Reportagens

Intervenções na APA de Maricá continuam impedidas, afirmam Inea e Defensoria Pública

Alvará para resort Maraey foi expedido pela Prefeitura, mas órgãos públicos confirmam que ainda está em vigor a decisão do STJ que impede a realização de obras

Elizabeth Oliveira ·
29 de julho de 2022 · 2 anos atrás

Ambiente natural de expressiva beleza cênica, cortado por ecossistemas de grande importância para a proteção da biodiversidade, pesquisa científica, pesca e o ecoturismo, como dunas, restinga, brejos e praias, a Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá segue envolvida em um imbróglio jurídico e inúmeras controvérsias. Em resposta à repercussão recente sobre expedição de alvará pela Prefeitura para a instalação do projeto Maraey, o 6º Núcleo Regional de Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ) informou que ingressou com petição junto à 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá, na segunda-feira (25 de julho). 

Na ocasião, foi reiterado que continua em vigor a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que impede a realização de obras do resortde capital espanhol projetado pela empresa IDB Brasil e de qualquer outro empreendimento nessa unidade de conservação estadual do município litorâneo de Maricá, localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. “A decisão judicial que determinou a suspensão dos pedidos de licenciamento, loteamento, construção ou instalação de qualquer empreendimento no interior e entorno da APA de Maricá pelos réus continua em vigor. O processo está no Tribunal de Justiça, aguardando julgamento de recursos”, afirma a DPERJ por intermédio de sua assessoria de imprensa. 

Essa decisão mencionada é parte de um processo gerado por mobilização unificada da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores Zacarias (ACCAPLEZ) e da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma), movido no âmbito de Ação Civil Pública do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da DPERJ, contra o processo de licenciamento ambiental do empreendimento imobiliário na APA de Maricá.

Em nota encaminhada à reportagem de ((o))eco, a DPERJ acrescenta que estão em curso algumas investigações envolvendo denúncias recentes de intervenções que teriam ocorrido em área da APA, nas imediações de território onde vive uma comunidade do povo indígena Guarani: “Estamos apurando ainda os relatos de desmatamentos na Aldeia Mata Verde Bonita em Maricá. Será necessário analisar alguns documentos, que, apesar de já solicitados, ainda não foram apresentados.”

IDB defende sustentabilidade do projeto e reitera não haver impedimento legal

Melocactus violaceus encontrada em Maricá. Foto: Jorge Pontes

Em resposta às questões enviadas pela reportagem de ((o))eco, a IDB Brasil enviou esclarecimentos, argumentando “que não há qualquer trabalho de desmatamento na área do projeto e reitera o respeito e o reconhecimento integral à tradição e à cultura indígena, bem como ao bioma da restinga de Maricá”. Ainda segundo informado pela empresa responsável pelo empreendimento turístico-residencial, “na execução de georreferenciamento e estudos florísticos, justamente para inventário e preservação da flora local, a equipe da IDB Brasil realizou trabalhos a uma distância de aproximadamente 100 metros do cemitério indígena. Não houve ingresso de pessoas ou supressão vegetal na área do cemitério [área que segundo denúncias recentes teria sido desmatada]”.

Quanto àconcessão do alvará de início das obras pela Prefeitura de Maricá, no dia 13 de julho, a empresa destacou que o documento prevê “uma fase inicial de trabalhos dedicada à execução da rede viária e desenho urbano do empreendimento” e que as obras correspondentes a essa etapa “estão previstas para iniciar na segunda quinzena de agosto”.

Em relação ao imbróglio jurídico, que envolveu inclusive a não aceitação recente de recursos no âmbito do STJ, apresentados pela IDB Brasil e pela Prefeitura de Maricá, a empresa afirmou“que tem conhecimento do Agravo em Recurso Especial, datado de 4 de maio de 2022”. Mas “reitera de modo enfático que, após julgamento favorável no Tribunal de Justiça do Estado do Rio em agosto de 2021, não há, atualmente, qualquer decisão vigente da Justiça – nem o citado documento, nem os acórdãos publicados em novembro do mesmo ano ou a decisão proferida pela Terceira Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), no dia 13/04/22 – no sentido de impedir a continuidade do empreendimento”. 

Em continuidade às respostas enviadas à reportagem, foi afirmado que “a posição da empresa é a mesma do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da Procuradoria do Município de Maricá, órgãos que inclusive já se manifestaram formalmente nos processos em questão”. “A IDB Brasil cumpre rigorosamente todos os ritos legais desde o início do processo de licenciamento do projeto, há mais de 10 anos, e jamais atuaria em descumprimento a qualquer decisão judicial vigente”, acrescenta a nota.

Ainda segundo o posicionamento do empreendedor, “a decisão proferida pela Terceira Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), em novembro de 2021 (publicada em 13/04/22), não altera em qualquer medida o acórdão da 18ª Câmara Cível do mesmo TJRJ, de agosto de 2021, que reconheceu a nulidade da sentença contrária ao projeto”. A empresa argumenta que “foram negados, pela Terceira Vice-Presidência, recursos impetrados por todas as partes, inclusive pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro”. À época, ((o))eco divulgou os resultados desse julgamento do TJRJ.

Por fim, a empresa argumentou sobre a sustentabilidade do projeto que vem sendo contestada por pesquisadores e ambientalistas de referência atuantes no litoral de Maricá. “A IDB Brasil segue, portanto, trabalhando no desenvolvimento do mais importante complexo turístico-residencial sustentável do país, que já conta com premiações e selos de sustentabilidade de reconhecimento mundial, como o Prêmio de Liderança do U.S. Green Building Council 2021 para América Latina (2021 USGBC Leadership Award Latin America), o selo BIOSPHERE e as pré-certificações Sustainable SITES Initiative GOLD e Geo Sustainable”.

Alegou, ainda, que o projeto “terá, entre outros ativos, a segunda maior reserva particular de restinga do Estado do Rio de Janeiro e a quinta maior do Brasil, além de um centro de pesquisas para estudar ecossistemas locais e dar apoio integral à comunidade de Zacarias, com entrega de título de propriedade aos moradores, infraestrutura e incentivo à pesca artesanal, entre outros benefícios”.

Glaucomastix littoralis. Foto: Jorge Pontes

Mas integrantes do Movimento Pró-Restinga de Maricá, que não estão convencidos dos argumentos do empreendedor, divulgaram posicionamento de protesto, nas redes sociais, ao tomarem conhecimento da expedição do alvará para a instalação do projeto Maraey. A vigência da decisão do STJ sobre o impedimento de intervenções na APA foi um argumento ressaltado nas divulgações. Esse coletivo, formado por pesquisadores, ambientalistas e moradores, não concorda com a instalação do projeto imobiliário por considerar que existem altos riscos socioambientais envolvidos na sua implementação. 

Em contrapartida, o Movimento tem defendido que a APA (unidade de conservação menos restritiva) seja transformada em um Parque Estadual (unidade de conservação que não permite uso direto da natureza e se destina à proteção ambiental, pesquisa, educação ambiental e ao turismo planejado).

À imprensa local, o secretário de urbanismo de Maricá, Celso Cabral,  afirmou que “a Prefeitura de Maricá não desobedeceu qualquer decisão judicial tendo, tão somente, atendido à solicitação do Empreendedor, nos estritos termos da Licença de Instalação nº IN52448 fornecida pelo INEA, que autoriza unicamente a execução da rede viária e desenho urbano do empreendimento”. Segundo o gestor, esclarecimentos sobre o caso deveriam ser buscados junto ao órgão ambiental estadual, responsável pelo licenciamento do projeto.

Inea também confirma impedimento legal de intervenções na APA

Em comunicado do Inea, em resposta ao pedido de esclarecimentos da reportagem de ((o))eco, foi confirmado que intervenções nessa unidade de conservação estadual estão impedidas por decisão judicial. Ainda segundo informado, “foi emitida a Licença de Instalação (LI) para as obras civis da rede viária e desenho urbano, não sendo autorizada a supressão da vegetação nativa, sem autorização prévia via Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que até o momento não foi requerida pelo empreendedor”.

O início da Licença de Instalação foi aprovado pelo Conselho Diretor (Condir) do Inea, em reunião realizada em 6 de outubro de 2021, gerando grandes controvérsias. A questão foi apresentada em reportagem de ((o))eco à época, quando fontes consultadas argumentaram que havia uma liminar em vigor, proibindo qualquer procedimento nesse sentido.

Quanto à solicitação de esclarecimentos sobre denúncias de desmatamento que teria ocorrido na APA de Maricá e que teria sido alvo de fiscalização do Inea, segundo relatos de moradores da região, o órgão ambiental alegou desconhecimento sobre a questão. “O Inea realiza operações constantes em todo o território fluminense, mas não identificamos nenhuma operação específica com relação às informações que nos solicitou”.  Ainda segundo o comunicado recebido pela reportagem, “a própria gestora da APAMAR não reconheceu saber do que se trata”. 

*Editado às 13h52 do dia 02/08/2022. Ao contrário do que afirmamos antes, o Movimento Pró-Restinga de Maricá defende a transformação da APA em um Parque Estadual, não em um Parque Natural Municipal. A informação foi corrigida.

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

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