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Publicado originalmente por Observatório do Clima
Indicado por Jair Bolsonaro para assumir a vaga de Raquel Dodge à frente do Ministério Público Federal, o subprocurador-geral da República Augusto Aras tem mostrado um discurso afinado com o do possível chefe na área ambiental.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em abril, o procurador afirmou que as políticas de proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente – missão constitucional do MPF – “não podem ser radicalizadas”.
Aras afirmou também que há “minerais estratégicos” em terras indígenas e levantou a suspeita de interesses econômicos estrangeiros por trás do ambientalismo e do indigenismo no Brasil.
Afirmações feitas pelo subprocurador sobre esses temas não se sustentam em fatos. Nesta edição do Agromitômetro, nós checamos algumas delas:
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“Não podemos ignorar que, na década de 90, países poderosos se reuniram para estabelecer princípios de intervenção em regiões do planeta.”
VERDADE, MAS – Aras possivelmente está falando da década em que o multilateralismo foi reforçado no âmbito das Nações Unidas. Antes dos anos 1990, o multilateralismo era prejudicado pela visão geoestratégica da Guerra Fria, de um mundo bipolar. Com o fim do bloco comunista, os países puderam dar atenção a questões globais, como meio ambiente e direitos humanos. Não por acaso datam de 1992 as grandes convenções da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento.
Na mesma década, os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o P5, de fato se reuniram para estabelecer critérios nos quais intervenções militares poderiam ser realizadas. O consenso foi que isso pudesse ocorrer por razões humanitárias – em 1994 quase 1 milhão de pessoas foram mortas em Ruanda sem que as potências globais interviessem. O próprio Brasil se engajou nesse tipo de intervenção ao aceitar liderar a missão da ONU de estabilização do Haiti, em 2004.
Isso é bem diferente da insinuação de Aras de que o Brasil estaria sujeito a intervenções por conta de minerais em terras indígenas, algo que nunca foi objeto de nenhuma discussão multilateral. O Brasil estaria sujeito a intervenção, isso sim, se o próprio governo resolvesse massacrar seus indígenas – digamos, para acessar minerais em suas terras.
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“Precisamos imaginar que só temos 10% do nosso território destinado ao agrobusiness, e que essa área pode ser aumentada no mínimo em mais 10%.”
FALSO – Segundo o projeto MapBiomas, que mapeou as mudanças de uso da terra todo o território nacional desde 1985 até 2018, a agropecuária ocupa 29% do território – ou 245 milhões de hectares. É a terceira maior área de produção do planeta, perdendo apenas para EUA e China, e a maior área de produção per capita do mundo. Se as pastagens naturais do Pantanal e do Pampa são incluídas na conta, essa área sobe para 295 milhões de hectares.
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“Eu defendo a ideia de que nós tenhamos uma avaliação, no que diz respeito ao meio ambiente e à cultura indígena, não radicalizada, destituída de ideologização de natureza política ou mesmo de natureza econômica externa, que é o que vemos hoje.”
INVERIFICÁVEL – Não dá para saber o que Aras quis dizer com avaliação ideologizada “de natureza política ou de natureza econômica externa” da cultura indígena. O Artigo 231 da Constituição Federal determina ao poder público demarcar e reconhecer as terras indígenas. Hoje no Brasil há 119 terras indígenas no país a demarcar.
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“A Amazônia tem 95% de todas as ONGs do Brasil. Será que o resto do Brasil não merece o mesmo cuidado das ONGs?”
FALSO – Segundo o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), um órgão do governo federal, a região Norte tem 67.352 ONGs, o que representa 8% do total do Brasil (820.455 organizações mapeadas). Se incluirmos nessa conta todas as ONGs de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, Estados que integram a Amazônia Legal, o número sobe para 105.931, ou 13%. O Nordeste sem o Maranhão tem 21% das ONGs. O Sudeste, região mais populosa do país, tem 40% das ONGs.
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Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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O agronegócio que quer ter sucesso sabe que precisa demonstrar um comportamento responsável perante os desafios do meio-ambiente. Depois décadas de faz-de-conta, o governo atual prefere investir no comportamento irresponsável, apoiado por mitologia obscurantista que despreza a ciência.
É a marcha da insensatez!
Mais chutômetros. Estes Homens públicos, pensam que enganam quem?
O nome pra toda notícia nessa seção ser Agromitômetro é ridículo. Sempre associando a ideia ruim de qualquer coisa relacionada ao agro.