Em entrevista exclusiva ao ((o))eco, Guilherme Boulos (PSOL) fala sobre a transversalidade da temática ambiental em suas propostas de campanha a deputado federal por São Paulo e explica políticas que correlacionam, de forma emergencial e efetiva, a conservação do meio ambiente e o combate à fome, com foco na alimentação advinda da agricultura familiar e agroecológica.
Filósofo e psicanalista, Boulos é líder desde 2002 do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e tornou-se nacionalmente conhecido em 2018 ao disputar as eleições para a presidência da República. Sua atuação na liderança de um dos movimentos sociais mais importantes da América Latina o transformou em uma voz reconhecida pelo enfrentamento às desigualdades.
Nas eleições municipais de 2020, suas propostas o levaram a disputar o segundo turno, quando foi derrotado por Bruno Covas (PSDB). Foi, porém, uma demonstração de sua força política, capaz de colocar em risco a hegemonia do Partido da Social Democracia Brasileira na capital paulista.
Além de candidato ao Congresso, Boulos é também o coordenador de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no estado de São Paulo. Confira suas propostas e percepções sobre o avanço de uma agenda ambiental efetivamente sustentável no país.
((o))eco – Nas suas propostas de campanha como deputado federal o meio ambiente não é apresentado como um eixo específico, mas está amplamente descrito dentro do eixo voltado ao combate à fome. Por que essa escolha?
Guilherme Boulos – Quando fomos debater o programa, nós entendemos que o meio ambiente era uma temática transversal associada amplamente ao combate à fome, mas também aliada a outras pautas como planejamento territorial, moradia, emprego e renda e desenvolvimento econômico. Entendendo aí que o desenvolvimento econômico precisa se dar a partir de uma outra abordagem, que envolva a transição energética, a mudança nos modais de transporte, o desmatamento zero. Passa também pela necessidade de o Brasil deixar esse lugar de ter uma economia baseada em produtos primários, com esse olhar para o país como a fazenda do mundo, com a expansão agrícola sobre a Amazônia e outros biomas, com o agronegócio predatório. A questão da moradia, além das políticas voltadas para a inclusão das populações sem teto, se relaciona com a segregação das cidades por causa das grandes distâncias percorridas por grande parte da população diariamente entre casa e trabalho. Aí entra também o transporte. Nossa intenção é utilizar referências internacionais, como a de Paris, onde se estimula que esse percurso seja de no máximo 15 minutos – um ideal para o que chamamos de mobilidade verde, que incentiva o uso de bicicletas e, assim, diminui as emissões de carbono.
nós precisamos construir uma bancada popular e progressista que seja a mais forte desde a redemocratização.
Guilherme Boulos
Mas, a nossa prioridade foi mesmo a fome, porque esse é o problema mais emergencial do Brasil. Quem tem fome tem pressa absoluta. Não dá para esperar um plano de desenvolvimento de médio prazo. As pessoas precisam comer todos os dias e, por isso, considero a fome uma pauta ambiental que não pode esperar. Primeiro, nós já atuamos com um projeto piloto de cozinhas solidárias junto ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) que chegou a 1 milhão de refeições servidas em todo o país. Juntamos uma equipe que contou com economistas, ambientalistas e especialistas em segurança alimentar para levar ao Lula um plano emergencial, já que 33 milhões de pessoas passam fome hoje no Brasil. Nossas cozinhas solidárias já recebem alimentos da produção agroecológica e da agricultura familiar a partir de uma parceria que temos com o MPA (Movimento dos Produtores Agrícolas). Imagina se o governo federal cria uma política pública de combate à fome que inclua a expansão das cozinhas solidárias e a compra em massa de alimentos provenientes da agroecologia e da agricultura orgânica familiar. Esse é um plano que por um lado combate a fome com a urgência necessária e, de outro, fortalece a mudança de modelo de produção de alimentos em prol do meio ambiente, gerando, ainda, emprego e renda.
Se eleito, como você pretende atuar no Congresso, diante de poderes já tão instituídos? Como você percebe o meio ambiente nesse contexto?
Eu acho que nós precisamos construir uma bancada popular e progressista que seja a mais forte desde a redemocratização. Hoje nós temos as bancadas corporativistas – a bancada ruralista, da bala, dos empresários, das empreiteiras, dos bancos – e elas quase se confundem no Centrão. Como têm essa ligação com os financiadores de campanha, visam garantir os seus negócios e são majoritárias. Por mais que tenha a bancada de esquerda ali no grito fazendo oposição, eles têm maioria e por isso passaram a boiada, aprovaram o pacote do veneno, aumentando a quantidade de agrotóxicos usados no país. É uma correlação de forças desfavoráveis. Eu quero ajudar a construir um contraponto a essas bancadas, levando as nossas pautas. Eu sinto essa eleição diferente da eleição passada, acho que o Bolsonarismo não tem aquela força mais. Nós podemos construir uma bancada que tenha força de combatividade contra interesses espúrios do agronegócio predatório, da mineração predatória e de uma visão equivocada de desenvolvimento.
Em 2018, quando candidato à presidência, você se declarou frontalmente contra o conceito de economia verde, por acreditar que seria impossível seguir com uma pauta ambiental atrelada ao sistema capitalista. Em 2022 essa é uma das principais bandeiras de campanha dos candidatos à presidência, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que você apoia. Você mudou de ideia? Como avalia essa questão hoje?
Eu acho positivo que a pauta ambiental e das mudanças climáticas tenha se tornado tão incontornável e que os setores que contribuíram para agravar esse cenário tenham que colocá-la em suas agendas. Mostra uma vitória das nossas preocupações, de modo que os setores econômicos que nos colocaram nesse caos agora também precisam se preocupar com o meio ambiente. É interessante ver a Europa ameaçando não importar produtos provenientes do desmatamento na Amazônia, por exemplo.Mas não é suficiente. Não vai existir uma transição para um modelo econômico efetivamente sustentável apenas com pequenos gestos. Uma mudança real para conter as mudanças climáticas vai exigir a transição energética e a substituição dos combustíveis fósseis, o que significa, basicamente, enfrentar a indústria do petróleo. Mas é necessário fazer um plano para compatibilizar essa transição com um processo que contemple os empregos que serão perdidos e traga compensações, aumentando a tributação sobre petróleo e conscientizando as bilhões de pessoas que ainda dependem dos combustíveis fósseis para as suas atividades de transporte em todo o mundo. Esses debates são essenciais. Eu acho positivo que a chamada agenda verde tenha ganhado hegemonia a ponto de forçar uma preocupação global, mas seguirá sendo insuficiente se não entrar em conflito com os interesses com uma parte do mercado mundial.
Localmente, quais são as políticas que você avalia serem importantes para lidar com a crise hídrica no estado de São Paulo?
Uma disputa importante que tem a ver com essa questão é a possibilidade de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), baseada nessa falácia difundida pelo mercado de que a privatização melhora a qualidade dos serviços, enquanto nós sabemos que isso está longe de ser uma verdade absoluta. Existem dois pontos dessa questão, tanto no que se refere ao abastecimento quanto às inundações resultantes do excesso de chuvas. Algo que tem a ver com o meio ambiente é o tratamento de esgoto e o que defendo são as pequenas estações de tratamento. Atualmente o que temos são grandes estações de tratamento, o que torna o processo mais lento e mais caro, por conta de todas as interligações de rede necessárias – e ainda favorece a corrupção, já que são obras realizadas por grandes empreiteiras. Esse processo, se descentralizado, pode utilizar tecnologias mais sustentáveis ambientalmente, são obras mais rápidas, é possível fazer uma por bairro e isso, para o tratamento de esgoto, é essencial. A segunda questão são as áreas permeáveis, a perspectiva de drenagem das grandes cidades, já que da mesma forma que a seca, a cheia também atinge principalmente as populações mais pobres. Todo início de ano nós temos a tragédia anunciada de inundações e deslizamentos. O que nós defendemos são pequenas obras de drenagem nos morros como forma de evitar os deslizamentos e, as áreas urbanizadas, que o asfalto possa dar lugar quando possível a blocos de encaixe, que facilitam a absorção da água pelo solo. Essas são medidas que articulam meio ambiente, saneamento e qualidade de vida nas cidades.
O seu partido, o PSOL, é um dos que mais apoiam as candidaturas indígenas nestas eleições – quando concorreu à presidência você teve uma indígena, Sônia Guajajara, como candidata a vice. Qual a importância da presença de representantes dos povos originários na política?
A Sônia Guajajara é uma grande companheira de jornada política e também uma amiga. Eu acho que seria muito importante ter alguém como ela no Congresso – também como Célia Xakriabá e outras representações indígenas. Eu acredito que isso seria importante não apenas para São Paulo, para os outros estados que podem se beneficiar com essas candidaturas, ou para só para o movimento idígena. Ter mais indígenas nas posições de poder político significa uma ampliação para o debate nesses espaços, sobretudo o debate ambiental, e é com certeza muito benéfico para o país.
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