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Câmara aprova projeto que simplifica licenciamento da BR-319, um dos motores do desmatamento na Amazônia

Descrito como inconstitucional por ambientalistas, PL 4.994/23 classifica rodovia como “infraestrutura crítica” e prevê até recursos do Fundo Amazônia para asfaltamento

Gabriel Tussini ·
21 de dezembro de 2023

A Câmara dos Deputados aprovou na noite de terça-feira (19) o projeto de lei 4.994/23, que classifica a BR-319 – a rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) – como “infraestrutura crítica, indispensável à segurança nacional”. O texto, proposto pelo deputado Maurício Carvalho (UNIÃO-RO) e assinado por todos os parlamentares de Amazonas e Rondônia – exceto o relator, Capitão Alberto Neto (PL-AM) –, é criticado por eliminar etapas do licenciamento ambiental e determinar a utilização de recursos do Fundo Amazônia para asfaltar a rodovia.

Votado no plenário em regime de urgência, já depois das 23h e sem passar pelas comissões da casa, o projeto teve 311 votos a favor e 103 contra, e agora seguirá para o Senado. Ambientalistas apontam o aumento da supressão vegetal junto à estrada, com construção de “ramais” – pequenas vias ilegais conectadas à principal e abertas em meio à floresta – que geram desmatamento pelo “efeito espinha de peixe”. Segundo dados levantados pelo Observatório BR-319, os municípios no entorno da rodovia concentraram 40% dos focos de calor registrados entre agosto e novembro deste ano no Amazonas, na chamada “temporada do fogo” no estado. Já em 2022, apenas os municípios no entorno da estrada concentraram 16% da área desmatada na Amazônia.

Uma nota técnica produzida pelo Instituto Socioambiental e pelo Observatório do Clima cita ilegalidades no texto original. De acordo com o documento, o parágrado único do artigo 2° – “independem de licença ambiental específica a atividades previstas neste artigo que já tenham a viabilidade ambiental atestada pelo órgão ambiental competente” – do projeto é inconstitucional, já que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera ilegal “a dispensa de licenciamento para atividades potencialmente impactantes”, citando julgamentos de casos no Ceará, em Santa Catarina e sobre uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Da mesma forma, a nota afirma que o artigo 3° – “os atos públicos de liberação e licenciamento de pequeno e médio potencial poluidor relacionados à rodovia BR-319-RO/AM deverão ser realizados por meio de procedimentos simplificados ou por adesão e compromisso, inclusive os serviços acessórios ou necessários à realização das obras da rodovia” – também é inconstitucional, já que seria legalmente impossível dividir o licenciamento em diversos processos separados e simplificados e, caso fosse possível, a simplificação no processo só é prevista para empreendimentos de baixo impacto ambiental – seguindo, também, jurisprudência do Supremo. “Além de impactos ambientais e sociais não prevenidos ou mitigados, a eventual aprovação do PL geraria intensa insegurança jurídica e financeira ao próprio empreendimento, podendo gerar mais problemas do que soluções”, conclui a nota.

Votações no plenário na noite de terça-feira (19). Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

No plenário, o relator Capitão Alberto Neto apresentou um substitutivo ao projeto – que passou a ser a redação final da matéria – cuja única mudança em relação ao texto original foi a exclusão do parágrafo único do artigo 2°. A alteração, porém, não foi suficiente para tornar o projeto mais aceitável do ponto de vista constitucional e ambiental. É essa a avaliação de Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e uma das autoras da nota técnica.

“Com a exclusão desse parágrafo o projeto até perdeu bastante força, mas ainda tem dispositivos que atrapalham o licenciamento ambiental, quando começam a falar em licenciamentos à parte de usinas de cimento e obras de terraplanagem. Isso, na verdade, deveria estar incluído no próprio licenciamento da BR”, explica a ex-presidente do Ibama. “Uma lei nacional não deveria se voltar a um empreendimento específico. Isso fere a separação entre os Poderes. É inconstitucional, porque o empreendimento é feito pelo Poder Executivo. O Congresso deve dar normas gerais, regras gerais”, argumenta.

Na avaliação de Suely, a intenção de se fazer um projeto tão específico é “empurrar na marra o licenciamento ambiental”, embora o trecho “mais absurdo” tenha sido retirado. No mesmo sentido, uma nota técnica divulgada pelo Ibama no dia da votação concluiu que o projeto visa “atropelar o rito do licenciamento ambiental, eliminado procedimento que busca assegurar que o empreendimento seja executado atendendo às normas legais vigentes, o que em última análise pode gerar impactos, muitas vezes, irreparáveis”.

Mas o projeto ainda tem outros “absurdos”, como explica Suely. O artigo 7°, por exemplo, prevê a utilização de recursos do Fundo Amazônia – não citado explicitamente, mas descrito em suas características – para o asfaltamento da rodovia. “Um Fundo que foi criado lá em 2009 para controlar o desmatamento financiaria a pavimentação de uma rodovia que vai impulsionar muito o desmatamento. Olha a contradição!”, reclama a ambientalista.

A aprovação, naturalmente, provocou reações distintas entre as diferentes partes interessadas. Logo após a votação, o relator Capitão Alberto Neto comemorou o resultado – “BR-319 já!”, exclamou o deputado em sua conta no X, antigo Twitter. Já Suely Araújo reforçou que “o lugar correto para esse projeto é o arquivo definitivo”, seja por obra do Senado ou de um veto presidencial. 

“Ficou até sem sentido. Ficou um texto enfraquecido. Esse texto vai ser usado politicamente pelas lideranças políticas da região para pressionar que essa licença saia logo. E leis não devem ter finalidades políticas tão escancaradas. As leis trazem diretrizes para as políticas públicas, diretrizes para o comportamento dos cidadãos, das empresas, regras, limitações. Fazer uma lei sem sentido para ser usada em campanha política está longe de ser a tarefa correta do Congresso Nacional”, frisou a ambientalista.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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Comentários 9

  1. É muito fácil para os “Ambientalistas de escritório” que vivem no ar condicionado e só viajam de Avião, se posicionar contra o Asfaltamento da #Rodovia319,pois quando precisam, pegam o Avião e vão se tratar em SP ou nos EUA.
    Hoje o IBAMA, conta com Satélites que podem monitorar toda BR 319 e tirar Fotos a cada duas horas, portanto é possível controlar qualquer atividade ilegal ao longo da Rodovia com enorme precisão.
    Garimpeiros e Madeireiros, não precisam de Rodovias Asfaltadas, pois eles entram pelos Rios ou chegam onde querem de Avião, quem precisa de Rodovia Asfaltada são os Motoristas que transitam pela Rodovia, levando alimentos e Remédios até Manaus e Roraima e principalmente os Moradores que moram ao longo da Rodovia e que estão há mais de 70 anos na região.


  2. Gilb Gcmlli diz:

    Essa gente que defende o isolamento da população do Norte é hipócrita, mas muito hipócrita, já que vive em seus apartamentos com ar condicionado, vivem viajando de avião e de Uber, despejando toneladas e mais toneladas de CO2 na atmosfera, e ficam postando baboseira na internet com seus IPhones, enquanto o povo lá de Manaus e região vivem no isolamento, sem ter um acesso digno ao restante do país. Provavelmente esses imbecis nunca pisaram na Amazônia e ficam aí defecando regra.
    Minha total solidariedade e apoio ao povo do Norte !!!


  3. Dr. Lúcio Viana diz:

    Só quem mora nessa região sabe o quanto isso é importante para a população. Ao contrário do que afirmou o nobre jornalista, o asfaltamento da BR 319 vai trazer desenvolvimento à região e vai inibir o desmatamento, até porque, vai facilitar a fiscalização.


    1. Emiliano diz:

      Sempre a papagaiada de trazer desenvolvimento. Isso é a maior falácia de todas. Essa estrada deveria ser fechada. Vai trazer pandemia, desmatameto e pobreza. Além de gravíssimos impactos ambientais.


    2. Vdd, no mundo inteiro áreas de Reservas ambientais tem Rodovias asfaltadas, porque só no AM isto tem que ser proibido?
      Toda a BR 174 no trecho entre Manaus e Boa Vista está Asfaltado, inclusive o trecho da Reserva Waimiri-Atroari e da mesma forma a BR 364 entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul, que corta várias reservas, está 100% asfaltada e isto nunca causou nenhum dano ambiental.
      A crise da COVID em 2020, mostrou a importância do Asfalto, pois enquanto milhares de pessoas, perdiam a vida em Manaus e em Roraima, os Caminhões com oxigênio que poderia salvar milhares de vidas, ficaram atolados no lamaçal da #BR319, gastando 11 dias em uma viagem que poderia ter sido feito em 8 horas.
      Fica a pergunta, quem vai ser responsabilizado pelas mortes ocorridas em Manaus por falta de oxigênio (Pela falta de asfalto na 319)?


  4. Gilmar diz:

    Na pandemia não tínhamos estradas para que pudesse chegar o oxigênio para a população de Manaus, nao podia vir de avião por conta do perigo da carga, já de navio era mais ou menos de 7 a 9 dias de transporte.

    O oxigênio em Manaus chegou pela BR 319, mesmo não sendo asfaltada, quase intrafegavel, mesmo assim foi a rota mais rápida para a chegada dos insumos.

    Tenho certeza que já é hora de termos a Br 319 pavimentada, não podemos ficar isolados do restante do Brasil, refém dos transportes aéreo e fluviais.

    Eu sou Amazonense e fico muito triste com os dados do IBGE sobre o nosso estado, nós sempre estamos nas piores colocações em tudo: saneamento básico, saúde, infraestrutura, educação, segurança.

    É hora de desenvolver o Amazonas, nós não aceitamos viver em 1500, (parados no tempo) colonizados por ONGs, governos, órgãos nacionais e internacionais.


    1. Verdade, o Povo de Roraima e Manaus, estava morrendo por falta de ar (Falta de oxigênio) e foi preciso o Governo da Venezuela mandar oxigênio ao Brasil, salvando milhares de vidas, enquanto os caminhões com oxigênio que saíram de Porto Velho, ficaram atolados 11 dias na #BR319.


  5. Gilmar Alves Pereira diz:

    A câmara passando a boiada. O fundo amazônico destinado a fomentar o desmatamento? melhor q não o tivesse.


    1. Meu caro, as mortes por COVID em 2020, causadas pela demora na chegada de oxigênio a Manaus, vão ser responsabilidade de quem?
      Você sabia que em plena pandemia os Caminhões com oxigênio que poderiam ter salvo milhares de vidas, gastaram 11 dias nos atoleiros da 319, em uma viagem que poderia ter sido feita em oito horas se a #BR319 estivesse 100% Asfaltada?
      Quantas mortes ainda vão ser necessárias pra que está Rodovia, que é a única ligação por Terra entre Manaus e Roraima com o resto do Brasil seja Asfaltada?
      Com a seca dos Rios Amazonas, Solimões e Rio Madeira, Manaus e o Estado de Roraima, vão ficar impedidos de receber alimentos, medicamentos e alimentos por via fluvial e vão depender 100% da Rodovia 319.