O Comando Nacional de Greve da Carreira Ambiental Federal divulgou uma carta aberta, datada desta segunda (15), expressando “revolta e decepção” com o governo federal devido à “morosidade em negociar” e pelo “tratamento desrespeitoso” com a categoria. Em busca de uma reestruturação da carreira, os servidores estão em greve em 24 estados desde o início do mês, mas uma decisão judicial em ação movida pela Advocacia-Geral da União (AGU) obrigou o retorno dos servidores em áreas consideradas “essenciais”.
Na ação, em que a AGU representa o Ibama e o ICMBio, o governo pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a decretação da ilegalidade da greve e o retorno dos servidores. Em plantão, o vice-presidente do tribunal, o ministro Og Fernandes, aceitou parcialmente o pedido, determinando a volta de 100% dos servidores nas áreas de licenciamento ambiental e gestão de Unidades de Conservação, sob pena de multa diária de R$ 200 mil reais, a três sindicatos representativos da categoria. A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e PECMA (ASCEMA Nacional) acatou a decisão, mas criticou o “comportamento vergonhoso” dos presidentes das autarquias ambientais.
A carta aberta escancara as tensões entre os servidores ambientais e o governo, na semana em que os sindicatos réus na ação contra a greve – ASCEMA Nacional, Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CONDSEF) e o Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep-DF) – deverão definir, em reunião marcada para amanhã (17) e em conjunto com o Ibama e o ICMBio, quais serão os serviços considerados essenciais durante a greve.
A reunião entre as partes foi definida durante audiência de conciliação realizada na última quinta (11), no STJ. Segundo despacho do ministro Og Fernandes, as partes se manifestarão sobre essa e “outras discussões” nos autos, após as definições. De acordo com a CONDSEF, “as assessorias jurídicas das entidades sugeriram, inclusive, chamar o MGI [Ministério da Gestão] para que também possa compor esse diálogo”.
Segundo comunicado da ASCEMA Nacional no início da greve, os servidores consideraram como essenciais as atividades de fiscalização ambiental, licenciamento e gestão socioambiental, com efetivo parcial e atendimento a “demandas emergenciais”, além de manejo de fauna, controle e prevenção de incêndios e emergências ambientais, todas essas com atendimento de 100% das demandas. Depois da decisão, 5 das 6 áreas funcionam com atendimento total – a exceção é a fiscalização ambiental.
Críticas
Na carta aberta recém divulgada, o Comando de Greve – composto por representantes da ASCEMA Nacional e das entidades estaduais – apontou uma mudança de postura do governo em relação à área ambiental. O tratamento dado aos servidores foi inesperado, diz o documento, “considerando a importância dada às políticas públicas ambientais durante a campanha eleitoral e primeiro ano de mandato do governo atual, no qual nossa categoria forneceu alguns dos melhores resultados de governo, apesar da falta de condições”.
A organização do movimento grevista lembrou ainda de quando o presidente Lula declarou, em abril, que “ninguém seria punido por fazer greve” e que esse era um “direito legítimo” – pouco mais de 2 meses depois, o governo ingressaria com a ação judicial contra a greve dos servidores ambientais. “Uma ingrata surpresa para todas as servidoras e servidores da carreira, cuja pauta de mobilização vai muito além da questão remuneratória, mas visa a reestruturação da carreira para assegurar a viabilidade da execução das políticas públicas ambientais e por consequência, climáticas”, narra a carta, criticando ainda a “violência remuneratória” feita com o corte do salário dos servidores grevistas.
“Ao mesmo tempo em que a ministra [da Gestão] Esther Dweck vem, reiteradamente afirmando que trabalha para diminuir as desigualdades no serviço público, algumas das categorias já consideradas da elite do poder executivo vêm sendo beneficiadas nas negociações”, diz a carta, citando “vantajosos aumentos”, como as polícias Federal e Rodoviária Federal, assim como os agentes penitenciários e auditores da Receita Federal – que receberam, respectivamente, 77% de aumento e R$ 11 mil de bônus de eficiência. Apenas o bônus da Receita “supera o valor que um analista ambiental com doutorado recebe em início de carreira e é quase o dobro que um técnico, com doutorado, conseguirá no final da carreira”, aponta o Comando de Greve.
“Ora, se atualmente os órgãos ambientais perdem até 30% de novos servidores concursados para outras carreiras, como se pretende suprir o déficit de servidores com salários mais baixos, precárias condições de trabalho e concursos com não mais do que 10% das vagas necessárias?”, critica a nota. Como mostramos este mês, concursos anunciados pelo Ministério da Gestão na área ambiental somam 460 vagas – o total solicitado pelo Ministério do Meio Ambiente para Ibama, ICMBio e Jardim Botânico do Rio de Janeiro, porém, era de 5.633 vagas.
A nota critica ainda a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Segundo o Comando de Greve, Marina “parece alheia às nossas dificuldades e lutas travadas por condições dignas de trabalho”. “Sua fama de guardiã da floresta em publicações de renome internacional não condiz com a de representante daquelas e daqueles que estamos em campo, guardando as florestas, campos, manguezais e demais ecossistemas fundamentais ao enfrentamento da crise climática”, expõe a nota.
A carta prossegue afirmando que, embora o Orçamento Geral da União de 2023 fosse o dobro do de nove anos atrás, a parcela destinada à gestão ambiental não teve correção, passando de 0,16% do orçamento para 0,08%. Isso mostra, segundo a carta, que a prioridade orçamentária não mudou em relação aos últimos anos – “apesar do combate aos ilícitos ambientais terem sido alavancados no ano de 2023”. “O Governo Lula 3.0, não tem se diferenciado em nada ao prestigiar, no Orçamento Geral da União (OGU), o pagamento de juros e Amortizações da Dívida em detrimento da Gestão Ambiental Federal”, criticam os grevistas.
“A situação mais dramática é a proibição dos servidores do Licenciamento Ambiental Federal (LAF) de fazerem greve com a sentença liminar determinando o retorno desses servidores em 100%, o que nem em tempos normais é possível. Tal sentença, sem precedentes para qualquer categoria, além de impedir o avanço na reestruturação de nossa carreira, gera um grave precedente, com riscos sobre o direito fundamental de greve para todas as categorias do serviço público”, argumenta a carta. “Os setores ligados ao LAF perderam 25% da força de trabalho, entre 2010 e 2024, enquanto o número de processos de licenciamento ambiental ativos saltou de 791 processos em 2010 para 3859 em 2024”, enumeram os servidores.
Caminho até a greve
As negociações com o governo começaram ainda em outubro do ano passado, mas caminhavam a passos lentos – o que levou a categoria a iniciar, em janeiro, uma mobilização pelas reivindicações, paralisando trabalhos externos, como fiscalizações e licenciamentos. Após diversas reuniões de negociação, o Ministério da Gestão – responsável pelas demandas trabalhistas com o governo federal – recusou a última contraproposta da categoria, em junho, retomou uma proposta anterior, que já havia sido recusada, e avisou que havia chegado ao limite, encerrando as negociações.
Com isso, os servidores votaram pela greve em assembleias realizadas pelas entidades filiadas à ASCEMA Nacional nos estados e no Ministério do Meio Ambiente. Segundo a entidade nacional, entraram em greve os servidores do ministério – organizados na Associação de Servidores do Ministério do Meio Ambiente (ASSEMMA) –, de 23 estados e do Distrito Federal.
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Ótima reportagem, parabéns pelo trabalho realizado.
Os governos não são apenas reféns do legislativo, mas primeiro são reféns do capitalismo. Só que ninguém ainda se deu conta que o modelo de civilização que nos foram impostos são insustentáveis. E porque gravamos isto? Em primeiro lugar não existe crescimento infinito! Em segundo lugar o modo de produção e exploração ! É claro que isto não pode dar certo mais tempo. Prédios abandonados, novos prédios não habitados, etc.