‘Cacau’ foi a segunda narrativa do saudosista escritor Jorge Amado e, mesmo tendo sido escrita em 1933, as descrições feitas no livro continuam absolutamente válidas: as fazendas são realmente charmosas quando carregadas de cacau. Passados três quartos de século de sua publicação, nós revivemos a narrativa no sul da Bahia (dessa vez sem coronéis nem trabalho forçado) determinados a experimentar o anciente processo de colher e preparar esse fruto amarelo.
Chegar na fazenda orgânica Abracadabra certamente foi a parte mais difícil de todo o processo. Foram horas de estrada e travessias até avistar Água Fria, a pequena vila banhada pelo Rio de Contas. Depois do que parecia uma eternidade em pleno sol do meio-dia, finalmente um bom sinal a nossa frente: árvores carregadas com os frutos amarelos.
Para nosso alívio, cacau cresce na sombra e, justamente devido a produção de cacau no Sul da Bahia, a Mata Atlântica foi preservada na região durante o século XX.
Tivemos sorte de estar no hemisfério sul durante a primavera. Mesmo produzindo cacau o ano todo, as árvores dão mais frutos durante os períodos chuvosos.
Logo após o café da manhã, enquanto digeríamos um delicioso mingal coberto com chocolate artesanal, Haroldo nos apresentou a Domingos, um morador da região com quem trabalha em forma de parceria. Com Domingos, passaríamos os próximos dias aprendendo o processo mágico de fazer chocolate – desde a colheita a degustação!
E lá fomos nós, zinzagueando entre centenas de árvores de cacau. Acompanhados por Domingos, sempre cantarolando caminho adentro, podamos galhos, colhemos frutos e os empilhamos para serem abertos depois.
“Quando chegavam ao meio-dia (o sol fazia de relógio), nós parávamos o trabalho e nos reuníamos ao pessoal da juntagem para a refeição”. J.A.
O sol forte anunciava a chegada da tarde. Era tempo de voltar a fazenda e ajudar nos preparativos do almoço. Os princípios da permacultura, onde a porta da casa se abre para a horta, são aplicados em Abracadabra.
Degustamos maravilhas orgânicas extraídas diretamente da horta – grande o bastante para sustentar moradores e visitantes da fazenda. Tudo que colhíamos, replantávamos. As refeições, eram cozidas no forno a lenha e degustadas a luz de velas.
Por não haver eletricidade no local, utilizamos nosso painel solar portátil para carregar nossos equipamentos e câmeras fotográficas.
“Ficavam aqueles montes de caroços brancos de onde o mel escorria”. J.A.
O transporte do fruto já sem o mel era feito com a mula Alibabá. Nessa fase o cacau estava pronto para ser seco ao sol.
“Depois, livre do mel, o cacau secava ao sol, estendido nas barcaças”. J.A.
Domingos ateou fogo na fornalha e depositou o conteúdo dos cestos trazidos por Alibabá. As sementes começaram a secar lentamente perdendo sua cor branca e consistência viscosa e a se transformar em algo parecido a um grão de café gigante. O processo se repetiu, mas dessa vez as sementes foram secas ao sol, no telhado da casa.
A noite então caiu. Era uma noite fria. Nosso anfitrião pulou na fornalha onde as sementes secavam. Nós o seguimos e aproveitamos as delícias de uma relaxante ‘banheira de cacau’. Com o tempo começamos a sentir o aroma do chocolate exalar!
Felizmente não precisamos esperar oito dias antes de experimentar o chocolate da fazenda Abracadabra. Como geralmente há grãos de cacau de todas as etapas em processo de fermentação, nós pudemos entrar em uma deliciosa rotina preparando versões experimentais de chocolate durante toda nossa estadia. A manhã seguinte anunciava a hora de dizer adeus, não somente as pessoas maravilhosas que conhecemos na fazenda, mas também chegara a hora de se despedir da mãe beija-flor e seus filhotes que, depois de dias de treinamento intensivo, voaram pela janela do nosso quarto pela primeira vez!
A palavra mágica…
Abracadabra foi fundada em 2006 por um grupo internacional de amigos. Nosso anfitrião, o francês Haroldo, se uniou ao time depois de chegar ao Brasil, de carona, em um barco através do Atlântico. O objetivo inicial desse grupo era o de fundar uma comunidade onde aspectos sustentáveis assim como uma vida mais de acordo a natureza fossem implementados.
O desafio inicial foi grande. Como os antigos guardiões da fazenda criavam gados no local, foram plantados capim braqueara (ótimo para pastagem, terrível para o solo), nos morros de Abracadabra. A degradação seguida pela erosão do solo ocasionada pela pastagem dos animais era visível nos 30 hectares de extensão da fazenda.
Desde a fundação, incontáveis árvores nativas e frutíferas foram plantadas, mas acima de boa vontade, precisava-se de experiência. O processo de aprendizagem custou a perda de algumas dessas árvores mas as que estavam no invernadeiro, sobreviveram.
Com a implementação do programa de reflorestamento e a ajuda de moradores locais, o grupo de amigos replantou e incluiu plantas adubadoras, cereais e hortaliças na plantação. “Acreditamos nas ‘ilhas de abundância’ e seguimos os modos da agrofloresta onde plantam-se um conjunto de árvores e plantas compatíveis num mesmo local”, disse Haroldo.
O modo de agrofloresta citado por Haroldo é classificado como simultâneo, onde todas as espécies são plantadas ao mesmo tempo e a metodologia adotada é baseada na sucessão natural das espécies.
Antes de deixarmos a fazenda mágica, Haroldo fez questão de que cada um de nós plantássemos uma árvore – nativa ou frutífera –, como parte do programa de reflorestamento da fazenda. Nós então contribuímos com a diversidade e produtividade das árvores utilizadas como alimento, madeira para lenha e construção, plantas medicinais, alimento para animais, óleo…
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