De Vicente Habib , advogado
Prezados,
Sou o advogado que trabalhou na causa relativa à passagem do evento na modalidade de trekking no Parque Estadual dos Três Picos (PETP), e que postulou a decisão que o Sr. comenta no presente artigo como absurda. Discordar de decisões judiciais é democrático, faz parte do jogo. Mas permita-me esclarecer algumas premissas que me parecem bastante equivocadas.
Não foi espantoso que o Juiz tenha concedido a decisão autorizando a realização da atividade na modalidade de trekking no PETP em primeira instância, e que a Desembargadora a tenha mantido após recurso interposto com admirável agilidade pela FIEF. Diante dos fatos e do Direito aplicáveis à questão, surpreendente mesmo seria se a liminar não fosse concedida e mantida.
Os Parques, como afirmado no artigo, são unidades de proteção integral que, na forma da lei do SNUC, tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. Não é uma zona intocável.
O regulamento estadual de parques previsto no Decreto nº 39.172, de 24/04/2006, proíbe a realização no interior da unidades de atividades como bicicross, mountain bike, motocross, rally, caça, pesca entre outras. O mesmo decreto estabelece que as práticas esportivas não proibidas, com ou sem fins lucrativos, deverão apresentar em seu material de divulgação uma mensagem de preservação ambiental e o logotipo da Fundação Instituto Estadual de Florestas e o da Unidade de Conservação onde a prática esportiva for ser realizada. Veja, portanto, que o Poder Público previu as atividades esportivas presumidamente nocivas, não constando entre elas, obviamente, a atividade de trekking ( caminhada), mesmo que competitiva. As outras atividades esportivas são inclusive estimuladas, desde que divulguem a “logo” da FIEF. Por conseguinte, considera a legislação vigente que atividades esportivas praticadas com cautelas não comprometem “a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica do parque”. E é óbvio que não comprometem.
No caso concreto do Parque dos Três Picos, objeto da mencionada “espantosa” decisão judicial, o pedido final que foi apresentado à FIEF requeria somente a realização da modalidade de trekking (caminhada) e de cavalgada em trilhas já existentes do Parque Estadual. A atividade de cavalgada não estava controversa, visto que foi autorizada na resposta à primeira consulta à FIEF por estar prevista para trilha que recebe cavalgada tradicional anual. Assim sendo, a controvérsia que foi levada ao Judiciário girou em torno do fato de aproximadamente 50 grupos de 4 pessoas largarem, de meia em meia hora, para percorrer as trilhas do PETP “by foot”. Atletas que percorrem todo o mundo praticando esportes integrados à natureza e que a amam acima de tudo. Pessoas que não merecem ser pré-julgadas com visões absolutamente distorcidas e desinformadas sobre os seus valores.
O Parque Estadual dos Três Picos, como informado no site da FIEF,possui 46.350 hectares (463,50 quilômetros quadrados), e é a maior unidade de conservação ambiental do grupo de proteção integral do Rio de Janeiro. Repita-se: 463,5 quilômetros quadrados. Difícil crer que a passagem de 200 atletas caminhando por suas trilhas lhe seja tão prejudicial. Não vale o argumento de que serão realizados eventos desta natureza toda semana. Isso é questão de regulamentação, e não de completa proibição.
Interessante também a leitura da descrição do parque contida no sítio da FIEF: “O Parque ostenta um dos mais extraordinários conjuntos de montanhas de todo o país, sendo por isso considerado como um verdadeiro paraíso para a prática de esportes como caminhadas e escaladas em rocha.” E mais: “Todas estas belezas naturais fazem com que o Parque Estadual dos Três Picos se converta em um destino ímpar para o chamado ecoturismo, desde que praticado de forma ordenada e com fluxos controlados de visitantes. Esta será em breve uma importante fonte de geração de empregos e de renda para as economias dos municípios por ele abrangidos, empregos estes em maior número e de muito melhor qualidade do que as formas tradicionais de ocupação do solo na região, como a pecuária extensiva e uma primitiva agricultura de subsistência.” Não é informado na descrição, mas merece reflexão, que diversas propriedades particulares existentes no seu interior, mesmo após 6 anos da edição do Decreto, nunca foram desapropriadas. A Lei do SNUC não deixa opção: parques são terras públicas. Será essa também uma preocupação do nosso poder público, fazer uma regularização fundiária e conferir legalidade à existência do parque, fazer justiça com os proprietários de terras que de uma hora para outra foram expropriados sem qualquer indenização, enfim, cuidar de verdade do Parque e aperfeiçoá-lo. Ou será que nossos administrados andam muito ocupados com “corridas de aventura”. Pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Também não considero que as questões ambientais devam ser resolvidas pelas famosas compensações. A compensação é devida para o caso de empreendimentos de significativos impactos, quando não mitigáveis ou recuperáveis, conforme previsto na Lei do SNUC e no seu decreto regulamentador. Como o próprio nome diz, o empreendedor deve compensar tais impactos com investimentos em unidades de proteção integral. No caso em tela, todos os impactos, além de não significativos, são mitigáveis, controláveis e recuperáveis. A rigor, não haveria nem que se falar em compensação.
Sem querer perder o foco do assunto, finalizo e convido os que estiverem dispostos a assistir cenas chocantes de impacto ambiental a navegarem pelas fotos do site. Convido também os que são contra a refletirem e pensarem no “como”. Muitas vezes essa é uma grande vitória, muito maior do que qualquer decisão judicial. Os que continuam contra, que assim o façam, pois é legítimo e democrático.
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