O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou em reunião ministerial, no dia 22 de abril, que era preciso “ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
Agora o ministro pauta, em caráter de urgência, na reunião plenária do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que ocorrerá nesta segunda-feira, 28 de setembro de 2020, a revogação das resoluções 284/01, 302/02 e 303/02. Essas resoluções são instrumentos normativos importantes. Cumprem o objetivo proposto no art. 225, §4º da Constituição Federal: “A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.
Enquanto a sociedade mundial assiste atônita ao aumento exponencial das queimadas na Amazônia e no Pantanal, dois dos biomas mais ricos e importantes do mundo, o Conama pode abrir as porteiras para eliminar regras que protegem a Mata Atlântica e a vegetação de Zona Costeira no país.
Quando as Resoluções 302/02 e 303/02 foram pautadas há três anos no Conama, para revogação em função de legislação superveniente, houve pedido de retirada de pauta pelo Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). A própria consultoria jurídica do Ministério do Meio Ambiente anuiu ao pedido e retirou a matéria, diante de nossos argumentos de que as normativas traziam elementos de proteção importantes e que não seriam substituídos em outras legislações existentes. Era necessário, segundo ficou entendido na discussão do Conama, que essas normas fossem avaliadas em seus elementos protetivos, mantendo-os para que não houvesse retrocesso normativo.
A Resolução 303/02 trata das importantíssimas áreas de restinga. Conforme a definição da própria resolução, trata-se de “depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorre em mosaico e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado”.
Recente decisão do Tribunal Regional Federal concluiu um importante julgamento envolvendo a Resolução 303/02, com o entendimento de que a resolução está vigente, é compatível com o restante do ordenamento jurídico e é fundamental para garantir o máximo grau de proteção a ecossistemas de enorme relevância ambiental (Apelação n.º 0000104-36.2016.4.03.6135, TRF3, 3ª Turma, Des. Rel. Antonio Cedenho).
Um parecer da bióloga Yara Schaeffer-Novelli, da Universidade de São Paulo, remetido ao Ministério do Meio Ambiente em 2017, atestava que a Resolução 303/02 cumpria proteção fundamental ao proteger a faixa de 300 metros de preamar em caráter de preservação permanente, promovendo a proteção da linha de costa como um anteparo para os avanços das marés e contra a erosão costeira; a proteção da biodiversidade como corredor ecológico inclusive para espécies ameaçadas de extinção; como estabilizador de mangues, garantindo interações ecológicas e serviços ecossistêmicos.
Portanto, é inegável a relevância das restingas, ecossistemas que, embora quase extintos, ainda cumprem relevantíssimas funções, destacadamente o de evitar processo erosivo de praias, minimizar impactos de fenômenos climáticos extremos (como as ressacas), cada vez mais frequentes, mitigar efeitos das mudanças climáticas e proteger fauna e flora dele exclusivas. Então, qual a razão para incluir, em regime de urgência, uma proposta de revogação de dispositivos que garantem proteção a ecossistemas tão relevantes?
Está em jogo no Conama a extinção da proteção normativa das restingas. Qualquer discussão sobre esse assunto implicaria amplo debate, voltado ao seu aprimoramento e com a oitiva de especialistas. Além disso, como sinaliza Yara Schaefer-Novelli, em seu parecer, “o Brasil ratificou vários diplomas legais nacionais e internacionais sobre áreas úmidas, afetos inclusive à proteção das fronteiras terra-mar, dentre os quais se destacam a Convenção de Washington, 1948 (Decreto Federal 58.054/1966); a Convenção de Ramsar, 1971 (Decreto Federal 1.905/1996); e a Convenção da Diversidade Biológica, 1992 (Decreto Federal 2.519/1998)”.
Se a revogação da 303/02 favorece setores da especulação imobiliária e carcinicultura no litoral, não menos importantes são as demais resoluções que o ministro pretende extinguir. A 302/02 trata dos critérios de ocupação consolidada em Áreas de Preservação Permanente dos reservatórios artificias, como Billings e Guarapiranga, em São Paulo. Essa perda de critérios favorece o setor imobiliário que especula em áreas de mananciais. De outro lado, a revogação da 241/01 afetará o licenciamento de processos de irrigação, favorecendo o setor ruralista.
A boiada não para aí. Há ainda uma nova resolução em pauta, para aprovação, que trata de critérios de incineração em fornos clinquer. Uma vez aprovada, no formato como propõe o MMA, poderá favorecer a incineração de resíduos de agrotóxicos.
Todas essas resoluções mereceriam uma discussão aprofundada, e sem essa abordagem técnica o resultado será o desguarnecimento de importantes compartimentos ambientais. Deveriam ser objeto não de revogação, mas de aprimoramento, com debate técnico, científico e democrático, dons irrefutáveis que a lei conferiu ao Conama.
Vale ressaltar que uma das primeiras medidas antiambientais do ministro, em 2019, foi fragilizar os mecanismos de controle social no Conama, diminuindo a representação e retirando a representatividade regional da bancada ambientalista, enquanto aumentava a representação governamental federal e do setor econômico, que agora, juntos, detêm a maioria absoluta de votos. A boiada de resoluções passa mais fácil.
Importante observar que é mais difícil, juridicamente, contestar uma resolução do que um decreto, já que uma resolução do Conama se reveste do manto democrático da “participação social”. Este aspecto de facilitação deve ser devidamente observado pela sociedade brasileira, que, com as alterações sofridas no Conama, perdeu salvaguardas que foram sacralizadas pela Constituição Federal nos requisitos de plena participação social.
Essas resoluções não podem ser extintas pela urgência que se revela nas prioridades do ministro. Não há como dissociar este ato a uma tentativa de “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
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O que impressiona é a irresponsabilidade com o ecossistema, com a biodiversidade, com as pessoas que vivem nessas regiões, enfim, com a vida!
A 303/2002 é desnecessária desde o novo código florestal. Não faz sentido ter os dois instrumentos. O que for realmente restinga, topo de morro,etc está assegurado. 300m a partir da preamar é demasiado subjetivo, inaplicável na zona costeira brasileira. Pura fantasia hipócrita. A maior parte de quem defende mora nessa área.
Constata-se degradacao ambiental, agressão a povos indigenas e comunidades, desrespeito às leis vigentes de proteção ambiental pelo ministério que deveria proteger o meio ambiente. Como se não bastasse, desmonta o Conana, restringindo a participação popular, verdadeiro controle social. Fora! # Não passarão!
Além da violência ambiental, agressão a diversas comunidades tradicionais que nesses biomad vivem, algumas à séculos, como povos indígenas e caiçaras!