A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quinta (21), o PL 2148/15, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. O texto, aprovado por 299 votos a favor e 103 contra, cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), limitando a emissão de gases poluentes por meio de metas criadas por um Plano Nacional de Alocação, em que aqueles que mais emitem deverão comprar créditos daqueles que reduzirem além de sua meta. O texto, porém, exclui da limitação a atividade agropecuária, setor que, associado às mudanças de uso do solo, responde por 75% das emissões brasileiras. O projeto seguirá agora para o Senado.
A exclusão do agro, feita a pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária, se deu devido à “falta de métricas adequadas para medir as emissões da atividade do setor”, segundo o relator do projeto da Câmara, o deputado Aliel Machado (PV-PR).
Ele condicionou a inclusão futura do setor no Sistema ao desenvolvimento dessas métricas. “Entendo que, logo sendo aperfeiçoado esse sistema [de métricas], será um caminho natural a entrada do agronegócio”, argumentou o parlamentar, citado pelo Observatório do Clima. Na mesma linha, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do governo no Congresso, defendeu a exclusão, no plenário, “inicialmente como um processo de transição”.
A federação PSOL-REDE bem que tentou, por meio de um destaque no texto, incluir o setor da agropecuária na limitação das emissões, mas sua proposta foi derrotada pelos votos de 301 deputados, contra 81 votos favoráveis.
Argumentando a favor do destaque, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) classificou a exclusão como “um privilégio indefensável”, pois favorece um setor historicamente beneficiado pelo Estado e que “é o que mais emite gases de efeito estufa, inclusive com a abertura de pastagens”. A federação PT-PCdoB-PV foi o único bloco a orientar voto favorável ao destaque – mesmo que, contraditoriamente, o governo liderado pela própria federação tenha encaminhado voto contrário.
A redação final do projeto, costurada por Machado, ainda permite que proprietários de terras gerem créditos de carbono pela manutenção de Área de Preservação Permanente (APP), de reservas legais e de áreas de uso restrito, que legalmente já não podem ser derrubadas.
Assim, produtores rurais serão pagos pelo simples cumprimento do Código Florestal, o que, segundo nota do Observatório do Clima, vai contra o Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, que dita que créditos de carbono só podem ser comercializados internacionalmente caso tenham “adicionalidade regulatória”. Ou seja, que vão além do que já é obrigatório pelas leis.
Além disso, a abertura da possibilidade de venda de créditos por meio de um sistema privado paralelo aumenta a possibilidade de dupla contagem de créditos, diz o Observatório do Clima. De acordo com a organização, com a confusão de mercados estatais (regulados) e privados (não-regulados), dentro e fora do mercado, “o PL aumenta o risco de dupla contagem com a barafunda jurídica no REDD+”.
O projeto prevê, ainda, a venda de créditos de carbono por povos indígenas e comunidades tradicionais aos grandes emissores. O relator não incluiu, porém, sugestões do Ministério dos Povos Indígenas e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) – que previam a supervisão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) no processo de consentimento. A exclusão da proposta gerou temores de assédio por parte de empresas interessadas, como já investiga o Ministério Público Federal.
Também ficou fora do texto final a possibilidade de direito a veto das comunidades aos projetos de créditos de carbono em qualquer etapa de seu desenvolvimento, que havia sido proposta pelo MPI e APIB.
“O projeto oficializa o faroeste de carbono florestal no Brasil. A ganância dos ruralistas, além de não levar a lugar nenhum, já que dificilmente alguém comprará esses créditos florestais [devido à falta da adicionalidade prevista pelo Acordo de Paris], cria ruído num PL que estabelece um instrumento maduro e sofisticado para ajudar o país a cumprir suas metas climáticas com a maior eficiência possível”, resumiu Stela Herschmann, coordenadora-adjunta de Política Internacional do Observatório do Clima.
Entenda o que é o mercado regulado
Participarão do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa as empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de CO² equivalente, que serão obrigadas a reportar suas emissões, mas não terão metas de redução – essas serão recebidas apenas por aquelas que emitam mais de 25 mil toneladas.
Cada tonelada de emissão de CO² reduzida valerá um Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), que poderá também ser comercializado. O SBCE será composto por 3 órgãos – gestor, deliberativo e consultivo. O órgão gestor, porém, não contará com participação da sociedade civil, o que é alvo de críticas de ambientalistas.
Leia também
Mercado regulado de carbono sem setor da agropecuária – prejuízo para o Brasil?
Especialistas divergem no entendimento sobre a questão. Projeto de Lei que regulamenta mercado foi aprovado em Comissão no Senado e segue para Câmara →
Milhões de créditos de carbono não têm lastro em preservação florestal, mostra estudo
Projetos analisados superestimam desmatamento evitado, gerando “compensação fake” de emissões →
9 em cada 10 brasileiros perceberam mudanças climáticas nos últimos anos, diz pesquisa
Percepção aumentou em relação à pesquisa do ano passado; 92% dos entrevistados dizem que a ação contra o aquecimento global deve ser imediata →