No mesmo dia em que Jair Bolsonaro disse, em rede nacional, ser uma “mentira” que o Brasil se tornou um destruidor da floresta, a Amazônia registrou o maior número de focos de incêndio de, pelo menos, os últimos seis anos. Na segunda-feira (22), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou um recorde: 3.358 focos no bioma.
O número de focos na data foi maior do que o registrado no que ficou conhecido como “Dia do Fogo”, que aconteceu entre 10 e 11 de agosto de 2019. Na ocasião, desmatadores decidiram, de forma coordenada, atear fogo às margens da BR-163, no Pará. Naquela data, o INPE computou cerca de 2.400 focos em todo bioma.
Foi também maior do que o registrado no dia 19 de agosto daquele ano, quando a fumaça dos incêndios da Amazônia chegaram até o Sudeste e escureceram a capital paulista a partir das 15h. Naquela data, foram computados cerca de 750 focos.
Somente nos últimos sete dias, 13.217 focos de incêndio consomem a Amazônia, segundo o INPE. O número é 50% maior do que o mesmo período do ano passado (de 17 a 23 de agosto), quando foram computados 8.906 focos de incêndio. Esta elevação abrupta no número de queimadas fez a média diária subir de 1.273 focos em 2021 para 1.888 neste ano.
Segundo Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do MapBiomas Fogo, essa elevação no número de focos provavelmente se deu devido a mudanças climáticas no bioma.
“Estamos passando uns anos atípicos na Amazônia no que diz respeito à chuva. Ano passado tivemos o La Ñina e ela [o fenômeno] não foi embora, trazendo umidade para o bioma. Mais no sul da Amazônia tivemos algumas frentes frias, que acabaram por reduzir a temperatura, reduzindo também a aptidão para a queimada. No norte da Amazônia também estava chovendo. Não tem como saber se foi uma coisa ‘ah, vamos botar fogo todo mundo junto’, mas pode ter sido alguma coisa assim, para aproveitar a estiagem que chegou a partir do dia 17, porque, se você não queimar no tempo certo, você perde o investimento”, explicou a pesquisadora, a ((o))eco.
Segundo o Programa Queimadas do Instituto de Pesquisas Espaciais, a média histórica para agosto é de 26.299 focos ativos. Faltando ainda sete dias para acabar o mês, o número total de focos registrados em 2022 já chega a quase 22 mil. Se a média se mantiver em 1.888 focos por dia, a quantidade de queimadas na Amazônia neste mês vai superar a média histórica nos próximos três dias.
Nuvem de fuligem
Na sexta-feira (19), dia em que completou três anos em que a fumaça e a fuligem dos incêndios na Amazônia cobriram São Paulo, a situação se repetiu em várias cidades amazônicas, entre elas Altamira e Novo Progresso (ambas no Pará), chegando até a mais longínqua Manaus (AM).
Segundo o monitoramento do INPE, os focos se concentram dentro do chamado arco do desmatamento na Amazônia, nas “bordas” do bioma. De fato, o Pará é o estado com maior número de focos em agosto: 9.178, até o dia 23. Amazonas aparece em segundo lugar, com 5.901 focos (também até o dia 23).
À Amazônia Real, o coordenador de monitoramento de queimadas do INPE, Alberto Setzer, disse que a trajetória da pluma de fumaça vem dos municípios que mais queimam neste momento: os paraenses Altamira, Novo Progresso, Jacareacanga, Itaituba, São Félix do Xingu e Trairão. Também contribuem para o céu de fumaça as queimadas nas cidades amazonenses de Apuí, Novo Aripuanã e Manicoré, no sul do Amazonas.
Morando em Altamira, a jornalista Eliane Brum presenciou algumas dessas queimadas e declarou que a Amazônia está sendo destruída diante da inércia das autoridades.
“A floresta queima agora, nesse instante, diante dos nossos olhos. E isso se repetirá dia após dia, noite após noite, sem que as autoridades responsáveis façam coisa alguma para impedir. Os criminosos estão no poder, em todas as instâncias. Estão acabando com nossa possibilidade de vida […] A floresta queima. Me sinto morrer”, disse ela, em suas redes sociais.
Já em Manaus, assim como aconteceu na capital paulista em 2019, a fumaça chegou com as correntes de ventos. Segundo Ane Alencar, do IPAM, isso aconteceu provavelmente devido à alta concentração de focos em um período curto de dias.
“Quando você olha as imagens de satélite, claramente você vê as névoas saindo das áreas com mais focos e indo para essa direção ali em Manaus. Observando os números de focos no mês de agosto, a gente vai ver que é mais ou menos a mesma coisa do ano passado. O que aconteceu de diferente foi que a partir do dia 17 houve essa concentração de focos, gerando uma grande nuvem de fuligem, de fumaça”, explicou ela.
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