Fotografia

Floresta Atlântica, para todos de bem

Sobrou pouca Floresta Atlântica no Brasil, mas onde a mata resiste em bom estado de conservação, é possível se fotografar as mais diversas e coloridas formas de vida.

Adriano Gambarini ·
1 de junho de 2007 · 19 anos atrás

Desde que eu soube que o bioma mais ameaçado do Brasil, e paradoxalmente um dos maiores berços de biodiversidade do planeta, está com menos de 8% de sua distribuição original, comecei a me referir a ele como Floresta Atlântica. Vai que esta história de chamá-la de Mata empolga o pessoal a continuar sua matança…

Mas na contramão dos que levam “o nome ao pé da letra”, em 27 de maio foi celebrado, em São Paulo, o Dia Nacional da Mata Atlântica , com uma série de eventos, palestras, debates, livros e outras atividades, juntando as milhares de pessoas que acreditam ser possível reverter a situação minguada desta floresta que margeava toda a costa brasileira. Sua situação é polêmica e muitos apregoam sua devastação aos colonizadores portugueses; já Evaristo de Miranda cita, no livro “Natureza, Conservação e Cultura: ensaio sobre a relação do homem com a natureza no Brasil” e no qual fui autor fotográfico, diversos estudos que apontam o desmatamento da Mata Atlântica como um fenômeno do século XX. Ressalta ainda que entre 1985 e 1995 este bioma perdeu mais de 1 milhão de hectares, 11% de seus remanescentes e mais do que toda a área explorada ao longo do período colonial. O fato é que esta floresta fantasticamente cênica para se fotografar esteve no caminho do desenvolvimento urbano desde a época do achamento do Brasil: beira-mar, solo fértil, madeiras nobres, vistas grossas, descaso, animais e plantas raras, e no local propício para a expansão agrícola da cana-de-açúcar e do cacau. Deu no que deu!

A Floresta Atlântica é um dos palcos mais fascinantes para ‘olhos-através-das-lentes’, e um dos lugares mais difíceis de se fotografar, pois tudo é mistério. A pouca luz entre a vegetação densa se dispersa na fina névoa que envolve as árvores, cipós e arbustos – doce respiração da vida; uma monocromia verde confunde a tridimensionalidade da cena, os (poucos) macacos curiosos na copa das árvores dão sinais de existência, mas protegidos pelo contra-luz do céu esparso entre as folhas, e que ofusca o olhar do visitante, reinam imponentes nas alturas.

Pássaros minúsculos estão ali, endêmicos; surgem do nada, cantam escandalosamente durante alguns minutos e somem sem deixar vestígios. E você ansiosamente, arma um torcicolo de tanto olhar para cima. Insetos, anfíbios, fungos e liquens criam um verdadeiro e enigmático mundo menor, um fractal do grande cenário. A temperatura sempre constante acolhe e umedece. O silêncio acorda os pensamentos e as revelações. Os sussurros das brisas caminham sobre os córregos e anunciam a grande cachoeira. Mamíferos terrestres, num golpe de sorte, são vistos cruzando alguma estrada, na beira de uma lagoa no alcançar da madrugada, ou descansando sob o sol fraco da manhã; por isto não se iludam com longas histórias justificando fotografias fantásticas e luzes perfeitas em retratos de animais raros. Como tudo que é mistério, na Floresta Atlântica deve-se pedir permissão para entrar, ver por aquela fresta dos olhos, quando deixamos de olhar, e agir pela intuição. Afinal, o que é a fotografia senão o não-olhar, mas ver com a janela da alma?

  • Adriano Gambarini

    Fotógrafo profissional desde 1991. Vencedor do Prêmio Comunique-se, é geólogo de formação, com especialização em história natural e espeleologia, autor de 20 livros e diretor de dezenas de documentários.

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