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Fungo causador do declínio de anfíbios é encontrado em sapos da Caatinga

Estudo revela uma alta prevalência do fungo Batrachochytrium dendrobatidis, responsável pelo declínio de mais de 500 espécies de anfíbios no mundo, em duas espécies de sapos da bioma

Carolina Lisboa ·
6 de fevereiro de 2020 · 4 anos atrás
Sapo de verruga (Rhinella granulosa). Foto: Divulgação.

Os anfíbios são o grupo de animais vertebrados mais ameaçado do mundo. A perda de habitat, as mudanças climáticas, as espécies invasoras, o comércio ilegal de animais silvestres e a poluição do ar, do solo e da água são alguns dos fatores que vêm causando o declínio e extinção de populações. Contudo, um fator em especial vem preocupando pesquisadores e conservacionistas do mundo inteiro: o fungo Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), causador da quitridiomicose.

O patógeno vem sendo associado ao declínio de mais de 500 espécies de anfíbios em todo o mundo e é considerado a maior ameaça aos anfíbios nas regiões tropicais.

“No Brasil, o primeiro registro do Bd foi em 1984, mas hoje sabemos que ele está distribuído em todos os biomas brasileiros, sendo a Mata Atlântica o bioma com maior prevalência e onde já ocorreram declínios e/ou extinções populacionais”, esclarece Ronildo Alves Benício, pesquisador de pós-doutorado da Universidade Regional do Cariri (URCA). Recentemente, Benício e colaboradores registraram uma alta prevalência do fungo Bd em duas espécies de sapos da Caatinga: o sapo-cururu (Rhinella jimi) e o sapo-de-verruga (Rhinella granulosa), cujos resultados foram publicados no artigoWorrying News for Brazilian Caatinga: Prevalence of Batrachochytrium dendrobatidis in Amphibians” (“Notícias preocupantes para a Caatinga brasileira: prevalência de Batrachochytrium dendrobatidis em anfíbios”, em português) em novembro de 2019 na revista Tropical Conservation Science.

O artigo esclarece que as características ambientais da Caatinga, ao contrário da Mata Atlântica, a tornam uma região de baixa probabilidade de ocorrência do fungo Bd, com aproximadamente 2% de prevalência, segundo estudos recentes. Contudo, o estudo publicado encontrou uma prevalência aproximadamente dez vezes maior que a esperada para o bioma.

“Primeiro, isso pode significar uma maior resistência do fungo, que é aquático, em áreas secas. Outra possível explicação é que este grupo de sapos (família Bufonidae) apresenta um tempo de descamação da pele maior, assim permitindo que o ciclo do fungo se complete, mesmo em um ambiente mais seco. Outro fator importante é que este valor de 2% de prevalência é uma estimativa, sendo necessários mais estudos, como o nosso, para mostrar de fato a prevalência do fungo em anfíbios em ambientes mais secos, como a Caatinga”, esclareceu Benício.

Sapo cururu (Rhinella jimi). Foto: Divulgação.

Uma outra preocupação dos pesquisadores é que, apesar de não serem espécies ameaçadas de extinção, as duas espécies de sapos da Caatinga podem servir como reservatórios das três diferentes linhagens do fungo que ocorrem no Brasil (Bd GPL, Bd brazil e uma híbrida entre as duas primeiras), podendo contaminar outras espécies. Um fato alarmante, segundo a publicação, é o de que a detecção do Bd ocorreu no município de Picos, no Piauí, que é uma área prioritária de conservação próxima aos Parques Nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões. “Estas áreas apresentam uma fauna singular – restrita a certos tipos de ambientes, são localidades-tipo (local onde espécies novas foram encontradas e descritas), apresentam uma alta riqueza de espécies de anfíbios, com muitas espécies endêmicas (que só existem nesses locais). Assim, a presença de Bd nessas áreas que apresentam um número elevado de endemismos com distribuição geográfica limitada pode ter sérios impactos na fauna de anfíbios da Caatinga”.

Benício esclarece que, infelizmente, ainda não existem ações mais abrangentes ou políticas públicas de combate ao Bd. “Ações de conservação são principalmente preventivas e alguns cuidados devem ser tomados. Por exemplo, as ações antrópicas (ranicultura, mercado de pet, e até mesmo o próprio trabalho de campo dos biólogos por meio das botas de borracha com terra) podem levar essas linhagens de um lado para o outro, espalhando ou introduzindo em locais onde o fungo (e outros patógenos) ainda pode estar ausente”.

A escassez de estudos na Caatinga também é um agravante. Além da publicação de Benício e colaboradores, há somente mais dois trabalhos que mencionam espécies de anfíbios infectados na Caatinga, publicados recentemente, um em 2017 e outro em 2019, sendo que este último revela que o fungo está presente na Caatinga pelo menos desde o ano de 1996. Dados sobre a ocorrência de Bd em anfíbios no Nordeste do Brasil são escassos, especificamente para a Caatinga”, lamenta o pesquisador.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 1

  1. Pedro Italo diz:

    muito importante as informassões para as pessoas que gostam desses assuntos ou fanaticos pelos animais muito bom