A Câmara Municipal de Cáceres (MT) aprovou o projeto de emenda à lei orgânica (PLO) que reconhece a natureza como portadora de direitos. Este é o primeiro município do Pantanal a adotar o entendimento, que até então já ocorreu em outras cinco cidades no País.
Situada em região limítrofe com a Bolívia, Cáceres é cortada pelo rio Paraguai, principal responsável pelas inundações do Pantanal. “Cáceres existe porque o rio existe. Não haveria nem a fundação da Vila Maria do Paraguai, que depois viria a ser a cidade de Cáceres, se não fosse pelo rio Paraguai”, diz o vereador Cézare Pastorello (PT-MT), autor do PLO nº 3/2023.
Como mostrou ((o))eco, o projeto foi protocolado em junho. Na segunda-feira (17), a proposta foi aprovada por um terço dos vereadores presentes, em primeiro e em segundo turno, tendo estes sido realizados em duas sessões espaçadas.
Pastorello enfatiza que a criação do gado solto se consolidou na cidade por conta da “generosidade” da natureza, enquanto esta ainda apresentava um ambiente equilibrado. Entretanto, a pressão dos grãos, das hidrelétricas e do funcionamento de uma hidrovia, que pode se consolidar no rio Paraguai com o licenciamento individual de portos, vem ameaçando esse equilíbrio de forma irreversível nos últimos anos, diz ele.
“As principais ameaças são a pressão da agricultura e seus agrotóxicos, o represamento das águas com as pequenas centrais hidrelétricas e o uso da hidrovia para o transporte de cargas. Para viabilizar o transporte, são feitas dragagens que aceleram a vazão do rio, consequentemente, reduzindo o nosso volume de água”, aponta o vereador.
O feito de Cáceres segue uma tendência internacional — iniciada por países como Equador e Bolívia —, que parte do princípio de que, assim como os seres humanos, a natureza tem direito à integridade. No País, o primeiro município a ter adotado o entendimento foi Bonito (PE), em 2018. Desde então, outros quatro já fizeram, de forma mais ou menos semelhante, o mesmo.
“O segundo é Paudalho (PE), uma região de pura Mata Atlântica, depois é Florianópolis (SC), que é uma das portas de entrada para o oceano, um bioma bem frágil, depois vem o município de Serro (MG), fazendo parte desse lugar que é reconhecido como patrimônio mundial, que é a Serra do Espinhaço. Aí veio Guajará-Mirim (RO), com o bioma da Floresta Amazônica, e agora Cáceres, com o Pantanal”, diz a pesquisadora Vanessa Hasson, que é membro especialista do programa Harmonia com a Natureza, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Na cidade pantaneira, a iniciativa partiu da sociedade civil organizada, preocupada com as ameaças que se avizinham do bioma. Pastorello contou com o apoio de comitês populares e do coletivo PesquisAção, que presta apoio técnico para movimentos populares no Pantanal.
“Agora nós temos mais liberdade para trabalhar e cobrar aquilo que está na Constituição do município”, diz o ribeirinho Isidoro Salomão, que coordena o Comitê Popular do Rio Paraguai, criado para proteger e conservar as águas deste que é o principal responsável pelas inundações do Pantanal.
O reconhecimento dos direitos da natureza premia o trabalho daqueles atuam em prol da conservação do meio ambiente no município e mostra, mais uma vez, a importância da sociedade civil organizada, que pressionou os vereadores pela aprovação da emenda, diz o ribeirinho.
“É mais fácil para nós [agora] chegarmos no dia do rio Paraguai, por exemplo, e falar para a prefeita, para os vereadores ‘olha, nós vamos fazer isso porque o nosso município prevê isso e vocês têm que nos ajudar porque é o dever de vocês”, completa Salomão.
A advogada do coletivo PesquisAção, Mariana Lacerda, que atuou como assessora jurídica dos comitês populares no processo de articulação e elaboração do projeto aprovado em Cáceres, destaca a construção e articulação popular. “Foram os comitês que levaram essa iniciativa até o Pastorello, que encabeçou isso dentro da Câmara”, comenta.
Doutora em Direito da Natureza, Hasson acredita que o caminho mais eficaz para o reconhecimento dos direitos da natureza parte das comunidades locais, “no nível municipal”. “É motivo de muita celebração quando mais um município vem agregar”, diz ela, que é fundadora da Mapas, organização que participou do processo de articulação política e assessoria técnica nos cinco municípios onde o processo já foi concluído.
Lacerda conta que, ao se reconhecer a titularidade de direitos da natureza, se eleva a um novo patamar a proteção destes direitos no município. “A gente não pode mais retroagir, não pode ter mais nenhuma lei dentro de Cáceres que preveja uma proteção menor que isso, sempre maior de agora em diante”, diz a advogada.
Como a Lei Orgânica equivale à “Constituição” do município, leis que possuem hierarquia menor terão que respeitá-la. “As normas contra os direitos da natureza dentro do sistema legislativo do município passam a não valer nesse sentido, nessas partes que dizem respeito a uma proteção menor do que a que se passa a definir agora”, explica Lacerda.
Este, defende, é um dos pontos que ela enxerga como mais positivo na aprovação do projeto. “De agora em diante, todas as leis redigidas, aprovadas, devem respeitar esse novo patamar de proteção da natureza”, conclui a advogada.
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