado, é ainda de crucial importância hídrica. A floresta em pé oferece um serviço de segurança hídrica e essa é uma relação já conhecida na literatura. O Plano Estadual de Recursos Hídricos do Rio de Janeiro mostra a importância do PARNASO no contexto estadual, localizado entre três regiões hidrográficas (Piabanha, Baía de Guanabara, Rio Dois Rios), com 11 milhões de residentes. Os municípios da Região Serrana Fluminense também concentram, junto com as regiões norte e nordeste, o maior uso de irrigação no estado. Toda essa demanda crescente por água deveria então despertar maior conscientização para essas áreas protegidas.
Outra perda causada pelo incêndio é a emissão de carbono. Florestas são retentoras líquidas de carbono pela fotossíntese no processo de criação de biomassa (carbon sink). A queima de florestas, além da emissão direta pelo fogo, também interrompe esse fluxo de absorção. O incêndio liberou aproximadamente 140 mil tCO2e, equivalente à emissão de mais de 600 milhões de km de rodagem de um veículo de passageiros médio à gasolina que consome 12Km/litro (emissão de 230 gCO2e por km, seguindo estudo sobre sobre emissões relativas ao transporte nos grandes centros urbanos brasileiros).
A exposição do solo devido ao fogo pode ter também efeitos no futuro, quando a época das chuvas chegar. A região sofre com enxurradas recorrentes, muitas vezes acompanhadas por grandes eventos de movimento de massa, que trazem enormes problemas, inclusive perdas de vidas humanas, como na tragédia de 2011. Sem contar esses picos, a perda da floresta já implica em um aumento da erosão do solo gerando um custo de desassoreamento dos cursos de água impactados. Segundo parâmetros extraídos de de Young e Medeiros (2018), adaptados para a região do PARNASO, a erosão de cada hectare de solo sem floresta tem um custo anual de cerca de R$ 900,00 para remoção de sedimento em corpos hídricos. Ou seja, enquanto a área queimada permanecer sem floresta, haverá um de até R$ 270 mil anuais para desassorear a erosão adicional induzida pelo incêndio.
Mas essas estimativas de perda subestimam bastante a perda total de benefícios do PARNASO. Perda em pesquisas científicas, projetos de educação ambiental, o uso de imagem e, claro, impactos sobre a biodiversidade, são outros efeitos negativos que, por serem complexos e de difícil valoração, não foram contabilizados nesse exercício.
Esse evento mostra como a floresta continua suscetível às atividades humanas, em particular ao uso intencional do fogo. No dia 6, enquanto o fogo ainda não havia sido controlado, homem é flagrado ateando fogo em um terreno próximo ao PARNASO. Antes, em 27 de julho, um homem colocou fogo no próprio carro para conseguir o seguro, resultando no fogo que consumiu significativa parte da Reserva Biológica das Araras.
O PARNASO, como as demais UCs, é de todo cidadão, e de todas as espécies ali nativas. Colocar fogo em sua casa é um ato de loucura, pois queima junto sua fauna, flora e também seus benefícios a nós, humanos. O fogo foi controlado dessa vez, “uma salva de palmas aos guerreiros do combate ao fogo, do Queijo aos Castelos, nossa biodiversidade os reverencia.”
Se cuidada e com ajuda, a floresta se recuperará. Mas essa cicatriz não irá se curar de um dia para o outro.
Leia Também
Do Queijo aos Castelos: a alta montanha em chamas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos
Leia também
Sobre Hitchcock, desmatamento e o pesadelo ambiental
Parece que o trio Bolsonaro-Mourão-Salles (BMS) andou sonhando com a política ambiental brasileira. O resultado do sonho? Um tal de Conselho da Amazônia →
Limpar o planeta com dinheiro sujo tem seus limites
O problema está em imaginar ser possível financiar um projeto sustentável de longo prazo a partir de pagamentos gerados por infração ambiental →
Do Queijo aos Castelos: a alta montanha em chamas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos
A situação está sendo aos poucos controlada e as equipes de campo continuam mobilizadas. A Serra chora por arder mais um ano e ver sua diversidade empobrecida e suas paisagens impactadas →
O governo precisa investir no combate ao fogo,usando o combate aéreo. Precisa urgente ter aviões apropriados para este combate.
Também não é aceitável as desculpas de que é "caro". O governo gasta muito dinheiro com bobagens , além do desperdício enorme.
O governo (executivo), deve chamar o legislativo para compor esta força tarefa contra os incêndios.