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Para evitar os mesmos erros do IPCC

Cientistas da plataforma intergovernamental sobre biodiversidade não querem apenas fazer cenários e recomendações vagas.

Vandré Fonseca ·
18 de fevereiro de 2011 · 14 anos atrás
O encontro na Coreia que lançou o "IPCC" da bioversidade. Cientistas querem ir além dos cenários e recomendações (foto IISD)
O encontro na Coreia que lançou o "IPCC" da bioversidade. Cientistas querem ir além dos cenários e recomendações (foto IISD)

Um grupo de cientistas renomados se uniu para contribuir para as discussões sobre como deve atuar a Plataforma Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços Ambientais (IPBES), que ainda não começou a funcionar mas já vem sendo chamada de IPCC da biodiversidade. Em um artigo publicado esta semana na revista Science, este cientistas fazem sugestões para evitar que a nova plataforma repita erros de iniciativas semelhantes, como o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – o famoso IPCC , e não se restrinja a traçar cenários e dar alertas sobre riscos.

“Cenários hipotéticos não têm qualquer relação com as opções reais que confrontam os tomadores de decisão agora”, afirma professor de Economia Ambiental da Universidade do Arizona, Charles Perrings, um dos autores do artigo. “As discussões entre os tomadores de decisão e os cientistas devem começar com a pergunta ‘ o que os governos querem e quais as opções que eles têm?’ Saber as prováveis consequências de opções políticas é fundamental para a escolha da melhor estratégia.”, completa Perrings.

O artigo é publicado a uma semana das discussões sobre como vai funcionar e quem fará parte da IPBES, que estão na pauta do Encontro de Administradores do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e dos Ministros do Meio Ambiente, em Nairóbi, Quênia. Governos do mundo inteiro já haviam concordado com a criação da IBPES, durante um encontro coordenado pelas Nações Unidas, em junho de 2010, em Busan, Coréia do Sul. Mas a adoção da plataforma precisou ser formalizada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em dezembro passado.

A IPBES pretende superar a distância entre o conhecimento científico e as decisões de governos que podem reverter a degradação ambiental. Para os autores do artigo, uma das lições de iniciativas anteriores, como o IPCC, é a necessidade de avaliar as consequências das opções políticas reais. “As decisões tomadas hoje que provocam mudança da biosfera terão implicações profundas para o bem-estar da humanidade. Eles (governantes) devem estar bem informados pela ciência. É importante, portanto, estabelecer IPBES o caminho certo, desde o início”, afirma Perrings.

Os cientistas destacam também a contribuição que pode ser dada pelas ciências sociais. Segundo eles, elas trazem informações importantes para os tomadores de decisão, como análises sobre o valor dos serviços ambientais e estimativas sobre retorno de investimentos ambientais. Um exemplo, é a estimativa realizada recentemente de que um recife de coral fornece para os americanos U$ 130 mil dólares por ano. Em outros lugares, esta contribuição pode ser de até U$ 1,2 milhões por ano. Segundo os cientistas, plantar manguezais ao longo da costa do Vietnã custo US $ 1,1 milhões, mas salvou 7,3 milhões dólares por ano em manutenção de diques.

Nagóia

Patrícia Baião, da Conservação Internacional: propostas do Código Florestal afetam compromisso do Brasil em Nagoya (foto: CI divulgação)
Patrícia Baião, da Conservação Internacional: propostas do Código Florestal afetam compromisso do Brasil em Nagoya (foto: CI divulgação)

A IPBES teve também apoio da Décima Convenção das Partes (COP 10) da Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada no ano passado, em Nagóia, Japão. Da COP 10, surgiram também o protocolo, já assinado pelo Brasil, de Acesso a Recursos Genéticos e a Justa e Equitativa Repartição dos Benefícios Oriundos da sua Utilização, um plano estratégico de metas globais de preservação da biodiversidade para o período de 2011 e 2020 e um mecanismo financeiro para apoiar o cumprimento destas metas.

Pelo acordo, até o final da década, 17% da área do planeta de 10% da superfície marinha devem estar protegidas. O Brasil tem avançado no cumprimento destas metas, mas ainda existem questões a serem resolvidas. “A criação de áreas protegidas na Amazônia avançou bastante nos últimos 10 anos, mas isto no é verdade para outros biomas, como a caatinga e o cerrado. No ambiente marinho, só temos 1,5%”, afirma a diretora do Programa Amazônia da Conservação Internacional, Patrícia Baião.

De acordo com ela, o Brasil ainda precisa incorporar tanto o planejamento estratégico quanto o protocolo, em políticas nacionais e na legislação, tanto as já existentes quanto as que ainda podem ser criadas. Mas a proposta de mudanças do Código Florestal apresentada ao Congresso ameaça as metas, que tiveram uma importante participação do Brasil para serem estabelecidas. De acordo com a bióloga, a reserva legal também protege a biodiversidade, se você reduzi-la, a biodiversidade vai sentir os efeitos.

O Brasil precisa também levar em consideração a perda de recursos naturais nas discussões sobre investimentos e crescimento econômico. “Enquanto o capital natural não for incorporado às contas públicas, a biodiversidade não vai ser valorizada como se deve”, afirma Patrícia Baião. Por enquanto o governo brasileiro relega a preservação das espécies a segundo plano nas decisões sobre investimentos e políticas nacionais, quem sabe com cientistas do mundo inteiro falando juntos na IPBES, o Brasil consiga entender a importância de preservar a biodiversidade. (Vandré Fonseca)

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