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Os pecados dos fazendeiros e as promessas do CAR

Há mais área Reserva Legal do que a soma das Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Para fazê-las valer precisamos implementar o Cadastro Ambiental Rural

1 de agosto de 2013 · 11 anos atrás
  • Gustavo Geiser

    Engenheiro agrônomo com mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina, trabalha na Polícia Federal...

Desmatamento em Rondônia. Via InfoAmazonia

Como disse no artigo anterior, se há motivos para criticar os índios, há ainda mais motivos para se criticar os não índios, seus vizinhos. Convido o leitor a passear através do mapa acima, do InfoAmazônia, pela região de onde escrevi esse artigo, o sul de Rondônia, e por outras do norte do país. Verão facilmente que Rondônia está praticamente despido de florestas, falta na maioria das propriedades os 50% de Reserva Legal exigidos quando da abertura dessas fazendas, longe dos 80% exigidos hoje. Então, se os índios estão errados, mais errados ainda estão os produtores rurais, que são em número muito maior, não têm a desculpa de não compreenderem a lei ou de não possuírem um sistema de chefia forte o suficiente. Não falo aqui de novos desmatamentos, mas de um grande passivo ambiental, que não se pode deixar de levar em conta.

Atualmente Rondônia tem relativamente poucos alertas de novos desmatamentos, e eles se concentram no norte do estado, próximo ao Amazonas, onde ainda há grandes áreas de mata. Óbvio, afinal de contas, restam poucas áreas florestadas nas fazendas, e ainda menos áreas devolutas aptas a serem ocupadas, desmatadas, e posteriormente tituladas, como ainda ocorre em outros estados da região Norte. Mas o que fazer quanto ao passivo? Tenho esperanças no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um sistema previsto no novo Código Florestal onde o produtor rural registra sua propriedade e quais suas Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reserva Legal. A verificação da preservação dessas áreas, que pode ser feita com frequência por imagens de satélite, fica mais fácil após elas serem declaradas e georreferenciadas. O CAR explicitaria quem está dentro ou fora da lei, e permitiria mecanismos de incentivo e/ou punição a quem se adequar aos conformes. Entretanto, a adesão ainda é pequena e a regularização, menor ainda. O importante é não perder de vista o cerne da questão: se não tomarmos cuidado o novo Código Florestal pode virar letra morta como já foi parte do antigo.

É preciso fazer valer o Código Florestal

“”A área classificada como Unidades de Conservação ou Terras Indígenas equivale a 26,95% do território nacional. Enquanto isso, as áreas privadas definidas como Reserva Legal equivalem a 31,54%””

Embora o novo Código Florestal tenha sido aprovado há mais de um ano, o decreto previsto na lei para a regulamentação e obrigatoriedade nacional do CAR ainda não saiu, graças às eternas divergências entre os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente. O próprio Ministério da Agricultura admite que mais de 4 milhões, das 5,1 milhões de propriedades rurais do país têm alguma pendência ambiental. É um passivo gigantesco que, se adequado à legislação, representará um imenso ganho ao meio ambiente. É preciso apenas prestar atenção para isso não seja esquecido em alguma gaveta. Para falar a verdade, me preocupa o silêncio completo sobre o tema entre os ambientalistas, como se a batalha estivesse concluída – seja parcialmente ganha ou parcialmente perdida – com a publicação do Código Florestal.

Posso estar errado, mas acredito que se o CAR for implantado fará mais diferença do que outros avanços da lei, em especial nas regiões sul e sudeste, onde pouquíssimas propriedades possuem os 20% de reserva legal e todas as margens de rio florestadas, como exige o Código. Basta ver as paisagens monótonas e os rios já sem vida.

Convido o leitor a ler o estudo da EMBRAPA, denominado Alcance territorial das áreas protegidas pela legislação ambiental e indigenista. Nele podemos ver o quanto temos de área protegida, por região, na mão do ICMBio, dos estados, dos indígenas e dos produtores rurais. De acordo com o estudo, a área classificada como Unidades de Conservação ou Terras Indígenas equivale a 26,95% do território nacional. Enquanto isso, as áreas privadas definidas como Reserva Legal equivalem a 31,54% do mesmo território. Sem falar que as áreas privadas estão mais bem distribuídas no país e seu impacto na qualidade de vida das cidades é maior.

Não é preciso pensar muito. Basta olhar a imagem do mapa do Brasil acima para ver que as Unidades de Conservação e Tis da região Norte são as grandes responsáveis pela preservação de ambientes naturais nessa região, enquanto no Sul-Sudeste isso caberia aos produtores rurais, pois o Estado não chamou para si essa incumbência, desapropriando grandes áreas para criar Unidades de Conservação.

Pensem nos rios limpos e bons para nadar e pescar, ou nos pequenos bosques que podem haver por aí, tornando mais bonita a paisagem do Sul-Sudeste. Não é uma delícia passar pelas estradas da Serra do Mar ainda ricas em áreas florestadas? Pois é. Interessa, portanto se preocupar a implementação pra valer do CAR e da exigência de recomposição da Reserva Legal, com prêmios aos que preservam e sanções administrativas aos que não cumprem. Não é hora de baixar a guarda. Quiçá esse recente ímpeto manifestante também se volte para a aplicação do Código Florestal. A meu ver, o aumento no desmatamento recentemente observado está muito mais ligado à dificuldade em punir os infratores do que a um possível afrouxamento na lei.

 

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