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Publicado originalmente por Fakebook.eco
Um artigo assinado por doze cientistas brasileiros, que será publicado na revista especializada Biological Conservation, desmonta “falsas controvérsias” produzidas por um grupo de pesquisadores liderado pelo engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Apontado como “guru ambiental” de Bolsonaro, Miranda liderou a equipe de transição do Ministério do Meio Ambiente entre os governos Temer e Bolsonaro, que maquinou o desmonte da pasta entregue a Ricardo Salles.
“Por três décadas, Miranda e seu grupo se opuseram sistematicamente ao consenso científico para contribuir com os movimentos políticos que visam adiar a ação ou desmantelar as principais políticas de conservação”, aponta o estudo.
Os autores destrincharam as táticas de desinformação usadas pelo “pequeno grupo de negacionistas”, que resultaram em “impactos graves para as políticas de conservação, principalmente relacionadas ao desmatamento e às mudanças climáticas”.
São elas: 1) produção deliberada de dúvidas sobre a ciência consensual com o objetivo de atrasar, impedir ou distorcer a implementação de políticas; 2) produção de versões alternativas de fatos e dados científicos em detrimento de evidência esmagadora em direção contrária; 3) uso da autoridade científica adquirida por meio da formação ou trabalho em instituições reconhecidas para promover falsas controvérsias; e 4) desconsideração da literatura científica: quando formuladores de falsas controvérsias ignoram os consensos científicos e passam a endereçar seus argumentos para políticos e o público com o objetivo de passar a impressão de que ainda há controvérsias científicas genuínas sobre o tema.
Miranda foi o responsável pela “contabilidade criativa” de várias “teses” usadas pelo governo para divulgar informações falsas sobre a questão ambiental. Entre elas, a de que o Brasil seria o país que mais preserva o meio ambiente no mundo, repetida pelo menos 29 vezes por Bolsonaro desde o início de seu mandato, segundo a agência Aos Fatos. Outra mentira é a de que o agronegócio nacional estaria impedido de crescer em razão do suposto excesso de áreas protegidas criadas no país desde o fim da ditadura militar.
A influência do engenheiro agrônomo no governo federal vem desde a gestão de José Sarney. Mas o estudo aponta que o auge de menções ao nome de Miranda nos sites do Congresso Nacional ocorreu em 2009, durante o governo Lula.
A denúncia contra Miranda e seus métodos, coordenada por Raoni Rajão (UFMG), é assinada por pesquisadores que estão entre os mais influentes do país na área ambiental, como os irmãos Carlos e Antonio Nobre (Inpe), Mercedes Bustamante (UnB), Gerd Sparovek (USP) e Britaldo Soares-Filho, também da UFMG.
Eles detalham impactos em pelo menos cinco temas:
CÓDIGO FLORESTAL
Falsa controvérsia: aplicação plena do Código Florestal de 1965 inviabilizaria produção na maior parte do país.
- Apenas 29% da área do país estaria disponível para uso agrícola em um cenário flexível;
- Agropecuária na Amazônia e Pantanal seria considerada ilegal em um cenário rígido.
Resultado:
- Aprovação do novo Código Florestal, em 2012, anistiou 58% do desmatamento ilegal pré-2008 e promoveu a volta do crescimento do desmatamento.
Fatos científicos:
- A área total de restrição do CF não impactaria significativamente a produção (Skorupa, 2003; Aquino and Oliveira, 2006; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2011; ABC, 2010).
- Desmatamento na Amazônia altera regimes de chuvas e impacta negativamente a produção agropecuária (Spera et al. 2020; Leite-Filho et al. 2021).
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MULTAS AMBIENTAIS
Falsa controvérsia: multas ambientais são arbitrariamente aplicadas
- Autuações seriam feitas remotamente, sem verificação em campo ou checagem de autorização junto ao produtor.
Resultado:
- Redução drástica do número de autuações por crimes ambientais ligados ao desmatamento durante o governo Bolsonaro (Vale et al. 2021).
Fatos científicos:
- Multas e embargos contribuíram para redução drástica do desmatamento entre 2005 e 2007 (Nepstad et al. 2014);
- A tecnologia de monitoramento remoto é usada, mas ações em campo têm papel central e são altamente eficazes para redução do desmatamento (Börner et al., 2014, 2015; Sousa 2016; Assunção and Rocha, 2019; Saraiva et al. 2020).
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TERRAS INDÍGENAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
Falsa controvérsia: demandas por demarcações e conservação excederiam o tamanho do território nacional
- O problema da falta de terra para agropecuária seria fruto das demandas ambientais, indígenas, quilombolas e de reforma agrária.
Resultados:
- Redução das demarcações e da criação de UCs a partir de 2010 e paralisação desde 2018;
- Propostas de mega infraestruturas e de liberação de mineração em áreas protegidas;
- Crescimento do desmatamento e de ataques violentos às terras indígenas e suas populações.
Fatos científicos:
- TIs estão entre as principais barreiras contra o desmatamento da Amazônia (Nepstad et al., 2006);
- A garantia do direito coletivo de propriedade aos povos indígenas diminui índices de desmatamento em seus territórios (Baragwanath e Bayi, 2020);
- Demarcação de TI reduz tanto emissões de carbono quanto desmatamento (Blackman e Veit, 2018).
- TIs suficientemente grandes são essenciais ao seu uso sustentável (Begotti e Peres, 2020);
- Densidade populacional de indígenas dentro das TIs demonstra uso efetivo do território (Begotti e Peres, 2020).
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QUEIMA DA CANA EM SÃO PAULO
Falsa controvérsia: queima da cana seria benéfica ao meio ambiente e não haveria indícios de danos à saúde causados pela fumaça.
Resultado:
- Ação do MPSP para parar a queima da cana foi negada em juízo no início dos anos 1990;
- Apenas em 2016 o Estado de São Paulo proibiu a queima da cana.
Fatos científicos:
- Fumaça da queima da cana aumenta hospitalização de crianças e idosos;
- Queima reduz a fertilidade do solo e causa erosão (Kirchhoff et al., 1991; Boeniger et al., 1991; Newman, 1986; Rothschild and Mulvey, 1982; Alessi and Navarro, 1997; Delgado, 1985; Urquiaga et al., 1991).
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INCÊNDIOS
Falsa controvérsia: A maioria dos focos registrados em julho de 2021 na América do Sul foi de queimadas em sistemas de produção pouco tecnificados.
- Não foram incêndios criminosos, mas queimadas usadas como tecnologia agrícola.
- A fiscalização e a sanção não são a solução.
Resultados:
- Desmantelamento das políticas de controle do desmatamento e do fogo;
- “Guerra narrativa”: ciências ambientais retratadas como entrave ao desenvolvimento.
Fatos científicos:
- Em julho de 2021, apenas 39% dos focos de incêndio estavam em áreas de uso agrícola consolidadas; 48% foram registrados em áreas desmatadas após 2017 (INPE, 2021).
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Os cientistas terminam o artigo com recomendações sobre como criar antídotos para o negacionismo. Eles reconhecem que a comunidade científica “não está bem-preparada” para lidar com estratégias como a de Miranda e que precisa fazer um esforço maior para se comunicar com a sociedade.
“O entendimento público da ciência poderia potencialmente evitar que se tomasse como fato controvérsias científicas falsas colocadas por grupos de interesse às expensas do bem da sociedade, do desenvolvimento sustentável e da conservação ambiental”, escrevem Rajão e colegas.
Evaristo de Miranda é um freguês antigo do Fakebook.eco. Em mais de uma ocasião este site examinou algumas de suas teses, como a de que a proteção ambiental tira espaço do agronegócio, a de que o boi é o “bombeiro do Pantanal” e a de que em 2021 não houve incêndios florestais, apenas queimas agrícolas.
Mirada e a Embrapa Territorial – unidade que ele criou em 1989 e que chefiou nos últimos seis anos, até o início deste mês – foram procurados para comentar o novo estudo, mas responderam em nota conjunta que “não se pronunciarão a respeito do assunto”.
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