A barragem de rejeitos da mina de Córrego do Feijão, uma lavra a céu aberto de minério de ferro da Vale, estava desativada há três anos antes de romper no fim da manhã de sexta-feira (25). O plano era que a barragem fosse eliminada. Contudo, essa desativação estaria atrelado ao aumento da produção de outras minas, colocando a região sob um risco ainda maior. Infelizmente, a intenção de desativar a barragem veio tarde demais.
A barragem rompida se localiza na zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral de quatro mil hectares situada entre as cidades de Belo Horizonte, Nova Lima, Ibirité e Brumadinho. O Parque foi criado em 1994 com o objetivo de proteger seis mananciais (Taboão, Rola-Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina) que abastecem 40% da Região Metropolitana de Belo Horizonte, fornecendo água a cerca de dois milhões de pessoas.
No final de novembro de 2018, o Conselho Gestor do Parque Estadual do Rola Moça, paritário e de caráter consultivo e não deliberativo, foi consultado sobre a continuidade do processo de licenciamento ambiental que abria a possibilidade de mineração na zona de amortecimento do Parque. Dez dos 22 conselheiros votaram pela continuidade das atividades da mina de Córrego do Feijão, que se encontrava desativada, juntamente com a eliminação da barragem de rejeitos. Houve três votos contrários e uma abstenção.
A etapa seguinte a ser cumprida pela empresa Vale para reativação da mina no âmbito do licenciamento ambiental seria a aprovação pelo Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam). No último dia 11 de dezembro, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Copam colocou em pauta o pedido de licenciamento da Vale. O pedido abordava a expansão das atividades da mina do Córrego do Feijão; colocação do rejeito em cava sem necessidade de construção de barramento; reaproveitamento de bens minerais dispostos em barragem e instalação de um minerioduto. Por oito votos a um e uma abstenção, o conselho aprovou as licenças prévia, de instalação e de operação.
Inconsistências no licenciamento
Entidades de proteção ambiental e moradores da região protestaram contra a expansão da mineração, que aumentaria em 88% sua capacidade de extração de minério até o ano de 2032. O Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc) constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento. Para começar, ele sequer seguiu os ritos tradicionais: em vez de ter as licenças prévia, de instalação e de operação (modelo LAT ou trifásico), a Vale conseguiu a chamada licença LAC1, por meio de uma deliberação do Governo mineiro que garante que empreendimentos de mineração de grande porte, antes de classe 6, fossem enquadrados como de classe 4, que tem um procedimento bem mais simples. Além de ter o seu impacto minimizado, o pedido da mineradora tinha problemas técnicos como, por exemplo, o fato de o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado em audiência pública não conter a correta delimitação da Área de Influência Direta (AID) da área. A ampliação do empreendimento previa, ainda, a supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP) considerada pelo Governo do Estado como área prioritária para conservação da biodiversidade, situada na zona de amortecimento do Parque do Rola Moça.
Em parecer, o Fonasc concluiu que “a ampliação e continuidade até 2032 das minas Jangada e Feijão, que eram Classe 6 quando da DN 74/2003, com incremento de 88% (oitenta e oito por cento) na produção, é considerada hoje Classe 4 pela DN 217/2017, o que não tem qualquer fundamento e beira a insanidade, ainda mais se considerarmos que já é um grande complexo minerário com anos de operação e impacto cumulativo na região” e pediu a retirada do pedido de licenciamento da Vale de pauta, por não estar bem instruído. A solicitação não foi acatada.
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