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Pesquisadores descrevem fenômeno que escureceu SP e sua relação com as queimadas na Amazônia

Escurecimento do céu foi combinação de dois fenômenos de natureza distinta, dizem especialistas. Fato não minimiza gravidade do problema das queimadas

Cristiane Prizibisczki ·
22 de agosto de 2019 · 5 anos atrás

Desde o final da tarde de segunda-feira (19), quando o céu da capital paulista escureceu repentinamente a partir das 15h, pesquisadores buscam entender os motivos do fenômeno. O evento seria explicado unicamente pelas fumaças dos grandes incêndios florestais que consomem a floresta Amazônica ou pela presença de uma frente fria que formou nuvens densas e pesadas? Para pesquisadores, o “dia escuro” em São Paulo foi uma junção dessas duas situações.

“O evento deve ser considerado como a combinação de duas condições coincidentes, porém de natureza física distinta: a entrada de uma frente de ar frio, e a presença de uma nuvem de fumaça proveniente de queimadas originadas a centenas e até milhares de km de distância”, explicou Alberto Setzer, coordenador do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em nota enviada na tarde de quarta-feira (22).

Segundo Setzer, engenheiro ambiental que há mais de 20 anos estuda as queimadas na Amazônia em parceria com a agência americana Nasa, em 9 de agosto uma nuvem gigante de fumaça formada pelas emissões de incêndios florestais já havia sido indicada pelo Programa Queimadas, conforme figura 1, que mostra a nuvem de fumaça e as concentrações de aerossóis medida pelo sensor MODIS do satélite AQUA.

Imagem: Queimadas/CPTEC/INPE.

No domingo (18/08), a mesma nuvem foi detectada por uma equipe do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), por meio do sistema Lidar, do Centro de Laser e Aplicações (CLA). Posteriormente, com auxílio de imagens de satélites da Nasa e de um modelo usado pelo Ipen que prevê a trajetória percorrida por massas de ar, os pesquisadores deste instituto também concluíram tratar-se de partículas provenientes de queimadas ocorridas nas regiões do Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.

Setzer, do INPE, explica que, em anos secos, para a parte central da América do Sul, é comum no inverno a presença de nuvens de fumaça cobrindo milhões de quilômetros quadrados. Essas nuvens perduram por até algumas semanas com a ignição de novas queimas e apenas se desfazem com a ocorrência de chuvas por ocasião do avanço de frentes frias intensas, que conseguem penetrar até a região norte.

Nuvem detectada no dia 18/08. Imagem: Queimadas/CPTEC/INPE.

“[Essas nuvens de fumaça] são formadas pelas emissões de queimadas e incêndios florestais causados por ações humanas, principalmente no Brasil central, no sul da Amazônia brasileira, na Bolívia, no Paraguai e no norte da Argentina”, diz Setzer.

O pesquisador Saulo Ribeiro, também INPE, explica que a massa de ar poluído gerada pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste geralmente é empurrada a 5 mil metros de altitude por ventos que sopram do Atlântico para o Pacífico (de leste para oeste), até esbarrar na Cordilheira dos Andes. A fumaça começa então a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colômbia e Paraguai – até que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3 mil metros de altitude no sentido anti-horário, começa a transportar a massa poluída na direção sul, margeando os Andes.

“O que ocorreu no início desta semana foi a convergência dessa massa de ar poluído que vinha do Norte com uma frente fria vinda do Sul. Os ventos convergiram e fizeram o rio de fumaça se curvar em direção à região Sudeste. Além da fuligem, outros poluentes presentes na atmosfera – como monóxido de carbono, dióxido de carbono, ozônio, óxido nitroso e metano – interagiram com as nuvens trazidas pela frente fria e potencializaram a formação de ‘smog’ [termo em inglês que representa a mistura entre fumaça e neblina]”, disse Saulo, à Agência Fapesp.

O sistema Lidar, do Ipen ‒ um acrônimo para “light detection and ranging’ (detecção de luz e medida de distância) que vem sendo desenvolvido desde 1998 e permite o sensoriamento remoto ativo da atmosfera para a detecção de poluentes – detectou que a pluma de poluição começou a pairar sobre a Região Metropolitana de São Paulo entre 4 e 5 horas da tarde de domingo (18). De acordo com o pesquisador Eduardo Landulfo, coordenador do Sistema Lidar, essa nuvem foi resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.

Segundo o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, durante sua trajetória rumo à região Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o valor d’água na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.

“As partículas [de fumaça] funcionam como núcleo de condensação da água. Assim, gotículas de chuva menores são formadas, mas em grande quantidade, e isso faz com que uma maior parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, a ponto de escurecer o solo”, explicou.

De fato, amostras da chuva coletada por moradores da capital paulista durante o fenômeno foram analisadas por duas universidades e confirmaram o impacto das fumaças de queimadas na qualidade da água.

Pesquisadores do Instituto de Química da USP identificaram a presença de reteno na amostra, substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas. O estudo foi coordenado pela professora Pérola de Castro Vasconcellos.

Já a análise feita pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), mostrou que a concentração de material particulado, conhecido como fuligem, foi sete vezes maior do que a registrada na água de uma chuva normal e a presença de sulfetos 10 vezes superior.

Além da fumaça, segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE (CPTEC-INPE), a frente fria que avançou entre sul e sudeste desde o domingo (18) encontrou em São Paulo, na segunda-feira (19), uma região alongada de baixa pressão, chamada “cavado”. Esse encontro de frente fria com o ar quente de São Paulo, associado às baixas pressões, provocaram a formação de uma nuvem bastante baixa e densa, contribuindo para a sensação de escuridão.

“[Foi] provavelmente uma nuvem Nimbustratus ou Cumulonimbus, que se formou na região de São Paulo, muito próxima a superfície. É normal acontecer, se tem o avanço da frente fria, dependendo das condições de umidade, pode se formar essas nuvens”, explicou o meteorologista do CPTEC, Maicon Veber.

Portanto, segundo os pesquisadores, a escuridão em São Paulo foi uma combinação entre a chegada das plumas de fumaça proveniente das queimadas, que interagiram com o vapor d’água na atmosfera, e o fenômeno meteorológico da frente fria, que formou nuvens densas e baixas.

“A concentração de fumaça não era suficiente para o escurecimento quase total da região de São Paulo, o que apenas pode ter sido consequência de nuvens baixas e médias muito concentradas e espessas”, reitera Alberto Setzer, do Programa Queimadas.

Imagens do CPTEC mostram partículas de queimadas vindas das regiões Centro- Oeste e Norte interagindo com nuvens trazidas pela frente fria do Sul.

Número recorde de focos de queimadas

O fato de o escurecimento do céu de São Paulo ter sido uma combinação de duas condições de natureza distinta coincidentes não minimiza a importância e o impacto das queimadas que estão ocorrendo na região Amazônica.

Segundo medições do Programa Queimadas do INPE, o Brasil enfrenta a maior onda de queimadas dos últimos anos. O programa registrou 72.843 focos de incêndio entre os dias 1 de janeiro e 19 de agosto deste ano. O número é 83% maior do que o mesmo período do ano passado, quando foram registrados 39.759 focos de incêndio. A última grande onda é de 2016, com 67.790 focos de queimadas entre essas datas.

Amostras da chuva coletada por moradores da capital paulista durante o fenômeno foram analisadas por duas universidades e confirmaram o impacto das fumaças de queimadas na qualidade da água.

Pesquisadores do Instituto de Química da USP identificaram a presença de reteno na amostra, substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas. O estudo foi coordenado pela professora Pérola de Castro Vasconcellos.

Já a análise feita pela bióloga Marta Marcondes, professora da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), mostrou que a concentração de material particulado, conhecido como fuligem, foi sete vezes maior do que a registrada na água de uma chuva normal e a presença de sulfetos 10 vezes superior.

Em nota técnica divulgada no dia 20 de agosto, cientistas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) afirmam que o número recorde de queimadas na Amazônia não pode ser explicado somente pelo período seco, como defendeu o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em sua conta no Twitter. Segundo o IPAM, o desmatamento é um fator de impulsionamento às chamas.  “Os 10 municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”, diz o texto.

 

*Editado às 23h04, do dia 26/08/2019.

 

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Comentários 7

  1. Maciel Junior diz:

    Vc, vê, é um esforço, um malabarismo, um tentativa doida, de tentar juntar um fenômeno climático, com a fumaça que fica a mais de 1000km de distância. Só desinformado mesmo e quer continuar desinformado pois tem acesso a internet, logo pode ver coisa boa e de qualidade (Terça Livre, Daniel Lopes, Crítica Nacional, entre outros), para acreditar nesse malabarismo midiático.


  2. Airton diz:

    Este fenômeno meteorológico chama- se Nuvem Rolo e acontece todo ano e passa pela minha região (Americana, Limeira, Santa Barbara do oeste) e sua principal característica é ser uma nuvem baixa entre 100 e duzentos metros de altura com pouco mais de 1000 metros de largura seguido de chuva em forma de tempestade algo extraordinário de se observar. Neste ano ela passou em 03/09/2019 as 07:30 horas o ano passado não me recordo o dia mas foi muito próximo desta data sempre no final de agosto e início de setembro e no ano passado foi mais cedo (06:45 horas) porque me lembro que estava na Rodovia Anhanguera passando na ponte do Rio Piracicaba (Km 129).
    Agora, associar este fenômeno a queimadas na Amazônia e de outros países é um absurdo, é ridículo, é sensacionalismo puro, aproveitando esta farsa das queimadas para desviar a atenção popular do péssimo e incompetente governo do Brasil. Este fenômeno existe todo ano e é raro devido ocorrer poucas vezes e ser necessário vários fatores meteorológicos e climáticos para sua formação.


  3. Laudeir Delmaschio diz:

    Em 2010 o mundo pegou fogo e nem soubemos. Nunca um governo foi tão eficaz em levantar a consciência ecológica como esse. A hipocrisia precisa ser combatida. Chega de acreditar cegamente em efeito estufa, peido maldito das vacas, fim do mundo, cometa errante, derretimento de calota polar, elevação do nível do mar, saci, OVNI. Temos é que cuidar do nosso microambiente, do nosso bairro, do nosso riacho, nossas praias. Não queimar lixo. Não jogar lixo. Não fazer barulho. Aproveitar água de chuva. Plantar qualquer coisa. Isso é que vale.


  4. Claudia diz:

    Divulguem tb a opinião do Ricardo Felício. É saudável termos um contraponto. E cada um escolhe em quem acreditar.


    1. Carlos Magalhães diz:

      Cláudia, Ricardo Felício e Molion são tabus para O ECO. Não são publicados, são sistematicamente ignorados e combatidos sem tréguas.


  5. Paulo diz:

    O governo dorme zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz………………………………


  6. Tadeu diz:

    O jornalismo agoniza…