Reportagens

As cores do novo ambientalismo

Parcerias e diálogos entre empresas, governos e organizações não-governamentais são cada vez mais comuns. Grupos ainda vêem apenas um marketing verde.

Felipe Lobo ·
13 de julho de 2009 · 15 anos atrás
Projeto Juruti Sustentável, uma parceria da Alcoa com o Funbio, preserva o meio ambiente afetada por mineração de bauxita. (Foto:Christian Knepper)
Projeto Juruti Sustentável, uma parceria da Alcoa com o Funbio, preserva o meio ambiente afetada por mineração de bauxita. (Foto:Christian Knepper)

Vistas como entidades que defendem os interesses sociais e ecológicos frente a governos e empresas, organizações não-governamentais agora fortalecem laços com antigos alvos de críticas. Embora ainda existam combates acirrados, causados por diferentes visões sobre o desenvolvimento nacional e global, a tendência é de uma aproximação direta e sem intermediários entre grupos antes antagônicos. É o caso do Diálogo Florestal, iniciativa criada pelo Instituto BioAtlântica (Ibio) em 2004 e que reúne na mesma mesa representantes de dezoito ongs e quinze companhias do setor de papel e celulose.

O início da primeira reunião realizada pelo movimento, há quase cinco anos, não foi nada animador. Segundo André Guimarães, diretor-executivo do Ibio, os ânimos estavam tão exaltados que a possibilidade de cancelar a oficina ali mesmo foi levada em consideração. Nos dias seguintes, no entanto, os atritos começaram a diminuir e foi possível estabelecer o diálogo. “A relação entre ongs e empresas é, muitas vezes, pautada por desacordos, brigas antigas. O desafio é construir algo produtivo dentro deste cenário, e estamos conseguindo”, explica. 

A ideia de unir inimigos históricos na mesma roda de conversas não é nova, mas tem no Diálogo Florestal um de seus principais representantes. Para Guimarães, o encontro é importante porque as empresas do setor florestal possuem enormes porções de terras pelo Brasil – grande parte com eucalipto, mas também extensas reservas naturais preservadas. “A partir da iniciativa, o Ibio já criou cinco Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) para a Aracruz e deve fazer outras para a Suzano e Veracel. Depois disso, a intenção é conectar estes fragmentos com vegetação nativa para reformar o Corredor Central da Mata Atlântica, entre o Espírito Santo e o sul da Bahia”, completa.

Atualmente na segunda fase, o movimento capitaneado pela ong carioca fortalece os fóruns regionais, algo que permite maior frequência de encontros presenciais e acordos em projetos. Mas o principal benefício para a natureza obtido com o diálogo franco entre os setores não é o desenvolvimento de recuperação de áreas degradadas pontuais. O diretor do Ibio explica que, na verdade, a percepção de que todos devem trabalhar juntos é o ponto-chave. Basta ver, diz, o exemplo do Zoneamento Ecológico-Econômico da Bahia. Pela primeira vez depois de longo tempo ele é pleiteado junto ao governador, tanto por companhias privadas, quanto por membros da sociedade civil.

O entusiasmo de André não é compartilhado por Zuleica Nycz, representante da Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte (Apromac) na Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA). Para ela, um movimento que já dura quatro anos, como o Diálogo, e que ainda não trouxe resultados concretos, não vai funcionar. “Não existem relatórios no site e a representante da RMA no fórum também nunca nos enviou um documento para comprovar a importância da participação da rede. É complicado porque ela representa cerca de 300 instituições, sendo que muitas delas combatem as empresas parceiras. Eu, por exemplo, nunca fui a nenhum destes encontros”, diz.

Nycz explica que o Diálogo se torna um lugar para a prática conhecida como greenwashing (lavagem verde), algo como limpar a imagem de uma empresa com má conduta ambiental com apertos de mão de entidades ambientalistas ou campanhas publicitárias de veracidade duvidosa. Para ela, o setor ambientalista deveria fazer críticas duras a este tipo de indústria, responsável por anos de degradação ecológica e produtora de passivos diários – além de projeções de impactos futuros. Questionada sobre a explicação de que o fortalecimento de laços entre os atores pode render possíveis acordos no futuro, Zuleica é taxativa.

“Quem precisa dizer que existe passivo, fazer um levantamento das denúncias de crimes ambientais e das contaminações químicas, por exemplo, são empresas contratadas para consultorias. E depois a companhia trabalha para resolver estes problemas. Não é a ong que deve fazer isso”, afirma.

Movimentos como o Diálogo Florestal, completa, servem para que as entidades sem fins lucrativos sintam que podem fazer alguma coisa, algo que não acontece, já que acabam neutralizadas pelas empresas que deveriam combater.

Juruti sustentável

Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, superintendente de Conservação da WWF-Brasil, concorda que, em muitos casos, o marketing é a porta de entrada do Terceiro Setor no mundo corporativo. Mas é preciso identificar quem deseja apenas fazer greenwashing daqueles que realmente pretendem mudar modelos de negócios. Afinal, explica, não adianta apenas conversar com os pares. É necessário chegar aos culpados pela degradação para ajudá-los a reverter o processo, sem perder os lucros.

“Vivo sonhando com encontrar uma firma com passivo ambiental gigantesco, mas com reais intenções de reverter este quadro. O resultado será excelente. É claro que existe o risco de encontrar empresas pouco comprometidas, mas os relatórios de atividades ecológicas, por exemplo, ajudam a reduzir o perigo”, assegura.

A aproximação entre ongs e setor privado não acontece apenas com companhias de papel e celulose. Há inúmeros exemplos de diálogos, projetos e parcerias.

Um dos casos mais emblemáticos é o trabalho realizado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade nas minas de extração de bauxita que a Alcoa mantém em Juruti (PA). Aliás, o Funbio foi criado em meados da década de 1990 para servir de instrumento de transição entre governo, iniciativa privada e sociedade civil. Trata-se de um nicho que, segundo Manoel Serrão, coordenador da Unidade de Mecanismos Financeiros, ainda precisa ser melhor explorado.

Em 2007, a Alcoa (uma das maiores mineradoras do mundo) chegou a Juruti e começou o processo de obras para a extração do minério – algo que deverá acontecer pelos próximos setenta ou cem anos. Depois de cumprir obrigações legais como Estudo de Impacto Ambiental e estratégias de mitigação, além de pagar compensações, os responsáveis pelo empreendimento viram que a situação era muito mais complexa. A relação social do lugar foi completamente modificada, já que a cidade tinha dez mil habitantes e outros oito mil chegaram com a construção da usina. Surgiram favelas, drogas, prostituição e problemas ambientais, como acúmulo de lixo.

“Fizemos uma proposta para a empresa, com três vertentes. A primeira era criar um conjunto de indicadores para observar o grau de impacto em cima de aspectos diretos e indiretos, trabalho realizado em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. A outra frente era criar uma Agenda 21 local, para dar um salto de qualidade no entendimento da relação mina/comunidade”, conta. Desta ideia surgiu um conselho local, cuja designação é avaliar o projeto e definir as ações.

O terceiro passo foi a criação de um mecanismo financeiro coordenado pelo conselho, cujos membros são de empresas, governo e ongs. Aberto a doadores dos mais diversos, o fundo teve aporte inicial de dois milhões de reais, da Alcoa, e servirá para ajudar em projetos sociais e possíveis danos ambientais, como poluição de rios – desde que não estejam vinculados à mina. O edital deste projeto-piloto foi aberto há dois meses e as inscrições encerraram na última sexta (3).

Até com Blairo Maggi

Uma das propriedades do assentamento Paulo Freire beneficiadas pela parceria. (Foto: Apremavi/Klabin/Divulgação)
Uma das propriedades do assentamento Paulo Freire beneficiadas pela parceria. (Foto: Apremavi/Klabin/Divulgação)

Outros dois projetos também mostram com clareza que a aproximação entre ongs e empresas pode tomar rumos concretos. É o caso, por exemplo, da The Nature Conservancy (TNC), com o  Lucas do Rio Verde Legal, no Mato Grosso. O maior parceiro da iniciativa, que pretende adequar 100% dos agricultores da região (especializados no plantio de soja) ao Código Florestal até o próximo ano, é o governador Blairo Maggi. Também conhecido como o Rei da Soja, o político parece ter compreendido a importância do projeto. Pelo menos é o que diz Albano Araújo, coordenador da Estratégia de Água Doce da TNC.

“Ele entendeu que a preservação ambiental poderia ser positiva para o estado, inclusive economicamente. Mas sempre tivemos uma linha pragmática e baseada em princípios científicos, desde o início da organização. É preciso ter projetos robustos e mostrar que buscam apoios. Demonstrar efetividade”, explica. Araújo também acredita que as ongs que optaram por maior confronto perceberam ao longo do tempo o sucesso alcançado por grupos realistas na aquisição de recursos para os próprios planos e mudaram de postura.

A Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) também possui exemplos de união bem sucedida com a iniciativa privada. Um deles é o programa Matas Legais, que existe desde 2005 em Santa Catarina e cujo primeiro ano no Paraná foi celebrado em junho. Em parceria com a Klabin, maior produtora e exportadora de papéis do Brasil, a entidade já auxiliou, ao todo, o plantio de 140 mil mudas de espécies nativas em mais de 350 propriedades rurais nos dois estados – o que significa um total de 60 hectares recuperados.

Além disso, 188 hectares no estado foram demarcados como Áreas de Preservação Permanente (App’s), uma das prioridades estabelecidas pela iniciativa. Outros objetivos são estimular os produtores a planejar suas terras de acordo com a legislação, proteger as matas ciliares e reduzir os índices de áreas desmatadas com outras atividades agrícolas. No mais, o projeto também está adequando o assentamento Paulo Freire, feito pelo Incra no Paraná, às normas ambientais. Há, ali, 71 propriedades com média de 17 hectares cada. Participante do Diálogo Florestal, como a TNC, a Apremavi consegue enxergar evolução.

“Vejo maior aproximação, já que todas as empresas no movimento buscam ou já têm certificação ambiental. Trata-se de um sinal claro de que a postura em relação à natureza está mudando. Para completar, sentar à mesa significa achar pontos em comum e avançar em outros além do que um processo de certificação permite. E, por ser uma experiência nova, é necessário que haja um tempo de conversa antes. É como um casamento, onde antes houve o namoro e o noivado”, explica Miriam Prochnow, presidente da Apremavi.

Relações conflituosas

De modo geral, a ideia de contato com grandes firmas é bem-vista. O caso da SOS Mata Atlântica, que participa de “diálogos multissetoriais”, é emblemático. Empresário, seu fundador (Roberto Klabin) sempre manteve laços estreitos com o mundo corporativo, mas há uma espécie de cartilha dentro da associação com pré-requisitos para se aceitar, ou não, a parceria. De acordo com Marcia Hirota, diretora de Gestão do Conhecimento, não existe perda de autonomia.

“Recebemos recursos das empresas, mas não deixamos de criticá-las quando tomam atitudes erradas. E temos critérios, não fazemos acordos com firmas que praticam trabalho escravo, por exemplo. Quando ela toma atitudes não compatíveis com a conduta ou com a lei, também reclamamos ou até rompemos. A iniciativa privada precisa ser criteriosa, e as ongs devem fazer monitoramentos”, diz.

Segundo Hirota, quando o movimento ambientalista foi criado, ele era mais focado em militância. Hoje a maioria das organizações tem projetos próprios e buscam patrocínio. Mas ela acredita que o diálogo sempre existiu e não é uma mudança ou reflexo dos novos tempos.

A mesma opinião tem André Guimarães, do Ibio. Ele explica que há diferentes tipos de ongs e de estratégias: aquelas de enfrentamento direto, outras atuantes no campo e também um terceiro grupo, responsável por pesquisas científicas. Há espaço para todas co-existirem, e sempre haverá.

A falta de recursos destinados a projetos sérios de conservação no país, seja por empresas estatais ou privadas ou outras instituições, é mais um entrave para as ongs. Por isso, elas não podem simplesmente recusar investimentos de patrocinadores. Esta é a opinião de Germano Woehl, criador e presidente da Rã-Bugio, entidade do sul do país.

“Agora, uma ong ambientalista se envolver diretamente nas atividades da empresa é uma relação muito esquisita. É uma parceria muito difícil de compreender porque as empresas podem ter em seus quadros profissionais muito mais qualificados para estas mesmas funções. É a mesma coisa que uma clínica de cirurgia plástica contratar a ong dos ‘médicos sem fronteiras’ para atender seus clientes”, avalia.

Zuleica Nycz, da Apromac, não se define como radical, mas sim purista, quando o assunto em pauta é a relação entre dois setores diferentes da sociedade. “A palavra principal é coerência. Se a empresa age desta forma e resolve estabelecer programa de gerenciamento ambiental em todos os sentidos, vale à pena firmar parcerias. Mas se ela diz que faz algo, e é mentira, não serve de modelo”.

Atalhos:
Apremavi
WWF
Apromac
SOS Mata Atlântica
Rã-Bugio
Diálogo Florestal
Ibio
Funbio

Saiba mais:
Fogo amigo

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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