Estávamos ainda no século passado. A África do Sul, sob a liderança transitória de Nelson Mandela e Frederick de Klerk se debatia para sair do Apartheid sem morrer afogada em um banho de sangue. Era um fim de tarde de um sábado ensolarado. No carro, vínhamos felizes de uma visita ao Parque Nacional Addo. Nos dirigíamos ao Parque Nacional Tsitsikamma, onde, na terça-feira, faríamos a primeira de uma série de visitas técnicas a trilhas de longo curso na África do Sul, com vistas a desenvolver um sistema de trilhas de longo curso no Brasil, então um sonho distante.
Tudo corria bem até que o fotógrafo da expedição, manuseando seu equipamento, deu um chilique: “precisamos mudar a rota! Temos que entrar em Port Elizabeth!”. Não era um desvio simples, implicava mais de 200 quilômetros a mais no trajeto. Luis Otávio Teixeira de Freitas e eu, perplexos, perguntamos a razão. No banco do carona, Ricardo Azoury, suava frio e exalava ansiedade. Não havia ainda internet e as fotos eram todas feitas em filme. Azoury não podia prosseguir daquele jeito até segunda-feira, ele tinha “apenas” cinco rolos de filme virgem. Rimos com a piada.
Não era piada. “Cinco rolos não dão para nada, nada! E se aparecer um disco voador? Vou perder a maior oportunidade profissional da história?”. Rimos mais uma vez. Não era piada de novo. Ao fim e ao cabo, desviamos e fizemos um longo périplo pelas lojas fechadas da pacata Port Elizabeth até encontrarmos um pequeno quiosque com meia porta aberta. Perdemos o dia, mas, ao longo da jornada, descobrimos que ali pertinho, em Mossel Bay, estava se iniciando uma atividade turística de mergulho com tubarões brancos, algo totalmente novo. Mais uma vez, mudamos nosso trajeto e nossa programação: como Azoury iria segurar sua ansiedade se não fotografasse os tubarões brancos?
No final, deu tudo certo. Fizemos as reuniões técnicas necessárias e saíram matérias sobre a Trilha Tsitsikamma, sobre o Parque Nacional da Montanha da Mesa e sobre o mergulho com os tubarões brancos, além de boas avaliações políticas sobre o momento que a África do Sul atravessava.
Assim era Ricardo Azoury, profissional focado e pronto a aproveitar todas as oportunidades que a vida lhe dava. Fotógrafo de mão cheia, que com sua câmara perspicaz, mais de uma vez me obrigou a mudar o rumo do texto para conseguir acompanhar a imagem que ele havia capturado. Ambientalista dedicado que construiu uma bela carreira fotografando trilhas no Rio de Janeiro, montanhas no Tumucumaque, bromélias em todo o Brasil, além de cada pedaço de jornalismo real que lhe cruzasse o caminho. Certamente há de entrar para a história como um dos maiores fotógrafos de natureza e jornalistas fotográficos ambientais de nosso país.
Com Azoury, aprendi muito e construí uma história comum: ele é o fotógrafo dos livros “Trilhas do Rio” e “Transcarioca – Todos os Passos de um Sonho” e foi companheiro das primeiras viagens técnicas de aprendizado que subsidiaram a criação do que hoje é a Rede Brasileira de Trilhas.
Bom amigo, conhecedor dos melhores vinhos, bom garfo, brasileiro que amava nosso país, pai e padrinho da Trilha Transcarioca. Ricardo Azoury faleceu neste final de semana, em Petrópolis (RJ), após sofrer um acidente de carro. Deixa muitas saudades na terra mas, com certeza, será recebido de braços abertos no Céu.
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