Carnaval e polêmica sempre andaram de mãos dadas. As escolas de samba atraem os holofotes não só pelo espetáculo, mas, também, pelas críticas que os seus enredos despertam, seja por abordarem temas religiosos ou por seus temas patrocinados. Este ano, entretanto, uma escola no Rio de Janeiro provoca a ira de um setor bem específico: o agronegócio. A Imperatriz Leopoldinense, terceira escola do grupo especial a desfilar no próximo domingo (26), colocará na avenida o enredo “Xingu, o clamor que vem da Floresta”.
Em sua homenagem ao povo indígena, a escola também faz duras críticas à construção da hidrelétrica de Belo Monte, ao desmatamento e ao uso de agrotóxicos.
Três alas são alvo de críticas pelo setor rural: “Fazendeiros e seus agrotóxicos”, “Pragas e doenças” e a “Chegada dos invasores”. Uma das fantasias, por exemplo, mostrará um fazendeiro, com um símbolo de caveira no peito, pulverizando agrotóxicos. Isso bastou para a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) soltar nota de repúdio à escola de samba.
“A Imperatriz Leopoldinense vai na contramão da história, uma vez que, depois de muitos anos, finalmente o cidadão dos grandes centros começa a ter as informações mais claras acerca da produção rural, que é rigorosamente fiscalizada dentro e fora do país. Para começo de conversa, se o uso de agrotóxicos nas lavouras fosse indiscriminado, como dizem, o Brasil não seria o grande exportador que é, pois os países importadores não aceitariam nossos produtos”, afirmou, em nota, Marcos Montes, presidente da FPA.
A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) também divulgou nota de repúdio e afirmou ser inaceitável que o Carnaval seja palco para “um show de sensacionalismo e ataques infundados”. “Antes de mais nada, é preciso esclarecer e reforçar que o país do samba é sustentado pela pecuária e pela agricultura. Chamados de ‘monstros’ pela escola, nós, produtores rurais, respondemos por 22% do PIB Nacional e, historicamente, salvamos o Brasil em termos de geração de renda e empregos. Com o tempo e com o nosso talento de produzir cada vez mais – e de forma sustentável – trouxemos para nossa nação o título de campeã mundial de produção de grãos e de proteína animal”, diz a nota.
Outros carnavais
Diferente deste ano, em que os setores do agronegócio miraram sua fúria na Imperatriz Leopoldinense, no passado, eles não tiveram do que reclamar do carnaval carioca.
Em 2016, a Unidos da Tijuca homenageou o município de Sorriso (MT), a capital da Soja com o enredo “Do homem de barro ao agronegócio”, exaltando a terra que se plantando tudo dá. E em 2013, a Vila Isabel colocou na avenida o enredo “A Vila canta o Brasil celeiro do mundo – Água no feijão que chegou mais um…”, sobre a agricultura, que foi patrocinado pela empresa química BASF.
Veja a letra do samba da Imperatriz Leopoldinense na íntegra.
Brilhou… a coroa na luz do luar!
nos troncos a eternidade… a reza e a magia do pajé!
na aldeia com flautas e maracás
Kuarup é festa, louvor em rituais
na floresta… harmonia, a vida a brotar
sinfonia de cores e cantos no ar
o paraíso fez aqui o seu lugar
jardim sagrado o caraíba descobriu
sangra o coração do meu Brasil
o belo monstro rouba as terras dos seus filhos
devora as matas e seca os rios
tanta riqueza que a cobiça destruiu
Sou o filho esquecido do mundo
minha cor é vermelha de dor
o meu canto é bravo e forte
mas é hino de paz e amor
Sou guerreiro imortal derradeiro
deste chão o senhor verdadeiro
semente eu sou a primeira
da pura alma brasileira
Jamais se curvar, lutar e aprender
escuta menino, Raoni ensinou
liberdade é o nosso destino
memória sagrada, razão de viver
“andar aonde ninguém andou”
“chegar aonde ninguém chegou”
lembrar a coragem e o amor dos irmãos
e outros heróis guardiões
aventuras de fé e paixão
o sonho de integrar uma nação
kararaô… kararaô… o índio luta pela sua terra
da Imperatriz vem o seu grito de guerra!
Salve o verde do Xingu… a esperança
a semente do amanhã… herança
o clamor da natureza
a nossa voz vai ecoar… preservar!
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Que a compra de enredos para dar visibilidade a interesses setoriais seja definitivamente erradicada de eventos culturais como o Carnaval. De parabéns a Imperatriz Leopoldinense, que identificou um problema crítico da sociedade brasileira, e explorou o frama do desmatamento e do uso indiscriminado de agrotóxicos. Vivemos uma situação incômoda e inadequada onde o agronegócio tenta assumir a posição dominadora na política e na economia. E busca usar desse desse poder para ampliar além dos limites a exploração de nosso território, em detrimento de interesses maiores da sociedade. Infelizmente esse cenário real. E que ameaça nosso futuro seriamente.