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Arquidiocese pede apoio de Alckmin para desafetação do Alto Corcovado

Documento obtido por ((o))eco revela pedido da igreja para que o vice-presidente “encontre uma solução capaz de desafetar a área” do Parque Nacional da Tijuca onde está o Cristo Redentor

Duda Menegassi ·
24 de fevereiro de 2025

A briga para ver quem manda no Alto Corcovado, mais especificamente na área onde foi erguido o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, não é nova. De um lado, o ICMBio, órgão ambiental responsável pela gestão das unidades de conservação federais, entre elas o Parque Nacional da Tijuca, onde está o monumento. Do outro, a Mitra Arquiepiscopal do Rio de Janeiro, responsável pela gestão dos templos católicos da cidade, entre eles a capela aos pés da estátua. A queda de braço, que inclui dois projetos de lei para desafetação da área e transferência para igreja, chegou ao Palácio do Planalto, com um apelo ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) para que interceda em favor da arquidiocese.

Em carta enviada pela Mitra em agosto de 2024 e obtida por ((o))eco via Lei de Acesso à Informação, a arquidiocese pede ao vice-presidente – ele próprio católico declarado – que “interceda pela Mitra Arquiepiscopal do Rio de janeiro para que se encontre uma solução capaz de desafetar a área conhecida como Alto Corcovado através da redefinição dos limites da Unidade de Conservação, mais precisamente a partir do seu estacionamento até o platô superior onde se encontra o Cristo Redentor”.

O documento afirma que a Mitra foi “sendo escanteada” pela gestão da unidade de conservação, criada em 1961, e critica a falta de modernização e devida manutenção do platô edificado onde está o monumento, assim como a falta de preparo para receber pessoas portadoras de necessidades especiais. Hoje o único equipamento de apoio ao acesso da base do Cristo são escadas rolantes. Elevadores levam apenas até uma base inferior. 

Em dezembro, com a renovação dos contratos com as concessionárias Trem do Corcovado e Paineiras-Corcovado, responsáveis pelos serviços de transporte e atendimento ao turista no monumento, foram anunciados investimentos de R$ 25 milhões anuais pelos próximos três anos no Parque Nacional da Tijuca. Estão previstas obras de infraestrutura – como o reforço do contraforte, estrutura de vigas que sustenta o Cristo Redentor – e acessibilidade, além de projetos de manejo de espécies exóticas e de pesquisas científicas.

((o))eco procurou a assessoria de comunicação do vice-presidente para esclarecer seu posicionamento sobre o pedido, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.

Já a Mitra esclareceu em nota que: “A Arquidiocese do Rio de Janeiro busca sensibilizar as autoridades de todas as esferas para a grave situação em que se encontra o Complexo do Alto Corcovado para que possam atuar e contribuir dentro de suas atribuições funcionais. Em relação ao ICMBio, a Arquidiocese está e sempre estará aberta ao diálogo”.

Questionados por ((o))eco, a gestão do parque nacional, em conjunto com o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) enviaram uma nota em que reforçam que a desafetação “vai na contramão da necessidade de proteção da área de Mata Atlântica que motivou sua criação. Além disso, o repasse da gestão do Alto Corcovado a uma entidade privada ameaça a garantia de acesso de todos os públicos ao local”. Os órgãos ambientais rebatem ainda diversos pontos da carta. A nota na íntegra pode ser lida no final do texto. [Atualização no dia 28/02/2025, às 14h20 para incluir a nota enviada pelo ICMBio]

Leia mais: Corcovado em disputa: projetos de lei tentam tirar área do Parque Nacional da Tijuca e passar para Igreja

Conforme o último Termo de Compromisso firmado entre as partes, a Mitra tem o direito de desenvolver livremente as atividades religiosas, culturais, econômicas, comerciais e sociais na área do Santuário Cristo Redentor, que se encontra no platô do morro do Corcovado. Sendo a entidade obrigada a seguir as normas e restrições do plano de manejo do parque, assim como não impedir acesso dos turistas ao platô superior no horário de funcionamento e operação do Parque Nacional da Tijuca no Corcovado (todos os dias de 8:00 às 19:00).

A desafetação da área do Alto Corcovado de dentro do parque significa remover o órgão ambiental da equação, dando total controle do monumento por parte da Mitra. 

Platô do monumento é alugado para eventos como casamentos. Foto: Duda Menegassi

Anualmente, o Parque Nacional da Tijuca recebe mais de 4 milhões de visitantes, mais da metade deles no Setor Serra da Carioca, onde está o Corcovado, um dos principais pontos turísticos da cidade. 

A arrecadação dos ingressos e por meio dos contratos com as concessionárias é considerada fundamental para bancar a gestão e manutenção da unidade de conservação, como um todo. Hoje R$6,00 de cada ingresso vendido vão para a Mitra Arquiepiscopal, para fins de apoio ao Projeto Amigos do Cristo Redentor, que ajuda a manter o Santuário do Cristo Redentor. Além disso, a entidade fatura com a realização de eventos, tanto religiosos (como casamentos e batizados), quanto comerciais no platô do Cristo, e com a iluminação da estátua.

Propostas no legislativo

Atualmente, duas propostas tramitam no legislativo sobre o tema. O Projeto de Lei n° 3.490/2024, apresentado no Senado, em setembro do ano passado, pelos senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Romário (PL-RJ) e Carlos Portinho (PL-RJ), que “exclui a área do Alto Corcovado dos limites do Parque Nacional da Tijuca”, o equivalente a 6.771,73 m².
Da base do governo vem a outra proposta, apresentada em agosto – no mesmo dia em que foi enviada a carta – pelo então deputado federal e atual prefeito de Maricá, Washington Quaquá (PT-RJ). Em seu texto, o projeto de lei nº 3.208/2024 transfere a área do monumento do Cristo Redentor para a Mitra Arquiepiscopal Do Rio De Janeiro.

Resposta do ICMBio

Após a publicação da reportagem, foi enviada uma nota conjunta assinada pela gestão do Parque Nacional da Tijuca, ICMBio e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A matéria foi então atualizada no dia 28/02/2025 para incluir a nota, que pode ser lida na íntegra abaixo:

“O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) reforçam o posicionamento contrário aos projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que propõem a desafetação da área do Alto Corcovado do Parque Nacional da Tijuca e sua cessão à Mitra Arquiepiscopal.

O Parque Nacional da Tijuca é uma Unidade de Conservação de domínio público, pertencente à população brasileira. O desmembramento pretendido pelos projetos de lei vai na contramão da necessidade de proteção da área de Mata Atlântica que motivou sua criação. Além disso, o repasse da gestão do Alto Corcovado a uma entidade privada ameaça a garantia de acesso de todos os públicos ao local.

Até 2027, o ICMBio investirá R$ 75 milhões na manutenção das áreas e equipamentos do Parque Nacional no intuito de melhorar a acessibilidade e garantir a experiência de visitação e uso público adequados da Unidade de Conservação.

Sobre alguns pontos da carta, cabem os seguintes esclarecimentos:

  • O documento traz diversas alegações sem qualquer comprovação. São fundamentos históricos que não se sustentam com documentos.
  • É importante esclarecer que toda a infraestrutura de alvenaria do platô do Alto Corcovado já existia muito antes da instalação da estátua do Cristo Redentor e tal obra foi realizada pela União, visto que o fluxo de turistas no local já era significativo devido à visitação ao Mirante Chapéu do Sol, importante atrativo turístico brasileiro inaugurado em 1885 e que ficava no topo do Alto Corcovado.
  • É descabida a afirmação “completamente defasado, carente da devida manutenção e modernização, muitas vezes oferecendo até mesmo riscos para o visitante considerando os equipamentos obsoletos que lá existem.”, feita sobre o Alto Corcovado. A verdade é que o ICMBio, como agente fiscalizador, exige a manutenção do espaço por meio das contrapartidas obrigatórias previstas em contrato com as duas concessionárias – as quais realizam as intervenções necessárias.
  • Na carta, a Mitra também omite informações. Ela não comunica ao vice-presidente que já existe um projeto universal de acessibilidade proposto pelo ICMBio. Este projeto foi escolhido como a melhor opção durante a 4ª reunião do Comitê de Acompanhamento e Fiscalização do Termo de Compromisso firmado entre Mitra e ICMBio, realizada no dia 8 de fevereiro de 2024. Nesta reunião, que gerou uma ata aprovada e assinada por todos os participantes, foi discutido com integrantes da Mitra, em conjunto com ICMBio, IPHAN e outros representantes, os dois projetos de acessibilidade propostos: um pela Mitra e outro pelo ICMBio. Ao final da discussão, a melhor opção foi o projeto levado pela Coordenação de Obras e Projetos de Engenharia e Arquitetura (Copea), do ICMBio – o qual, inclusive, teve a anuência de um representante PcD que foi convidado a participar e avaliar as duas propostas em discussão.
  • A Mitra distorce a realidade dos fatos sobre a instalação dos elevadores. A verdade é que a iniciativa teve a participação de diversos atores, sendo fundamentais o envolvimento do IBAMA (órgão responsável pela Unidade de Conservação naquela época), da Fundação Roberto Marinho (esta, sim, a responsável pelos recursos financeiros, inclusive junto a doadores nacionais, internacionais e outros, além de ter participado também no acompanhamento das obras), da Prefeitura do Rio de Janeiro e, por fim, da própria Mitra.
  • Cabe ainda ressaltar que, atualmente e conforme previsto em contrato de concessão (o qual passou a existir após a instalação dos elevadores), o ICMBio fiscaliza a concessionária Trem do Corcovado para que ela cumpra as contrapartidas contratuais, as quais englobam a manutenção periódica dos três elevadores de acesso ao Alto Corcovado. Conforme amplamente divulgado nos últimos meses, já há um projeto para a revitalização da infraestrutura do hall dos elevadores e dos equipamentos em si, que dão acesso ao Alto Corcovado.
  • A Mitra omite completamente na carta a participação de outros entes nas decisões que envolvem o Alto Corcovado, como o IPHAN, que é responsável por deferir ou não diferentes intervenções no local, visto que o Parque Nacional da Tijuca é um patrimônio cultural brasileiro tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e também Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco.”

*Reportagem atualizada às 14:20 do dia 28/02/2025 para incluir o posicionamento do ICMBio

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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