“É perigoso falar, retratar e denunciar assuntos como esse [delitos ambientais]. Ser mulher no jornalismo já é um grande desafio. Eu venho de Roraima, uma região de tríplice fronteira, onde vivemos em um estado que parece uma faixa de guerra”, afirma Kendria Cavalcante, editora-chefe da Rede Amazônica. Ela esteve no Seminário de Jornalismo Ambiental ((o))eco, realizado nos dias 29 e 30 de agosto de 2024.
Kendria participou da mesa “Investigando Delitos Ambientais na Amazônia”, no dia 30, junto com Maria Regina Telles, da Revista Cenarium (São Luís, MA), e Maurício Ferro, do Correio Sabiá (Rio de Janeiro, RJ). A mediação ficou a cargo de Bryan Araújo, do Internews (Manaus, AM).
Entre os temas discutidos estavam o uso da Lei de Acesso à Informação (LAI) na apuração de crimes, os riscos enfrentados e os métodos de apuração em áreas onde grupos de poder retaliam populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas que atuam na proteção do ecossistema amazônico.
Maria Regina Telles, jornalista especializada em investigações ambientais, compartilhou sua experiência na cobertura da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. “É preciso ter uma perspectiva nacional, mas sempre com um olhar local. É fundamental trazer os depoimentos daqueles que estão sofrendo diretamente com os problemas na Amazônia, como os povos indígenas”, destacou Telles.
A jornalista enfatizou a necessidade de uma abordagem integrada na luta contra o tráfico e outros crimes ambientais. “Para combater o tráfico, precisamos aumentar as equipes e fortalecer a investigação. O crime está organizado e os grupos criminosos possuem tecnologia avançada para burlar normas e fiscalizações. Precisamos avançar juntos como jornalistas para enfrentar esses desafios”, acrescentou
Desmatamento, queimadas e a maior seca dos últimos 20 anos em Roraima
Kendria Cavalcante, editora-chefe da Rede Amazônica, enfatizou que, enquanto o poder público ignora questões socioambientais, a região perde oportunidades de desenvolvimento econômico sustentável. Segundo ela, é possível utilizar os recursos naturais de forma equilibrada, sem recorrer à exploração predatória.
Realizar um jornalismo que informe e conscientize a população traz desafios significativos. “Nós convivemos diariamente com as pessoas que denunciamos — seja nas ruas, em restaurantes ou em qualquer outro lugar”, relata Cavalcante. Ela também mencionou que, em determinado momento de sua carreira, ela e sua equipe foram orientados a evitar vestimentas que os identificassem como jornalistas, para prevenir represálias.
Facilitando o acesso à informação e promovendo engajamento da audiência
O Correio Sabiá, pioneira entre as iniciativas jornalísticas via aplicativo de mensagens instantâneas no Brasil, também marcou presença no Seminário do ((o))eco. Maurício Ferro, diretor da agência de notícias, destacou a importância de facilitar o acesso à informação em um contexto de sobrecarga informativa. Segundo ele, a plataforma se propõe a democratizar o jornalismo, levando informações diretamente ao público por meio do WhatsApp.
Ferro explicou que a criação do Correio Sabiá foi motivada pela sua percepção dos desertos de notícias no Brasil. Ele apontou que cerca de 50% das cidades brasileiras não têm nenhum jornal, e muitas outras enfrentam o risco de se tornarem desertos de notícias, com apenas um veículo que, por vezes, é controlado por grupos políticos. “Nós não temos pluralidade no nosso ecossistema jornalístico. Por outro lado, o WhatsApp está instalado na maioria dos aparelhos”, afirma Ferro. Esse panorama levou o jornalista a considerar uma alternativa viável e de maior alcance. “O WhatsApp poderia ser usado como um instrumento para levar o conteúdo jornalístico, ambiental ou qualquer tipo de conteúdo verificado à ponta da linha e construir audiências”, acrescenta.
Mentorias e capacitação para jornalistas
Bryan Araújo, do Internews, mediou a mesa sobre delitos na Amazônia e foi elogiado pelos palestrantes por sua atuação na mentoria promovida em parceria com o Correio Sabiá, o WCS e o USAID. O programa de capacitação, intitulado “Um voo pela Amazônia: transformando pela informação”, aceitou candidaturas de estudantes de jornalismo, jornalistas, professores e pesquisadores entre fevereiro e março deste ano. Com duração de três meses, a mentoria focou no aprimoramento dos processos de apuração e produção de notícias na região amazônica, abordando também a segurança de jornalistas que cobrem temas sensíveis.
A iniciativa do Internews visa contribuir para a qualificação de jornalistas em todo o Brasil, fortalecendo a cobertura de pautas sociais e ambientais. O curso destacou a importância da segurança no exercício da profissão, refletindo o compromisso com a capacitação e a proteção dos profissionais que atuam em contextos desafiadores.
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