Um grupo internacional de cientistas confirmou, nesta segunda-feira (3), o que a população do Rio Grande do Sul vem sentindo na pele desde o final de abril: o fenômeno do El Niño, potencializado pelas mudanças provocadas pelos homens no clima da terra, aumentaram a frequência e a intensidade do evento climático registrado no estado.
Segundo o estudo – conduzido por 13 pesquisadores de cinco países – somente as mudanças climáticas tornaram as chuvas torrenciais registradas no Rio Grande do Sul duas vezes mais prováveis e cerca de 9% mais intensas, quando comparado com um cenário de menos carbono na atmosfera.
O grupo também avaliou que o El Niño, neste cenário de mudanças climáticas, aumentou a probabilidade do evento em até 5 vezes e tornou as chuvas até 10% mais intensas.
Para se ter uma ideia da força das chuvas, em 1941, quando também uma enchente histórica, o nível do rio Guaíba demorou 22 dias para chegar a 4,76 metros, que foi o máximo registrado. Em 2024, em cinco dias o nível do rio excedeu 5 metros.
“O clima no Brasil já mudou, como revelado por estudos recentes do INPE. Este estudo de atribuição confirma que as atividades humanas contribuíram para eventos extremos mais intensos e frequentes, destacando a vulnerabilidade do país às mudanças climáticas. É essencial que os tomadores de decisão e a sociedade reconheçam essa nova normalidade”, disse Lincon Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), participante do estudo de atribuição divulgado nesta segunda-feira.
Falta de estrutura e investimento
A análise de atribuição rápida, como é chamado o trabalho, também concluiu que grande parte dos danos foi causada pela falha de infraestrutura, que não conseguiu conter a precipitação acumulada, associada à falta de cobertura vegetal e intensa urbanização.
“A falta de um evento de inundação extrema significativa [nas últimas décadas], em Porto Alegre, levou a um investimento reduzido e falta de manutenção de seu sistema de proteção contra enchentes, com o sistema relativamente começando a falhar com 4.5 m de inundação, apesar de sua capacidade declarada de resistir à água até 6m”, diz trecho do trabalho.
Segundo os pesquisadores participantes, isso aponta para a necessidade de avaliar objetivamente o risco e fortalecer a infraestrutura de inundação para ser resiliente a esta e futuras, talvez ainda mais extremas, indicações.
“O assustador sobre essas enchentes é que elas mostram que o mundo precisa estar preparado para eventos tão extremos que são diferentes de tudo que já vimos antes. Implementar políticas que tornem as pessoas menos vulneráveis, aumentar a proteção contra enchentes e restaurar ecossistemas naturais para amortecer o impacto de chuvas intensas são algumas maneiras pelas quais os governos podem evitar mortes humanas e limitar os danos desses eventos”, diz Maja Vahlberg, consultora de risco climático no Centro de Clima da Cruz Vermelha.
O World Weather Attribution, organização responsável pela análise, é uma colaboração internacional que analisa e comunica a possível influência das mudanças climáticas em eventos climáticos extremos, como tempestades, chuvas intensas, ondas de calor e secas. O trabalho sobre o Rio Grande do Sul contou com pesquisadores e agências meteorológicas do Brasil, Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.
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