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Especialistas e ONGs defendem portaria dos peixes ameaçados

Manifesto assinado por mais de 80 especialistas pede a manutenção da portaria que protege 475 espécies de peixes aquáticos ameaçados de extinção.

Daniele Bragança ·
24 de junho de 2015 · 10 anos atrás

Garoupa ([i]Epinephelus morio[/i]) é uma das 475 espécies ameaçadas que ficaram protegidas pela Portaria 445/2014. Foto: Universidade de Carolina do Norte, via NOAA.
Garoupa ([i]Epinephelus morio[/i]) é uma das 475 espécies ameaçadas que ficaram protegidas pela Portaria 445/2014. Foto: Universidade de Carolina do Norte, via NOAA.
 

Há duas semanas, a Justiça Federal decidiu suspender os efeitos da portaria 445, que proíbe a captura, o transporte, o manejo, o armazenamento e a comercialização de 475 peixes ameaçados de extinção no país. A decisão, de caráter preliminar, motivou a união de diferentes entidades da sociedade civil e pesquisadores a lançar um manifesto pela manutenção da portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Mais de 30 instituições de pesquisa e da sociedade civil e 83 especialistas assinam o documento, entre eles a Sociedade Brasileira de Carcinologia (que reúne especialistas em crustáceos), Sociedade Brasileira para o Estudo dos Elasmobrânquios (tubarões e raias) e Sociedade Brasileira de Ictiologia (peixes ósseos).

Além do manifesto, que já foi encaminhado aos ministérios do Meio Ambiente e da Pesca, as organizações estudam recorrer à Justiça contra a suspensão.

Para Guilherme Dutra, diretor de Estratégia Marinha e Costeira da Conservação Nacional (CI-Brasil), organização que assina o manifesto, há um forte lobby do setor pesqueiro para que a portaria caia. “A lista [de espécies aquáticas ameaçadas] é um retrato da realidade. O que está se fazendo com essas ações é tentar esconder a realidade da péssima gestão da pesca e do estado da conservação do ecossistema aquático no Brasil”, explica.  

Entenda a disputa

Publicada em dezembro de 2014, a portaria 445 define a Lista Nacional de Espécies de Peixes e Invertebrados Aquáticos Ameaçados de Extinção, e proibia a captura, o transporte e a comercialização dessas espécies.

A lista foi contestada pelo setor pesqueiro, que buscou ajuda no Ministério da Pesca. Após protestos, um grupo de trabalho foi criado para acompanhar o andamento da norma, que deveria entrar em vigor agora em junho. O Ministério do Meio Ambiente publicou duas portarias alterando a original. A primeira, publicada no dia 28 de abril, abriu exceção para peixes da categoria Vulnerável, que poderiam ser pescados desde que a espécie contasse com regras próprias para captura e comercialização definidos previamente pelo Ministério da Pesca.

Já a segunda portaria, publicada esse mês, foi além e adiou a proteção de 31 espécies de valor comercial classificadas como “Criticamente em Perigo” (CR) e “Em Perigo” (EN). Segundo a nova portaria, essas espécies poderão ser exploradas economicamente até dezembro de 2015, quando entraria definitivamente em vigor a portaria 445 e com ela, a proibição da pesca. Isso se a Justiça não tivesse suspendido o efeito da portaria. O Desembargador Jirair Aram Meguerian, do Tribunal Regional da Primeira Região, entendeu que a norma não deveria ter sido editada unilateralmente pelo Ministério do Meio Ambiente, sem a colaboração do Ministério da Pesca.

O manifesto dos especialistas relembra que a portaria é resultado de 5 anos de estudo e que envolveu mais de mil especialistas. Afirma que a suspensão da norma contraria o “direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, garantido pelo artigo 225 da Constituição Federal.

Leia na íntegra:

Manifestação Pública em razão da decisão judicial que suspendeu os efeitos da Portaria 445/2014-MMA, que trata da lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção

Atualizada em 23 de junho de 2015 – 11h30

As Organizações da Sociedade Civil e pesquisadores dedicados ao estudo e conservação de recursos marinhos e de água doce que subscrevem esta manifestação vêm a público para defender a manutenção dos efeitos e a legalidade da Portaria 445/2014 do Ministério do Meio Ambiente, que definiu a Lista Nacional Oficial de Espécies de Peixes e Invertebrados Aquáticos Ameaçados de Extinção. Esta Lista é resultado de um trabalho criterioso de cinco anos, envolvendo mais de 1.300 especialistas e as melhores informações disponíveis.

Entendemos que a decisão judicial do Senhor Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que suspendeu temporariamente os efeitos da Portaria 445/2014, desconsiderou os princípios constitucionais e o marco legal brasileiro sobre o meio ambiente e está fundamentada equivocadamente num suposto conflito de competências entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Pesca e Aquicultura.

A elaboração de listas oficiais de espécies ameaçadas de extinção é um instrumento legal previsto na Política Nacional da Biodiversidade, que é coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente. Defendemos, portanto, que não existe conflito ou extrapolação de competências na publicação da Portaria 445/2014.

Ressaltamos que a suspensão da lista deixa 475 espécies sem qualquer tipo de proteção, contrariando diretamente o “direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, garantido pelo artigo 225 da Constituição Federal. Esse direito constitucional fundamental deve ser sempre considerado na interpretação do marco legal brasileiro.

A diminuição das populações das espécies incluídas na lista e o colapso das pescarias que dependem dessas espécies é, sem sombra de dúvidas, a principal ameaça à manutenção da atividade pesqueira no país. Essa percepção é compartilhada por diversos setores e representantes de pescadores, que entendem que a lista de espécies ameaçadas é um instrumento importante para a sobrevivência da atividade e sua sustentabilidade, e que ela deve ser mantida. Por outro lado, a suspensão da Portaria 445/2014 retira a proteção ambiental de espécies aquáticas ameaçadas pelo impacto de outras atividades além da pesca, como a extração de petróleo e gás, construção de hidrelétricas, destruição de habitats (ex: manguezais) e outras.

Deste modo, apelamos ao Poder Judiciário para que reveja esta decisão e reiteramos a necessidade de uma proteção urgente para as espécies ameaçadas de extinção ou sobrexplotadas pela pesca excessiva, não manejada, não monitorada e não fiscalizada.

Pelas mesmas razões, pedimos também que sejam retirados os Projetos de Decreto Legislativo em tramitação na Câmara dos Deputados (PDC 36/2015, de autoria do Deputado Alceu Moreira – PMDB/RS) e no Senado Federal (PDS 183/2015, de autoria do Senador Ronaldo Caiado – DEM/GO), que sustam a Portaria 445.

Exigimos ainda a retomada imediata do Programa Nacional de Monitoramento Pesqueiro; a criação dos Comitês Permanentes de Gestão da Pesca; a implementação de medidas emergenciais de manejo de pesca visando recuperar espécies e estoques sobrexplotados e ameaçados, por meio de limites máximos de captura de espécies-alvo, da minimização das capturas acidentais e da proteção de habitats vulneráveis, através da adoção de planos de recuperação e manejo de base científica; e rejeitamos a revogação da lista de espécies ameaçadas ou o adiamento de seus efeitos. Esse é o único caminho para manter a abundância em nossos mares e rios, e todos os benefícios de diversas atividades econômicas como turismo e pesca. É assim que manteremos nossa segurança alimentar, empregos, cultura e lucro, para a sociedade atual e futuras gerações.

 

 *Editado às 02h30 do dia 01/07/2015

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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