Em junho de 2023, um ciclone extratropical deixava um rastro de destruição na região Sul do Brasil. Volumes de chuva extremos de 200 mm a 350 mm e ventos acima dos 100 km/h provocaram deslizamentos, inundações, quedas de pontes, destelhamentos e interrupção no fornecimento de energia. Segundo o balanço do governo gaúcho, 69 municípios do Rio Grande do Sul (RS) foram afetados e 59 decretaram Situação de Emergência ou Calamidade. O fenômeno climático causou a morte de 16 pessoas – tendo sido este o maior número de mortes provocadas por chuva em 40 anos –, mais de quatro mil ficaram desabrigadas e outras 55 mil desalojadas.
Os impactos causados pela passagem do ciclone foram noticiados pelos diferentes meios de comunicação locais. Porém, os jornais não inovaram na cobertura jornalística pós-desastre, isto é, centraram-se no sofrimento das vítimas, na atuação imediata do governo diante do acontecido e na divulgação repetitiva de novos alertas meteorológicos. É essencial manter a população informada em meio a um cenário trágico e repleto de incertezas. No entanto, uma cobertura simplificadamente factual acaba por não apresentar aos cidadãos as reais causas das tragédias socioambientais e possibilidades para o seu enfrentamento.
Os eventos extremos são acontecimentos que irrompem a “normalidade” cotidiana e, por isso, despertam o interesse público. Nesse sentido, necessitam de uma cobertura jornalística abrangente e contínua – que informe, contextualize, conscientize e mobilize a sociedade. É fundamental que o jornalismo estabeleça uma conexão entre o local e o global na cobertura de desastres, relacione a maior frequência e intensidade dos eventos extremos por consequência das mudanças climáticas, e informe o andamento dos planos de enfrentamento dos governos para prevenção de desastres e adaptação e mitigação aos efeitos das mudanças climáticas.
No que tange ao jornalismo é insuficiente contar os dramas de comunidades afetadas e mostrar medidas emergenciais de resgate, salvamento e assistência às vítimas para conscientizar e mobilizar o público: é preciso aprofundar a cobertura jornalística ampliando a pesquisa e a diversidade de fontes sobre problemas crônicos de planejamento urbano, saneamento e infraestrutura das cidades.
É o que sugere o estudo “Porto Alegre e a mudança climática: abordagens do jornalismo local na construção da resiliência”, realizado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). Ao analisarem coberturas jornalísticas de eventos extremos que atingiram Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, entre o período de julho de 2015 e junho de 2020, os pesquisadores verificaram que as abordagens das notícias locais geraram “pouca abertura ao debate público”, o que dificultou a “reflexão e mobilização sobre os efeitos da mudança do clima e as ações possíveis de mitigação e adaptação”.
O estudo evidencia a limitação dos veículos locais, na cobertura de ciclones, enchentes, ondas de calor e estiagem na cidade de Porto Alegre no período analisado, ao ressaltar imagens das catástrofes sem apresentar um questionamento aprofundado sobre a precária infraestrutura urbana para enfrentar os eventos extremos. A constatação foi de que o jornalismo local está inserido no seguinte padrão de cobertura: Fatalidade, Desarticulação, Imediatidade e Disjunção.
Os pesquisadores observaram que as notícias que se enquadram em Fatalidade são as primeiras produzidas após o desastres. A abordagem é simplificada e divulga apenas dados pluviométricos, alertas meteorológicos, número de atingidos e relatos da chuva excessiva. Nessa fase, os veículos já deveriam destinar espaço para questionamentos em relação ao enfrentamento de eventos extremos, como cobrar respostas da Prefeitura quanto ao andamento de planos de curto, médio e longo prazo de adaptação e mitigação de aos efeitos das mudanças climáticas.
De acordo com os pesquisadores, os jornais não relacionam e nem cobram por ações específicas de enfrentamento às mudanças climáticas, gerando uma Desarticulação na cobertura. Essa falta de acompanhamento da pauta, diante dos dados e do conhecimento acumulado sobre os eventos extremos e os respectivos impactos socioambientais, torna precária a informação levada ao público, o que prejudica a sua compreensão sobre o problema e, por conseguinte, a mobilização. A mera adoção da narrativa de uma suposta “volta à normalidade” antes dos eventos extremos não é mais aceitável no contexto da emergência climática.
No estudo, a Imediatidade da cobertura prejudica a promoção de uma reflexão sobre ações de precaução e planejamento de longo prazo. Isso porque os veículos empenham-se em ressaltar os elementos desfavoráveis aos moradores da cidade logo após os eventos extremos. São matérias com foco nos estragos e problemas imediatos como o trânsito interrompido por queda de árvores ou congestionado por falha nos semáforos. As notícias dão ênfase no caos, no trauma, como se nenhuma ação pudesse ser tomada para minimizar os impactos do fenômeno. Por conta disso, o planejamento de médio e longo prazo para uma construção da resiliência frente às mudanças climáticas não é trazido à tona.
Conforme apontado pelos pesquisadores, os termos “mudanças climáticas” e “resiliência” foram inexistentes nas coberturas de desastres, sendo posteriormente empregados de forma isolada em notícias sobre seminários e reuniões. Como percebido, os veículos não relacionam os fenômenos que atingiram a cidade aos desafios para construir a necessária resiliência no contexto das mudanças climáticas, as quais potencializam os danos dos eventos extremos. Como Disjunção, os pesquisadores consideraram a falta de uma conscientização local-global por meio da inexistente relação entre a emergência climática e os eventos extremos que afetam os municípios.
O jornalismo deve também reportar o andamento dos Planos de Ação Climática e o cumprimento pelos governantes das medidas previstas. A mudança na cobertura de eventos climáticos deve contribuir com informações contextualizadas e que busquem mobilizar o debate público, por exemplo apontando caminhos para a redução dos riscos e a construção de sociedades resilientes aos efeitos das mudanças climáticas.
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