Os patrimônios naturais e culturais estão na base dos atrativos turísticos. Para ser interessante há que haver aspectos naturais relevantes que destaquem a beleza e/ou a sublimidade daquilo que não é obra da mão do homem – fauna, flora, praias, rios, cachoeiras, paisagens deslumbrantes – ou, ao contrário, aspectos culturais que ponham em evidência a genialidade do artefato humano – arquitetura, urbanismo e cultura imaterial. Existem também aqueles atrativos que misturam natureza e cultura – jardins e terras cultivadas.
Nascimento do turismo
O turismo, como o entendemos hoje, é uma atividade relativamente recente. Entretanto, a figura do viajante é universal e está presente nas mais diversas culturas. No ocidente, podemos pensar nos gregos, um povo de navegadores – Ilíada e Odisseia, obras maiores da mitologia grega, são elas mesmas viagens. Há também as grandes peregrinações religiosas da Idade Média e as viagens de comércio – como bem ilustra a experiência de Marco Polo. Por fim, as grandes navegações que tornaram o planeta um só. Essas viagens guardam em comum com as viagens de turismo a ideia de que o viajante entra em contato com uma realidade nova, antes desconhecida, e volta modificado pela experiência, com uma perspectiva ampliada do mundo. O viajante é um contador de estórias, um mediador entre dois mundos, o seu e aquele outro que ele agora conhece.
A experiência mais próxima do turismo atual é o Grand Tour, que se desenvolveu na Europa, nos séculos XVII e XVIII. No começo, era a elite inglesa que enviava seus filhos, acompanhados de tutores, para grandes viagens, visando o aprendizado e o amadurecimento no continente europeu. Tratava-se de “mergulhar” na cultura européia e retornar preparado para a vida adulta. O costume se difundiu pelas elites européias, e os destinos se tornaram mais abrangentes, incluindo viagens pelos diversos continentes, com um toque de exotismo. Tornaram-se comuns, também, as viagens de estudo, sobretudo para conhecer a natureza do Novo Mundo – a mais célebre delas foi a de Charles Darwin a bordo do Beagle. Nesse caso, é uma descoberta do mundo natural.
“Wilderness”
O turismo é contemporâneo do transporte a vapor (navios e trens) e vai, a partir do século XIX, aos poucos, permitir que as viagens com o intuito de conhecer e usufruir da natureza e da cultura de localidades, mais ou menos, distantes, se tornem mais difundidas. A cultura significava a civilização, nas suas mais variadas facetas, mas, no começo, muito mais identificada com a Europa. A valorização da natureza dependeu de uma inversão da percepção em relação a sua face mais selvagem, a wilderness.
O conceito de wilderness não tem uma tradução exata para o português, mas o mais próximo é a noção de sertão, como um lugar em que a presença humana é pouco perceptível, espaços “desertos” e/ou deserdados pela civilização, e onde predomina a natureza em toda a sua “selvageria”, ou onde os habitantes humanos vivem em uma proximidade e intimidade com o “mundo selvagem”. No imaginário ocidental, a wilderness estava associada a locais demoníacos, como o deserto onde Cristo foi tentado, e em que as amarras que prendiam o homem à civilização se afrouxavam e prevaleciam as inclinações dos instintos e desejos mais “selvagens”. A natureza que se valorizava era a da Arcádia, pastoril e antropizada, ou ainda a natureza geométrica do classicismo – como os jardins do Palácio de Versalles, na França.
Foi com os românticos que a wilderness passou a ser valorada positivamente. A natureza selvagem passava a ser admirada pelas suas características pitorescas, de beleza e de sublimidade. As florestas, os grandes desertos, as montanhas, a vastidão das pradarias, os rios e o mar passaram a representar uma natureza transcendental, que estava além do artefato humano. Deus ou um processo evolutivo – a partir do momento em que Charles Darwin e Alfred Wallace lançaram a Teoria da Evolução – com a duração de bilhões de anos eram as forças responsáveis e refletidas nas paisagens naturais. Passava-se do negativo ao positivo, do demoníaco para o divino, da ausência de civilização para o interesse científico e a apreciação estética.
Primeiras UCs
Essa valorização da wilderness esteve, ao mesmo tempo, na origem das áreas protegidas, do turismo de apreciação da natureza e dos esportes de aventura – tais como o montanhismo e a descida de corredeiras (cursos d’água acidentados). Nos Estados Unidos da América, foram criados o Parque do Yosemite, na Califórnia – em 1864, como parque do estado, e depois, em 1890, ampliado e transformado em parque nacional – e o Parque Nacional do Yellowstone – em 1872, primeiro parque nacional americano e no mundo. Indivíduos como Henry David Thoreau e John Muir começaram a mostrar a wilderness como um “outro” complementar à civilização. Esta já havia avançado demais – espaços urbanos tumultuados e poluídos, e um homem civilizado estressado e carente de espontaneidade e liberdade – e a wilderness com a sua grandiosidade selvagem vinha perdendo espaço – as terras eram transformadas em pastagens, plantações e cidades, e os animais selvagens estavam desaparecendo. A wilderness era espaço de contemplação estética, superação de limites, lazer e busca de conhecimento científico. Era o ponto de equilíbrio da civilização e precisava ser preservada, conhecida e usufruída.
A idéia de uma wilderness grandiosa e constitutiva do caráter americano passou a estar fortemente ligada à imagem dos Estados Unidos da América. Se a Europa era um destino turístico caracterizado, sobretudo, pela cultura, legado de milhares de anos de história da civilização ocidental, a América era o continente da wilderness, uma natureza selvagem, a ser explorada pelos turistas, pelos cientistas e pelos amantes da natureza. Os turistas visitavam o país em busca de um tipo de natureza já rara no continente europeu. Os parques nacionais americanos começaram a atrair uma visitação intensa, já nos finais do século XIX. Outros países logo se tornaram destinos turísticos devido à presença da wilderness, em especial a África e a Austrália.
Reportagem: Ecoturismo para promover a Amazônia
Parques no Brasil
No Brasil, a primeira proposta de parque nacional foi precoce. O engenheiro abolicionista André Rebouças, amigo do Imperador Dom Pedro II, sugeriu, em 1876, a criação de dois parques nacionais: um na região onde se localizavam as Sete Quedas (PR) e outro na Ilha do Bananal (GO). A idéia estava estreitamente ligada ao desenvolvimento da visitação turística. Pretendia-se conservar o patrimônio natural e promover o turismo, pela construção e operação de linhas de trem. O primeiro parque nacional brasileiro, o Parque Nacional do Itatiaia , foi criado somente em 1937, e tinha, além da proteção à natureza, a visitação turística, o lazer e a pesquisa científica como objetivos. A despeito das intenções, até precoces, o turismo de natureza no Brasil se desenvolveu muito menos do que era de se esperar. Limitações relacionadas com aspectos de infra-estrutura e com um planejamento de médio e longo prazo são deficiências que persistem ainda hoje.
Ecoturismo
O turismo de natureza, com o excesso de afluxo de pessoas e de infraestruturas de apoio, acaba muitas vezes descaracterizando os locais de wilderness, pelo abuso das interferências antrópicas. Os impactos negativos também se estendem, às vezes mais que os positivos, freqüentemente, para as populações locais. A medição da capacidade de carga e/ou dos limites aceitáveis de câmbio nos ambientes naturais tem sido estratégias importantes no que diz respeito ao estabelecimento do número e à freqüência de visitantes em áreas prioritárias para a conservação da natureza. O planejamento e o reconhecimento de direitos para as populações locais têm exercido uma influência benéfica no sentido de que haja uma repartição mais equânime dos benefícios do turismo e para que hábitos e tradições sejam respeitados.
Nos anos 1980, as preocupações com o turismo de massa em ambientes naturais e com os impactos negativos sobre populações locais conduziram a um aprofundamento da reflexão sobre as vantagens e desvantagens da atividade turística e sobre o papel que o turismo poderia representar para a economia de determinadas regiões geográficas. O conceito de ecoturismo começou a ser formulado como uma estratégia capaz de unir a conservação da natureza ao desenvolvimento econômico e social local. Em 1990, a Sociedade Internacional de Ecoturismo (TIES) – primeira organização mundial dedicada ao ecoturismo – cunhou uma definição sucinta e abrangente de ecoturismo: “Viagem responsável para áreas naturais, que conserva o ambiente e promove o bem estar das comunidades locais”. A idéia ia ao encontro das proposições do planejamento biorregional que vinha sendo elaborado por Kenton Miller e que buscava a possibilidade de conciliar a preservação da biodiversidade em áreas protegidas com o desenvolvimento nas regiões no seu entorno.
Ainda que o conceito de ecoturismo, não corresponda, na íntegra, á maioria das práticas que assim são definidas pelos seus promotores, as potencialidades são expressivas. No nível local, o ecoturismo é, muitas vezes, parte dos conflitos rurais relacionados com o controle da terra, dos recursos naturais e sobre os próprios rendimentos por ele gerados. Em qualquer lugar no mundo em que as pessoas estejam em conflito sobre áreas protegidas e turismo – seja na Costa Rica, nas Ilhas Galápagos, no Leste ou no Sul da África, ou mesmo no Brasil – o ecoturismo é parte da demanda e parte da solução. Nos ecossistemas mais frágeis, como as Galápagos ou o Arquipélago de Fernando de Noronha, o ecoturismo é a única atividade que possibilita a geração de recursos econômicos significativos sem provocar danos irreparáveis ao ambiente. Em certos casos, o ecoturismo é claramente mais rentável do que as outras alternativas de atividades econômicas: em alguns países da América Central, foi apurado que uma estadia ecoturística traz de dezoito a vinte e oito vezes mais dinheiro para a economia local do que um cruzeiro de passageiros; no Quênia o turismo relacionado com a natureza selvagem é cinqüenta vezes mais lucrativo do que a criação de gado; um leão pode gerar até 575.000 dólares durante a sua vida, e uma única arara voando livre no Peru, estima-se, gera cerca de 4.700 dólares por ano; o território tradicional dos Bophuthatswana na África do Sul, a criação de gado poderia gerar apenas 80 empregos, enquanto que seis novos luxuosos lodges planejados para uma reserva de caça estipulam a criação de 1.200 empregos, e o ecoturismo, estima-se, é sessenta vezes mais rentável do que a criação de gado; e mesmo quando comparado com a lucrativa indústria da mineração em Sta. Lucia, África do Sul, calcula-se que o ecoturismo tem o potencial para garantir mais empregos, por um período maior de tempo, sem destruir as dunas de areia e o estuário.
Do Canadá ao Quênia
Países como os Estados Unidos da América, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, que há muito tempo faturam com o turismo de natureza, têm procurado melhorar os padrões da visitação aos seus patrimônios naturais, e para tanto têm investido na busca por aplicar os princípios do ecoturismo. Países com maiores dificuldades financeiras e sociais como a África do Sul, o Quênia, a Tanzânia, a Costa Rica, o Equador e o Peru têm apostado em estratégias para atrair e desenvolver o ecoturismo no interior de suas fronteiras. O Brasil tem enorme potencialidade para o ecoturismo. Tem preferido, no entanto, investir em um turismo de massa, com pouco planejamento e com efeitos danosos para a sociedade e para a imagem do país – tais como aqueles gerados pela prostituição, pela violência contra os turistas e pela falta de estruturas básicas e superação da capacidade de carga em muitos atrativos. A exploração da alternativa do ecoturismo, com planejamento e observância dos seus princípios básicos, pode, em muitos casos, ser uma solução para os conflitos entre comunidades locais e unidades de conservação da natureza, desde que acompanhada de outras políticas públicas de inclusão social capazes de garantir a transição de economias intensivas no uso de recursos naturais para economias intensivas na agregação de valor – como é o caso do turismo. De outro modo, seria sobrecarregar ainda mais as já combalidas unidades de conservação brasileiras com responsabilidades sociais para além do que elas podem suportar.
Sugestões de leitura
DRUMMOND, José Augusto. Patrimônios Natural e Cultural: endereços distintos nos espaços urbanos, rurais e selvagens. In: PAES-LUCHIARI, Maria Tereza; BRUHNS, Heloísa Turini e SERRANO, Célia (Orgs.). Patrimônio, Natureza e Cultura. Campinas: Papirus, 2007.
HONEY, Martha. Ecotourism and Sustainable Development: Who Owns Paradise? Washington: Island Press, 2009.
MILLER, Kenton. Em busca de um novo equilíbrio. Brasília: IBAMA, 1997.
NASH, Roderick. Wilderness and the American Mind. Yale: Yale University Press, 1989.
RUNTE, Alfred. National Parks: The American Experience. Nebraska: University of Nebraska Press, 1979.
TERBORGH, John; SCHAIK, Carel van; DAVENPORT, Lisa; RAO, Madhu (orgs). Tornando os parques eficientes: estratégias para a conservação da natureza nos trópicos. Cutitiba: Editora da UFPR e Fundação O Boticário, 2002.
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