O mundo ambiental brasileiro anda cada vez mais Déjà vu. Toda fim de semana é a mesma sensação, algo como Bill Murray em Feitiço do Tempo, onde todos os dias se repetem, tudo igual; as mesmas notícias, os mesmo acontecimentos. É obvio que estou generalizando, afinal estes últimos dias foram presenteados com ditos religiosos e metafóricos do Criacionismo e, sendo metafóricas, as interpretações são inúmeras, tudo é imaterial. E se deixamos passar, os feitos científicos e teorias evolucionistas podem se perder nas bibliotecas universitárias.
Amazônia novamente em pauta, em pleno “Inverno”, onde a chuva desce solta dos céus (talvez seja o início do fim dos tempos) e a última possibilidade seria um insano processo de desmatamento. Mas como nada é impossível neste país de “Gersons”, a floresta continua a cair. Até procurei temas ambientais para a busca de um ensaio fotográfico que desse uma luz de prazer ao prazer de admirar uma boa imagem. Pensei em apresentar um diagnóstico que a WWF e o ICV vêm fazendo do Parque Nacional do Juruena. Um reduto ainda preservado de Amazônia em pleno Mato Grosso, um dos estados mais escandalosos na indigna intenção de virar tudo monocultura.
Mas aí seria poliano demais, mostrar uma realidade cada vez mais minguada, como se quisesse tapar o sol com a peneira ou que restasse uma esperança. Afinal, esperanças à parte, nem de longe quero parecer metafórico ou dar margem a discursos religiosos. Tem gente graúda fazendo isto muito bem. Definitivamente não conseguiria mostrar a grande diversidade de fauna e flora se a única coisa diversificada nisto tudo é a forma de anunciar a mesma notícia: que a Amazônia vai de mal a pior. Quem sabe mostre estas fotos, réstia de esperança ambiental, numa próxima oportunidade, quando as atenções estejam voltadas para o degelo antártico.
Decidi pedir inspiração no tempo passado, aquele em que a Amazônia era palco de elucubrações e delírios de ser o grande pulmão do mundo, onde tudo era, pelo menos às vistas grossas, um mar de floresta, e seus moradores eram índios pelados que viviam em total harmonia com sua casa.
Lembrei-me então da fotografia poética de George Leary Love. Nascido em 1937, americano da Carolina do Norte, juntamente com Minor White e Paul Caponigro foi um dos fundadores da The Association of Heliographers. Adotou o Brasil na década de 1960 e se apaixonou por um outro norte.
Formado em matemática, física e filosofia da arte, vê-se em suas imagens um pouco disto tudo, apesar de alguns acharem que números não tem nada de filosófico ou de poético. Mas George foi certamente um dos mais influentes autores no cenário cultural e fotográfico do País, com sua intensa participação na revista Realidade, nos idos de 1970. Nessa mesma época, em parceira com Claudia Andujar, coordenou oficinas e laboratórios de fotografia no Masp, apresentando nos eventos um olhar refinado e definitivo sobre a fotografia como expressão artística.
Trabalhou para diversas revistas da Editora Abril, publicou os livros Amazônia (em parceria com Cláudia Andujar), Water (1978) e São Paulo Anotações (1982); produziu um aprofundado inventário visual da cidade de São Paulo, de Itaipu e do Rio São Francisco. Mas são suas imagens poéticas da grande floresta, seus cliques aéreos ou olhares ainda ingênuos dos índios, que abastecem nossa imagética visual de grande poesia e cor.
Quem sou eu para afirmar algo sobre este trabalho belíssimo, mas parece que George não tinha a intenção da fotografia como documento, uma visão real do mundo; a realidade já temos nos olhos, e muitas vezes um pouco de delírio estético faz bem pra alma. E, justamente num mundo tão inundado de “fotografias inéditas”, digitais precisos e fotógrafos preguiçosos, George se tornou imortal (seguiu deste mundo terreno em 1995), mas deixou em seu último legado – Alma e Luz (1995) – de onde tirei estas imagens, um brinde à fotografia como o mais refinado conceito de destreza, arte e prazer em ver além.
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