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Anúncio Vazio

De Gilberto Câmara Diretor Geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Estimado Sergio Sou leitor assíduo d´O Eco, e acompanho com...

Redação ((o))eco ·
10 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás

De Gilberto Câmara
Diretor Geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

Estimado Sergio

Sou leitor assíduo d´O Eco, e acompanho com muita simpatia a empenho do site em combater o desmatamento na Amazônia e de promover práticas sustentáveis.

Ocorre que muitas vezes a necessária ansiedade de vocês em apontar erros do governo resulta em reportagens e artigos de opinião que distorcem os fatos e, no limite, propagam erros sérios.

Ciente do prestígio d´O Eco junto à comunidade ambientalista brasileira, gostaria de apontar vários problemas em seu artigo de opinião, “Anúncio Vazio”, publicado no site em 07.12.2007. Cito o artigo e depois minha opinião.

“Não será a primeira vez que o governo anuncia um dado velho para criar clima favorável a uma ação diplomática no exterior”.

Você faz aqui uma confusão entre o dado anunciado em agosto, que era apenas uma estimativa preliminar com os dados do DETER, com o dado anunciado na semana passada, que é uma estimativa muito mais confiável, baseada em outro sistema de monitoramento (PRODES).

O INPE faz dois anúncios anuais das taxas de desmatamento:

(a) O mais importante anúncio é feito no final de Novembro, com a estimativa das taxas baseada em análise de imagens dos sensores TM/LANDSAT e CCD/CBERS, com respectivamente 30 metros e 20 metros de resolução no solo.

É a mesma metodologia que o INPE faz desde 1998, que mapeia todas as áreas desmatadas com mais de 6,25 ha, chamada PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia). Esta estimativa é referente ao período 1o. de Agosto do ano anterior até 31 de Julho do ano corrente.

Para calcular a taxa estimada em Novembro de cada ano, o INPE mapeia cerca de 30% da área total da Amazônia onde ocorreu 90% do desmatamento no ano anterior. O INPE também divulga as estimativas por estado. Coloca também na Internet os mapas com todas as áreas desmatadas no período considerado.

Foi esta estimativa que o INPE divulgou na semana passada, correspondente a 11.220 km2 no período Ago 2006 – Julho 2007. Este é o dado novo, que não havia sido divulgado antes.

(b) Em Agosto de cada ano, o INPE anuncia dois números. O primeiro número é a taxa medida pelo PRODES para 100% da Amazônia no ano anterior. Esta nova taxa é um refinamento do dado divulgado em Novembro, e vem acompanhada de mapas que cobrem toda a Amazônia.

O segundo número é uma estimativa preliminar para o desmatamento no ano em curso, baseada no sistema de detecção de desmatamento em tempo real (DETER).

O DETER usa imagens dos sensores MODIS-TERRA e AWFI/CBERS, respectivamente com 250 metros e 260 metros de resolução. O objetivo principal do DETER é indicar novas áreas desmatadas. A estimativa de área baseada no DETER é pouco confiável, de vez que o DETER só detecta bem desmatamentos maiores que 100 ha. Divulgamos o número apenas para que a sociedade conheça a tendência do desmatamento até aquela data.

Resumo da história: Não se trata de um “dado velho”. Pelo contrário, o dado de Novembro é o dado mais importante do ano.

“Aconteceu na véspera da ida do presidente Lula à Assembléia das Nações Unidas. Falou da queda do desmatamento, quando já havia dados confiáveis mostrando que o desmatamento estava aumentando”.

Isto também não está correto. Quando anunciamos a estimativa baseada no DETER em Agosto, a tendência de crescimento verificada nos meses de Agosto, Setembro e Outubro ainda não havia sido medida, nem pelo INPE nem pelo IMAZON (que dispõe de um sistema semelhante ao DETER, mas menos confiável).

Quando o desmatamento voltou a subir em Agosto, o INPE foi o primeiro a divulgar o fato. Não temos receio de mostrar a realidade: nossos números de crescimento foram maiores que as estimativas do IMAZON. Foram divulgados assim que computamos os dados de Setembro. Confira no site do INPE a notícia de 18.10.2007 que não deixa dúvidas: “Dados do Projeto DETER indicam uma tendência clara de aceleração do desmatamento na Amazônia”.

“Semanas depois, ficou impossível desmentir a realidade e as autoridades ambientais passaram a admitir o aumento do desmatamento”.

Mais uma vez, você faz uma afirmação injusta. Conforme expus acima, quem mostrou a “realidade” para todos foi o próprio governo, através do INPE.

“A insinceridade tem perna curta no mundo de hoje. Como o governo nada está fazendo para enfrentar esse retorno do desmatamento, é líquido e certo que terá que anunciar o seu aumento no futuro. Como agora ele não tem mais o monopólio dos dados nem da capacidade de interpretação das imagens de satélite, terá que fazer isso antes que se complete um ano desse anúncio de hoje”.

Palavras tão fortes quanto injustas. Sei que é próprio dos jornalistas desconfiar do governo e desenvolver teorias da conspiração. Quando o IMAZON passou a fazer mapas e estimativas de desmatamento baseado no sensor MODIS, o INPE saudou a iniciativa por acreditar que é importante dialogar com a comunidade das ONGs. Mas a imprensa ambientalista foi além e passou a ver uma luta de Davi contra Golias, onde os bravos ambientalistas “quebraram o monopólio da capacidade de interpretação de imagens de satélite”.

Lamento decepcioná-lo. O IMAZON usa somente imagens do sensor MODIS (250 metros de resolução) que conseguem detectar de forma confiável apenas áreas cortadas maiores que 100 ha. São dados úteis para combater grandes desmatamentos novos, mas são insuficientes para produzir estimativas confiáveis da taxa (vide explicação acima).

Moral da história: o governo, através do INPE, continua sendo a única instituição capaz de produzir taxas e mapas confiáveis do desmatamento. E o fazemos de forma absolutamente aberta, pois todas as informações estão disponíveis na Internet.

No afã de desqualificar o governo, muitas pessoas responsáveis caem na armadilha neo-liberal e passam a supervalorizar o que as ONGs fazem. Eles se esquecem que o governo não é apenas responsável por divulgar dados confiáveis. Também somos os guardiões destes dados para todo o sempre.

Se você for hoje no site do INPE, pode obter de graça imagens de satélite desde 1973. Daqui a 30 anos, você ou seu filho vão querer saber exatamente o que aconteceu em 2007 na Amazônia. Pode confiar que este dado estará disponível. Esta é a nossa missão pública, e temos orgulho de cumpri-la.

Numa sociedade organizada, o governo tem missões, que não são delegáveis para a sociedade civil. Zelar pela integridade territorial é uma delas.

Assim, você não deve festejar a “quebra de monopólio”, pois ela não ocorreu, e dificilmente acontecerá. Prefiro sugerir que O Eco se mantenha vigilante para cobrar do governo suas responsabilidades, que incluem continuar a prover dados abertos, confiáveis e tempestivos.

Abraços
Gilberto.

P.S. O ideal seria que O Eco abra um espaço para o INPE colocar sua posição e explicar para a comunidade as características de cada dado que publicamos. Vocês topam?

Resposta:

Caro Gilberto,
Começo pelo seu PS final. O espaço de O Eco sempre esteve aberto ao INPE para explicar seus métodos e divulgar seus resultados. Entrevistamos seus cientistas e acessamos regularmente seu site. Sua carta será publicada. Mas, mais que isto, como admiradores, consumidores e defensores do INPE como instituição científica e tecnológica de ponta e um instrumento essencial de defesa dos interesses permanentes da sociedade brasileira e do esforço que teremos que empreender para mitigação da mudança climática e adaptação a seus efeitos inevitáveis, O Eco convida o INPE a realmente buscar mais espaço aqui e em toda a imprensa, para informar à sociedade brasileira com transparência total sobre os riscos que ela enfrenta neste século XXI.

Mas me permito, ao mesmo tempo, refletir sobre o teor de sua resposta. Para mim é uma surpresa incômoda que uma crítica ao comportamento do governo e do ministério do Meio Ambiente, seja respondida pelo presidente do INPE. Revela que chegamos um ponto perigoso no Brasil de confusão entre estado e governo. Afirmo e sustento que o governo fez uso político dos dados do desmatamento nas duas ocasiões que menciono. Agora, na véspera da chegada dos ministros a Bali, e na véspera da ida do presidente Lula à ONU. Nos dois, mostrou um número, dando a impressão de que apontava uma tendência durável, quando sabiam que havia indicações respeitáveis de que a tendência já mudara. E isso devia ter sido rigorosamente registrado como contraponto ao número em anúncio. O primeiro episódio, está rigorosamente documentado, com cronologia certa, nas duas colunas que escrevi e cujos links estão no corpo da coluna atual. Não houve erro. Meu respeito pelo INPE como centro de excelência científica e tecnológica estatal, me fez, nas duas ocasiões sequer mencioná-lo nas colunas. Eu estava falando do uso das informações e não da sua qualidade técnica ou metodológica.

Da primeira vez que critiquei esse uso pouco transparente e que fere a credibilidade da política ambiental e climática do Brasil, foram as autoridades do Ministério do Meio Ambiente que se apressaram a desmentir minha crítica, apenas para algumas semanas depois confirmarem o que eu havia dito: que o dado era velho, no sentido de que expressava uma tendência que já fora revertida. Como agora, caro Gilberto: é provável que o INPE, sob sua direção, venha a divulgar dados mostrando crescimento do desmatamento nos próximos anúncios. Eu estava acostumado a vê-lo como presidente do INPE, um agente do estado e não do governo. Um gestor de investimentos da sociedade brasileira em um patrimônio permanente de pesquisa científica e tecnológica, detentor de conhecimentos públicos, cujo proprietário final somos todos nós, tenhamos ou não votado no partido que conquista o governo, presumível e esperadamente de forma temporária, a cada ciclo eleitoral.

Nunca pensei no INPE como “governo”, só como “estado” e nunca pensei que o INPE se pensasse como governo. Um INPE de Collor, outro de Itamar, outro de FHC, outro de Lula? Que segurança de continuidade se pode ter de uma instituição que incorpora os interesses e visões de um governo e um partido? Qual a garantia que teríamos de que sua opinião técnica e científica não seria apenas a opinião do governo? Da mesma forma que nunca pensei no braço científico da NASA, tão fundamental na pesquisa climática – e inclusive no LBA – como governo. Quando o governo julga que o aparelho técnico-científico do estado é seu, acontece como no governo Bush em que o trabalho científico é censurado e manipulado. O jornalista Chris Mooney dá um excelente, preciso e incontestado relato disso em Storm World e as denúncias de James Hansen sobre as censuras que tem sofrido, desmentem a defesa do governo de que era tudo “teoria da conspiração”. Jamais imaginei – e continuo não imaginando – que isto esteja acontecendo com o INPE. O sistema científico e tecnológico brasileiro sempre foi respeitado pelos governos e espero que continue sendo e que episódios como o do IPEA sejam pontos fora da curva.

Com relação às suas explicações sobre o trabalho do INPE, sei fazer a distinção entre os dois dados e como um “conversa” com o outro. Tenho longa experiência em trabalhar com dados que apontam tendências, e os dados que registram o movimento observado com mais acurácia. Também conheço bem a diferença entre estimativas com diferentes tipos de amostras e dados, umas mais confiáveis que as outras, embora todas com graus de confiabilidade que permitem inferências aceitáveis. Como tenho certeza de que vocês sabem melhor o que os satélites e os diferentes métodos registram e informam ao governo, com exatidão, não discuti os dados dessa vez. Tratei das formas, mais ou menos transparentes, mais ou menos responsáveis, de divulgá-los ao público. Acho que não erro ao dizer que as seguintes duas afirmações são verdadeiras e devem ser servidas ao público conjuntamente: o desmatamento caiu nas últimas três estimativas com o método baseado nas imagens do PRODES e os dados do DETER indicam a reversão dessa tendência, e é provável que o próximo anúncio baseado no PRODES mostre estimativa de aumento do desmatamento.

Quando você diz que o anúncio mais importante do ano foi o da queda do desmatamento pelas estimativas do sistema PRODES, é uma interpretação pessoal. Eu prefiro dizer que o anúncio mais importante do ano sobre desmatamento foi o seguinte: a estimativa original de 9600 km2 foi ultrapassada e o número agora é 16% maior e que os dados do DETER mostram que isso já é efeito da reversão da tendência de queda e retomada do crescimento do desmatamento.

Os episódios recentes com a censura governamental à NASA e manipulação de suas informações pelas assessorias oficiais de comunicação dramatizaram a necessidade de que os organismos científicos e técnicos do estado mantenham uma política de rigoroso full disclosure (transparência total) dos dados e conclusões técnicas e científicas, porque eles pertencem à sociedade e não ao governo e porque essa é a única forma de defender a autonomia técnica e científica dos interesses circunstanciais dos governos.

É típico, caro Gilberto, atribuir aos “jornalistas”, desconfiança no governo confundida como teoria da conspiração. Como cientista social e jornalista, fico sempre espantado com essa visão simplista, tantas vezes desmentida, dos “jornalistas”. Em primeiro lugar, é função social do jornalista duvidar. A imprensa – apoiada na liberdade de expressão – é um componente essencial do processo de transparência e responsabilidade (accountability). Nunca deve mesmo tomar afirmações de governos, oposições, executivos pelo valor de face. Deve investigar sua veracidade e contestabilidade. Os jornalistas compartilham com os cientistas a obrigação de duvidar. Segundo, o jornalismo deve ser pluralista e permitir que todas as versões tenham divulgação, e usa os comentaristas e colunas de opinião para explicar a razão das divergências e os editoriais para dar sua opinião corporativa.

Com relação às diferenças entre o IMAZON e o INPE, você não me decepciona. Sei que dos limites e limitações de cada um. Mas celebro o fato de que a sociedade desenvolva capacidades que lhe permitam a se defender da falta de transparência dos governos e contribuir para a independência dos aparelhos técnico-científicos do estado. O que me decepciona, caro Gilberto, é você usar esse tolo argumento do neoliberalismo, termo usado sempre com imprecisão e como ofensa. As ONGs, para seu conhecimento, nasceram do movimento social, para ampliar o espaço público e defender a sociedade dos abusos do estado transformado em instrumento unilateral de governos autoritários. Os neoliberais descobriram as ONGS depois. O IMAZON seria um instrumento do neoliberalismo? Claro que seria subestimar sua inteligência presumir que você não saiba fazer essas diferenças. Um excesso de argumentação, certamente. Espero, sinceramente, não ter, daqui em diante, que tratar o INPE como governo, partidário, e não mais como um patrimônio independente da comunidade científica e tecnológica da sociedade brasileira e distante dos interesses eventuais dos governos. Mas creio que seria, aí sim, injusto e incorreto eu inferir dessa confusão momentânea que você fez entre a instituição científica que dirige e o governo. É mais justo eu acreditar que a excelência e a independência do INPE continuarão sendo objeto de orgulho e conforto para todos nós.

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