Reportagens

Falta de transparência da Vale coloca em risco recuperação do rio Paraopeba

Passados cinco anos da tragédia de Brumadinho, rio ainda mantém altos índices de contaminação. Moradores reclamam da contínua falta de comunicação com mineradora

Cristiane Prizibisczki ·
8 de fevereiro de 2024

Na segunda semana de março de 2019, os moradores da cidade de Pompéu, Minas Gerais, estavam apreensivos. Os rejeitos de lama decorrentes do rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, no final de janeiro daquele ano, começavam a chegar ao trecho do Paraopeba  que margeia a cidade, mudando não só a paisagem local, mas a vida de seus moradores.

Passados cinco anos do rompimento da barragem de rejeitos da Vale, que causou 272 mortes e danos ambientais não claramente mensurados, as águas do Paraopeba ainda apresentam altos índices de contaminação. Mas os moradores de Pompéu, e dos outros 25 municípios atingidos pelo acidente, não sabem dizer com clareza o quão contaminada a água deste afluente do Rio São Francisco está. 

A falta de informações sobre a qualidade da água é uma realidade crônica para ribeirinhos e moradores dos arredores do rio Paraopeba. Há meia década eles convivem com a insegurança. 

À época do acidente, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Butantan identificaram que os níveis de alumínio no rio estavam 1.000 vezes mais altos do que o considerado seguro pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e os de ferro, 100 vezes.

A análise independente também identificou que o nível de mercúrio – que não fazia parte dos rejeitos rompidos, mas era proveniente de outras atividades minerárias – estava 720 vezes mais alto do que o recomendado. O rompimento provocou alterações nos níveis de manganês, ferro total e ferro dissolvido, alumínio, chumbo e mercúrio, além dos níveis de turbidez e oxigenação da água.

Desde fevereiro de 2021, o responsável por medir os níveis de contaminação do Paraopeba é a própria Vale, segundo acordo de reparação firmado entre a empresa, os Ministérios Públicos Estadual e Federal, a Defensoria Pública de Minas Gerais e o Governo mineiro. Mas as informações não chegam à população da forma como eles gostariam.

“Nunca nos é passado nada. Até o presente momento, a única coisa que foi passada foi a placa que eles [Vale] colocaram falando que não podia nadar, não podia pescar […]. Nós questionamos, mas o que acontece é que eles escorregam que nem quiabo”, diz Lionete Feitosa, liderança da região do Recanto do Laranjo, em Pompéu.

Os ribeirinhos podem voltar a pescar? Podem nadar nas águas do rio? Podem dar a água para que seus animais bebam? Podem consumi-la para atividades domésticas? Essas são algumas das questões que são feitas com frequência, sem que haja resposta.

Rio ainda poluído

Segundo análise do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), em outubro de 2023 – data da última medição do órgão – dos 17 pontos monitorados no rio, 12 apresentaram pelo menos um parâmetro de qualidade desconforme, com violações em relação ao que estabelece a lei.

De acordo com o órgão, o Paraopeba ainda apresenta altos índices de alumínio, manganês, ferro total e ferro dissolvido.

Placa instalada em 2019 pela Vale, em diferentes pontos do rio Paraopeba. Moradores reclaram que essa foi a única comunicação efetiva feita pela mineradora sobre qualidade da água. Segundo o Igam, o rio ainda continua imprório. Foto: Instituto Guacuy.

Procurada, a Vale informou que monitora cerca de 80 pontos do rio Paraopeba e que os resultados são reportados semanalmente ao poder público. Em nota, a empresa disse também que mantém uma página com as principais informações sobre o monitoramento da qualidade de água do rio. “Qualquer pessoa pode acessar dados técnicos, gráficos, mapas, relatórios e notas técnicas que relatam a qualidade das águas, além de links para sites de outras instituições que também monitoram o rio, como o próprio Igam. Todos os conteúdos estão disponíveis no portal: vale.com/reparacao”, diz a empresa [Leia íntegra no final da matéria]

A reportagem acessou o site indicado pela empresa e verificou que, além de não ser fácil achar dados de monitoramento da qualidade da água em meio a diferentes subpáginas, os documentos utilizam linguagem técnica de difícil compreensão.

Em um sumário das ações de recuperação desempenhadas no ano passado, lançado pela Vale no final de janeiro, no capítulo que fala do monitoramento da qualidade da água é possível encontrar trechos como: “O Plano de Monitoramento Hidrométrico e Sedimentométrico visa otimizar a coleta de dados hidrossedimentológicos para os planos e projetos de restauração…”.

E não são só os moradores que querem ter acesso a informações fáceis sobre a qualidade da água. As Assessorias Técnicas Independentes (ATI) que realizavam análises antes que o Acordo de Reparação fosse firmado – Guaicuy, Nacab e Aedas – também. 

As ATIs, que até hoje atuam nas áreas atingidas pela Vale com o objetivo de garantir o acesso à informação e a participação informada das comunidades afetadas nos processos de reparação, foram escolhidas via eleição pelos próprios atingidos, e contratadas pelos Ministérios Público e Defensoria Pública do Estado de Minas após o rompimento, começando os trabalhos em junho de 2020.

Algumas das ações executadas pelas ATIs eram as análises ambientais, feitas entre 2020 e 2022. No entanto, no início de 2023, as Instituições de Justiça consideraram não ser mais relevante que as Assessorias Independentes realizassem análises ambientais, por entenderem que esse trabalho já era feito pela própria Vale. Elas contestam a decisão.

“A gente não tem acesso aos dados primários. O que significa isso? A gente não tem acesso às tabelas e esses dados que seriam úteis para a gente fazer algum tipo de análise estatística. O que hoje a gente tem acesso é ao plano propriamente dito, ao documento em PDF. Esse documento em PDF está disponível, mas com muitas defasagens”, diz Ramon Rodrigues, especialista socioambiental do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab).

Fauna afetada

Antes do rompimento, a casa de Lionete Feitosa, no Balneário Recanto do Laranjo, às margens do Paraopeba, costumava receber a visita de diferentes animais. Siriema, garça e curicaca eram algumas das espécies de aves que ela via com frequência e que encontravam no Paraopeba sua fonte de alimentação. 

“Sumiram, na época do crime elas sumiram… o primeiro ano foi uma coisa de louco. Ficou muito tempo sem aparecer. Agora os bichos estão começando a aparecer, mas é pouquinho, não é como antigamente”, diz Lionete.

Lionete Feitosa, em frente a sua casa. Foto: Instituto Guaicuy.

Segundo Ramon Rodrigues, as populações afetadas – e as assessorias técnicas – também encontram dificuldades para saber dos impactos do rompimento na fauna local. 

De acordo com ele, dois dias após o ocorrido, funcionários da Vale já estavam coletando amostras de peixes nos trechos do rio que ainda não tinham recebido a lama dos rejeitos, para que uma análise prévia pudesse ser feita. Até hoje não há dados de fácil acesso sobre essas análises.

O que se sabe sobre o assunto vem de estudos independentes. Um deles, do Instituto Guacuy, mostrou que mais da metade dos peixes coletados após o rompimento apresentavam quantidades de metais tóxicos – arsênio, cadmio, chumbo e mercúrio – acima dos valores permitidos para consumo humano. 

Outro trabalho, do Instituto Butantan e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrou que uma espécie que é considerada bioindicadora, o peixe-zebra, sucumbe ou apresenta anomalias, quando em contato com os sedimentos.

“Durante o rompimento, milhares de toneladas de peixes foram mortos, mas o problema não é só no momento do rompimento, é na queda das populações. O estudo [do Butantan e UFRJ] mostrou que 95% dos alevinos do peixe zebra morrem em contato com o sedimento do Paraopeba. Imagina, se 95% das ovas morrem, o que vai ser da população”, questiona Rodrigues.

Os estudos citados acima são de 2022 e 2019, respectivamente. Sobre o quadro atual, a Vale não é transparente, diz o especialista ambiental do Nacab.

Como salvar o Paraopeba

Segundo Rodrigues, olhando a situação atual do Paraopeba, a melhor alternativa seria a recuperação da sub-bacia como um todo, de forma a melhorar a qualidade da água que entra nas partes atingidas, para que o rio tenha condições de se limpar através de um processo de autodepuração.

“Como a gente faz isso? Recuperando nascentes, pequenos fluxos de água, recuperando áreas lindeiras no entorno do rio e fazendo um trabalho de recuperação de área degradada da bacia”, diz o especilista.

A recuperação ambiental de toda sub-bacia do Rio Paraopeba, que inclui as ações citadas por Rodrigues, está prevista no Acordo de Recuperação Integral da Vale. Passados cinco anos da tragédia e três da assinatura do Acordo, elas não foram feitas para além do território diretamente impactado.

Leia nota da Vale na íntegra

O acompanhamento e a recuperação do rio Paraopeba é uma das prioridades da Vale. Atualmente, são cerca de 80 pontos de monitoramento e um banco de dados de mais de 6,7 milhões de resultados que indicam condições semelhantes à qualidade da água antes do rompimento, especialmente em períodos secos. Os dados convergem com os resultados produzidos pelo monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). 

O monitoramento é realizado desde o dia 25/01/2019, em cumprimento às exigências legais dos órgãos ambientais e aos compromissos firmados pela empresa. Os resultados são reportados semanalmente aos órgõas públicos e, desde julho de 2021, a Vale mantém uma página com as principais informações sobre o monitoramento da qualidade de água do rio Paraopeba. Qualquer pessoa pode acessar dados técnicos, gráficos, mapas, relatórios e notas técnicas que retratam a qualidade das águas, além de links para sites de outras instituições que também monitoram o rio, como o próprio Igam. Todos os conteúdos estão disponíveis no portal: vale.com/reparacao. 

Importante lembrar ainda que o Acordo de Reparação Integral prevê que o Plano de Reparação da Bacia do Paraopeba, iniciado em 2019, seja custeado pela empresa, acompanhado e validado pelos órgãos competentes e auditorias ambientais até sua conclusão, de forma a garantir a reparação ambiental nos termos do que foi previsto pelo Acordo. Essas ações têm valor estimado de R$ 5 bilhões.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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