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Em conservação, tamanho é mesmo documento

Estudo de pesquisadores internacionais aponta que grandes frações florestais são melhores refúgios para a biodiversidade

Aldem Bourscheit ·
27 de março de 2025

Um time internacional de cientistas aponta caminhos para reforçar a conservação da biodiversidade após resolver um dilema que se arrastava por décadas. Também constataram que a fragmentação prejudica serviços ecossistêmicos e a luta contra a crise climática planetária.

O modelo agropecuário e a legislação florestal converteram grande parte do território brasileiro numa colcha de retalhos, alternando lavouras, pastos e manchas isoladas de vegetação nativa. Mesmo nas margens de rios e de nascentes, essa inúmeras vezes foi dilapidada.

Diante dessa caótica paisagem, cientistas se perguntavam se a vida selvagem teria mais chances em mais fragmentos menores ou em menos parcelas maiores de florestas e outras formações naturais. Quem pensou na segunda opção levou a melhor, mas a resposta veio após muito esforço.

Pesquisadores do Brasil, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Austrália, Suíça, México e Estados Unidos precisaram analisar 4.006 espécies de vertebrados, invertebrados e plantas em 37 pontos do mundo para comparar as diferenças de biodiversidade entre paisagens contínuas e desestruturadas. 

Publicado na revista Nature, o estudo mostra que as paisagens fragmentadas tinham mais espécies generalistas – que podem sobreviver em ambientes variados -, 13,6% menos espécies quando pesados os fragmentos e 12,1% menos espécies quando observadas as paisagens. 

Para concluir isso, os cientistas olharam para as diversidades “alfa, beta e gama” de cada região analisada. A primeira e a segunda se referem respectivamente ao número e à composição de espécies em manchas de vegetação, enquanto a última trata da biodiversidade numa paisagem toda.

“Pense em fragmentos de florestas que você encontra ao dirigir entre plantações agrícolas”, pede Nate Sanders, um dos autores do estudo e professor de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Michigan (Estados Unidos). 

“Cada fragmento pode conter um punhado de espécies de pássaros (diversidade alfa), mas cada fragmento terá espécies diferentes de pássaros em comparação com o fragmento anterior (beta). A biodiversidade da paisagem toda com os fragmentos, ou mesmo de uma floresta contínua, é a diversidade gama”, descreve.

Conforme seus autores, o pulo do gato do estudo foi melhor comparar paisagens fragmentadas a florestas grandes e contínuas. Isso não teria ocorrido em investigações prévias, que focaram em apenas um componente da diversidade ou pesaram florestas contínuas com dezenas de fragmentos. 

Assim, descobriram que a fragmentação diminuiu o número de espécies em todos os grupos de seres vivos, mas que o aumento na diversidade nos fragmentos não compensou a perda de diversidade de espécies nas paisagens. Ou seja, a biodiversidade realmente perde na desestruturação dos ambientes.

A fragmentação da vegetação natural prejudica a conservação da biodiversidade e a manutenção de serviços ecossistêmicos e estoques de Carbono. Foto: Harikrishnan S / Creative Commons

Serviços prejudicados

“Além da menor biodiversidade, a perda e a fragmentação do hábitat têm impactos extremamente negativos para a prestação de serviços ecossistêmicos”, acrescenta o engenheiro-agrônomo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e co-autor do artigo.

Ele argumenta que, nos fragmentos florestais menores, o efeito de borda – alteração nas condições ambientais e ecológicas que ocorre na transição entre um ecossistema e áreas vizinhas – minimiza o potencial de biodiversidade, na medida em que leva à proliferação de plantas adaptadas à perturbação, consequentemente favorecendo uma homogeneização biológica.

Tabarelli atua na conservação e ecologia de plantas ao norte do rio São Francisco, na região Nordeste do país, e observa uma redução significativa de vários grupos ecológicos em função da descontinuidade da floresta e perda de habitat na Mata Atlântica. 

“Estudo árvores grandes que crescem no topo da floresta, onde há mais luz. Elas dependem de polinizadores e dispersores específicos para se reproduzir, mas esses animais muitas vezes desaparecem em áreas muito desmatadas, dificultando a sobrevivência dessas árvores em paisagens fragmentadas”.

Já o líder da pesquisa, o brasileiro Thiago Gonçalves-Souza, também vinculado à Universidade de Michigan, lembra que a fragmentação também prejudica a capacidade das paisagens de contribuir com os esforços contra a crise climática global.

“Estamos perdendo a capacidade de armazenar mais Carbono em paisagens fragmentadas”, ressalta o pesquisador. Quando liberado, esse gás amplia o efeito estufa, contribuindo para aumentar a temperatura média planetária.

Benefícios à biodiversidade precisam ser mais lembrados na recuperação florestal, ainda focada em produzir madeira ou capturar Carbono. Foto: Lucas Ninno/Diálogo Chino/Projeto Colabora/Creative Commons

Necessária restauração

Diante disso tudo, Gonçalves-Souza espera que o estudo vire a página do debate sobre conservação entre paisagens contínuas versus fragmentadas e promova avanços na restauração da vegetação nativa. 

“Não há muitas florestas grandes e intactas restantes em inúmeros países. Portanto, o foco deve ser em plantar florestas e restaurar habitats cada vez mais degradados. A restauração é crucial para o futuro, mais do que debater se é melhor ter uma grande floresta ou muitos fragmentos menores”, conclui.

Diante disso, os autores do estudo ponderam que os benefícios para a biodiversidade precisam ser mais lembrados na recuperação florestal, ainda focada em questões mais diretamente lucrativas, como produzir madeira ou capturar Carbono.

Para mudar essa lógica, o artigo na Nature sugere pontos como integrar conservação e recuperação da biodiversidade em políticas e ações públicas, pesar condições locais e ampliar a diversidade de espécies na restauração, alinhar políticas climáticas e de conservação e manter aberta a torneira dos financiamentos para essas iniciativas.

Com informações dos autores do estudo Species turnover does not rescue biodiversity in fragmented landscapes, da revista Pesquisa Fapesp e do diretor-executivo do Centro de Pesquisas Itaqui – Carbono Florestal Pesquisa e Conservação, Sandro Paulino de Faria.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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