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Copenhague a Angra: os assassinatos do des-governo

O massacre das chuvas prova que nossos governantes são capazes de unir devastação com demagogia eleitoreira e produzir um verdadeiro genocídio.

4 de janeiro de 2010 · 14 anos atrás
  • José Truda Palazzo, Jr.

    José Truda é jardineiro, escritor, consultor em meio ambiente especializado em conservação marinha e tratados internacionais, e indignado.

Bombeiros resgatam vítima em Angra dos Reis. Foto: Roosevelt Pinheiro/ABr

Augusto Carneiro é um dos mais importantes ativistas ambientais brasileiros nas últimas quatro décadas, tendo ajudado a formar gerações de cidadãos conscientes no sul do país com seu trabalho de formiga. Do alto de seus 86 anos, Carneiro costuma repetir um vaticínio que o dia-a-dia de Pindorama confirma com trágica freqüência: os desastres ambientais só serão considerados como tal quando matarem 3.000 ou 5.000 pessoas de cada vez. Quando matam dezenas de uma vez, ainda assim as milhares de vítimas cumulativas são espalhadas no espaço e no tempo, as “otoridade” se fazem de loucas e as pessoas fingem que não vêem, creditando o morticínio a “Deus sê ruim com nóis” ou a “fatalidades” inevitáveis.

O recente massacre das chuvas do Sudeste, que veio somar-se a todos os outros nos últimos anos que assistimos impassíveis em nossas televisões (bote no lixo a de tubo e compre a de plasma, pra ajudar a economia consumista kamikaze de Lullão Metralha!) é apenas mais um capítulo dessa tragédia dispersa, mas que aponta em suas causas para os mesmos incompetentes, safados e omissos de sempre: os nossos (des)governantes, que parecem ser capazes de unir sua gana por devastação ambiental com a demagogia eleitoreira para produzir esse verdadeiro genocídio a que, cada vez mais, vamos assistir em nosso país como se fatalidade inevitável fosse.

Como tudo, a barbaridade começa no nível mais baixo (em vários sentidos) da administração pública, os prefeitelhos que se sucedem pelo país afora permitindo, em cada rincão, mas principalmente nas várzeas inundáveis e nas encostas instáveis, que se instalem comunidades inteiras cujo destino é sabido: inundação ou deslizamento, mais cedo ou mais tarde, maior ou menor, mas que cada vez mais trarão mortes e danos irreparáveis, isso sem considerar o custo astronômico ao erário público de resgatar, abrigar, reparar. Há décadas sabe-se que tais locais não podem ser ocupados, mas o que é a opinião de especialistas e a experiência de anos de desastres idênticos frente à necessidade de amealhar aqueles seis ou sete votos que se encarapitam embaixo de cada barraco, de cada laje ilegal levantada num morro? Nunca! Para piorar ainda mais o quadro, impermeabilizam toda a malha viária urbana com “coberturas de bolo” de asfalto em trechos antes pavimentados com blocos ou paralelepípedos, que serviam perfeitamente à circulação de veículos e antes absorviam parte da água nas enxurradas. E pior, atolam o meio urbano nesse esquema mafioso de desurbanismo sob aplausos do populacho ignaro, que esquece tanto das implicações ambientais como de que daqui a seis meses estará tudo esburacado, exigindo nova obra e seus regulares jabás…

Político não sabe o que é longo prazo, muito menos área de risco – seu único risco é não se reeleger para qualquer coisa dentro de quatro anos, e nesse sentido Suas Indecências ganham em dobro com as tragédias – permitindo por omissão criminosa a ocupação de áreas inadequadas e depois distribuindo esmolinhas, colchões, arroz, às vítimas como se bondade de seu (des)governo fosse. A lógica dessa quadrilha que nos (des)governa é perversa, porém muito clara, e só não vê quem não quer.

A safadeza política sobe, sempre, do Município para o Estado, e não é por acaso que Sérgio Cabral, no mesmo Rio de Janeiro de tanta desgraça ambiental pela ocupação irregular do território, contribua pessoalmente para o aumento da bandalheira e dos riscos ao emitir Decreto ilegal autorizando o AUMENTO da ocupação e das construções em áreas de fragilidade ambiental na Baía da Ilha Grande, no interior da Área de Proteção Ambiental de Tamoios. Trata-se da mais absurda irresponsabilidade de um (des)governante que sabe muito bem das consequências de suas ações para a biodiversidade E para as pessoas, mas que prefere o votinho da demagogia fácil à responsabilidade da gestão pública esclarecida.

No topo da escada da quadrilha do (des)governo que mata está, entronizado e quase absolvido pela sua ignorância absoluta dos temas de gestão pública, ninguém menos do que Lullão Metralha e a verdadeira gestora do país, sua Candidata Plástica Roussef (essa que sabe muito bem o que se passa, mas seu script de Mãe dos Pobres e defensora da lajezinha no morro não comporta governar o país com consciência ambiental). Pois, dirá a patrulhucha petista, como pode se acusar esses salvadores do pobrerio de crime nas tragédias pluviais do Sudeste?

Ora, o escândalo da propaganda diversionista brasileira em Copenhague é auto-evidente em condenar nosso (des)governo por se esconder atrás dos tropeços de Obama para continuar vomitando gases-estufa (o carbono de Eike Batista e o metano de Kátia Abreu, um, lambe-botas do Planalto em busca de benesses do BNDES, outra ‘oposição’ lambida pelo mesmo Planalto para estuprar o Código Florestal sob a pata dos gasosos vacuns e das monoculturas de “biocombustíveis” contaminantes). O aumento das emissões do qual somos cúmplices explícitos pode ter várias implicações ainda sob discussão, mas uma delas é imediata e provada: o aumento da umidade em circulação na atmosfera e das tempestades e eventos climáticos extremos, como os que, de forma cada vez mais frequente, atingirão partes do território brasileiro, deixando um rastro de morte, destruição e desculpinhas furadas dos (des)governantes sobre a “fatalidade”, quando na verdade trata-se de um crime de longo prazo assumido e planejado pelas nossas “otoridades” e seus acólitos empresariais que nos afundam nesse modelo de “desenvolvimento” suicida.

Enquanto a mídia tupiniquim se embasbacava com os discursinhos terceiro-mundistas da imensa e inútil delegação brasileira à fracassada reunião, aqui seguiam as medidas para entupir a matriz energética brasileira de termelétricas por décadas no futuro, enganar o populi rafus com propaganda de inspiração nacional-socialista baseada no poluentíssimo petróleo do Pré-Sal, manter os buracos legais que permitem a continuidade da destruição das florestas nativas, e dar mais poder aos prefeitelhos para fazer a “gestão ambiental”  cujos resultados estamos começando a contar não mais em licenças mal expedidas, mas em corpos de vítimas. Ao mesmo tempo, joga-se mais propaganda mentirosa para a platéia de ignaros ao aprovar uma lei climática cujas metas são “voluntárias” e onde as medidas mais importantes, incluindo a substituição gradativa dos combustíveis fósseis, foram vetadas pelo Einstein de Garanhuns a mando da Candidata Bruxa do Clima.

As vítimas do imperdoável crime de lesa-humanidade que o (des)governo brasileiro perpetra, ao dar asas livres à continuidade do crescimento de nossas emissões de carbono e metano no presente visível enquanto mente que reduzirá emissões no futuro, não atinge apenas o turismo e os moradores mais pobres das urbes malcuidadas como Angra dos Reis e similares. Trará consequências gravíssimas para países inteiros, como as Maldivas, que afundarão vítimas da megalomania de curto prazo de “líderes mundiais” de araque como nosso Stalin em compota, cujo atraque contra a natureza brasileira escorre pelos níveis inferiores de governo até chegar à lama que escorre da Ilha Grande, como se viesse de um currículo de deputado.

Não se consegue que as pessoas se mobilizem em defesa da Natureza, drogadas que estão pelo ópio do consumismo de balangandãs eletrônicos ou carros de entupir ruas. Será possível acordá-las para o assassinato em massa, porém ao longo de anos, que as políticas de destruição ambiental estão causando no Brasil? Duvido. Mas fica o registro: nem todos somos bobos ou esquecidos, ainda que a massa de idiotas votantes continue sendo suficiente para eleger os mesmos criminosos, ano após ano, que continuam matando gente ora estragando Angra, ora matando Copenhague.

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