Manaus, AM – Uma armadilha para capturar vespas, armada no Pico Eldorado, município de Domingos Martins (ES), levou a uma surpreendente descoberta: um inseto raro de uma família da qual até então só se conhecia duas espécies vivas, uma na Austrália e outra na América do Norte. A descrição do bicho, denominado Austromerope brasiliensis, foi publicada por brasileiros na edição de 15 de fevereiro na revista Zookeys.
Apenas um indivíduo foi pego na rede. Ele tem aproximadamente dois centímetros de comprimento, dois pares de asas e uma extensão na parte traseira em forma de fórceps, que o distingue claramente de outros insetos conhecidos. Na verdade, estas extensões fazem parte do seu órgão sexual masculino e são usadas provavelmente para agarrar as fêmeas durante o acasalamento.
Os insetos munidos desses órgãos sexuais agigantados são classificados em uma ordem chamada de Mecoptera, que no Brasil incluem cerca de 20 espécies descritas. Em algumas espécies denominadas moscas-escorpião, o órgão sexual se assemelha a um ferrão. Dentro dessa ordem está a rara e pouco conhecida família Meropeidae, que inclui a A. brasiliensis e cujo nome popular em inglês (forcepflies) poderia ser traduzido por mosca-forcéps.
O entomólogo Ricardo Kawada talvez ainda não soubesse quão inusitada era a presença daquele bicho entre tantos insetos capturados, mas lembrou de um colega que poderia ajudar a descobrir que coisa era aquela. Quando trabalhava em uma coleção natural em Manaus, ele conheceu Renato Machado, que estudava justamente esta ordem, a Mecoptera.
Assim que viu as imagens, Renato José Pires Machado percebeu que se tratava de algo novo. “Eu achei muito parecido com as outras duas espécies e logo identificamos como pertencente à família. Depois disso veio o processo de descrição. Mas com certeza assim que bati o olho, já sabíamos que era algo novo”, conta.
Não é por acaso que o bicho tenha passado tanto tempo incógnito. Apesar dos pesquisadores saberem quase nada sobre ele, com base no pouco que se conhece das outras duas espécies, acredita-se que ele viva escondido sob folhas e galhos secos no chão e tenha hábitos noturnos. “Devido ao tamanho reduzido e pelo fato de estar sempre escondido, nunca foi visto antes”, destaca Machado.
É um animal ainda cercado de muito mistério. Os cientistas ainda não conhecem outras fases da vida desse inseto. Nunca foram encontradas, por exemplo, larvas desta família. Mas os pesquisadores têm teorias que explicam, por exemplo, como uma família tão rara está dispersa em locais tão distantes do mundo.
A existência de um fóssil da mesma família, encontrado lá na Sibéria, comprova que ancestrais desses bichos viveram no período Triássico, entre 250 e 200 milhões de anos atrás. “A nossa explicação para esta distribuição é que a família é mais antiga ainda. Ela surgiu quando todos os continentes estavam unidos em um único continente chamado Pangéia”, afirma Machado. Existem vários outros casos de insetos e outros animais que possuem a mesma distribuição.”
Machado conta que existem pesquisadores nos Estados Unidos em busca de larvas dos insetos desta família. É uma corrida em busca de novidades. Mas talvez até por uma brincadeira da natureza, a novidade veio de um lugar onde nem se sabia que esses bichos pudessem ser encontrados. Agora, as armadilhas continuam a ser armadas na região do Pico Eldorado. E sempre existe a possibilidade de serem encontrados novos indivíduos da espécie, que possam ajudar a conhecer melhor esta rara família. (editado 25/02, 23 horas)
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