Um impasse foi gerado no mais recente episódio do imbróglio jurídico que envolve o Projeto Maraey para construção de um resort na Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Em julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), na terça-feira (12), o ministro Teodoro Silva Santos pediu vista dos autos e suspendeu a análise que estava empatada por dois votos a dois em pauta de sessão extraordinária. “Ainda não há data para retomada, mas o prazo é de 60 dias”, informou o STJ, por intermédio de sua assessoria de imprensa. Obras e licenciamento desse empreendimento estão suspensos desde maio de 2023 por decisão da mesma Corte.
Preocupada com o impasse, Flávia Lanari Coelho, presidente da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma), explica que o julgamento em questão envolvia agravos e embargos por parte da empresa IDB Brasil que está à frente do empreendimento turístico-residencial de luxo de capital espanhol. “Tem a ver com o fim do recurso que impede obras e intervenções enquanto a principal ação não for julgada”, observa. Ela acrescenta que isso acontecerá somente quando o processo voltar à alçada do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. “Vamos torcer para que este voto que ainda falta seja favorável à restinga”, conclui.
A Apalma é autora de mobilização que levou à Ação Civil Pública encampada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), que, entre outras demandas, pede o cancelamento do licenciamento ambiental do controverso projeto, alegando seus altos impactos socioambientais. A articulação é unificada com a Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores Zacarias (ACCAPLEZ) representada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ).
Em nota pública, o Movimento Baía Viva manifestou preocupação com a suspensão do último julgamento. “Esperamos que os ministros do STJ mantenham coerência e em respeito aos pilares do Direito Ambiental que tem como base os princípios da Precaução e da Prevenção, ao final do julgamento decidam pelo embargo definitivo (suspensão) da predatória obra de construção de resort de alto luxo de propriedade da empresa espanhola IDB Brasil Ltda”, afirma o posicionamento.
Chamando a atenção para a importância socioambiental dos ecossistemas que estão em disputa, na nota foi ressaltado ainda que, em abril de 2023, os indígenas da Aldeia Guarani Mbyá de Mata Verde Bonita, que vivem na APA de Maricá, “iniciaram protestos contra a obra do resort com a ocupação do canteiro de obras e paralisação das máquinas e retroescavadeiras, sendo que este movimento ficou conhecido como Revolta das Sementes”.
Longa disputa judicial
Como ((o))eco tem acompanhado, o desenrolar dessa disputa judicial mobiliza pesquisadores e ecologistas preocupados com o futuro da Restinga de Maricá, considerada uma das mais biodiversas e mais ameaçadas do Brasil. Tanto que em seu parecer em 2023, o ministro do STJ, Herman Benjamin, afirmou: “a área em litígio é composta por Restinga, ecossistema raro e em vias de desaparecimento, um dos mais ameaçados do Brasil em razão de incessante pressão antrópica, mormente a imobiliária e a de lazer, ao longo da nossa costa e sobre o qual há vários precedentes no STJ ”.
Além do grande valor para a proteção da natureza e desenvolvimento científico, a Restinga de Maricá é apontada como crucial à manutenção de modos de vida de populações tradicionais como a comunidade de pescadores Zacarias, presente nesse território há mais de 200 anos. No livro Gente das Areias (Editora Eduff, 2017), os pesquisadores autores, Marco Antonio da Silva Mello e Arno Vogel, em atualização de estudos antropológicos realizados na localidade há várias décadas, apresentam a árvore genealógica de gerações de famílias dedicadas à pesca tradicional local.
Leia também
Incêndio nas proximidades da APA de Maricá preocupa ambientalistas
Falta de infraestrutura para prevenir e enfrentar o fogo em município entre líderes em receitas de royalties de petróleo é alvo de críticas do movimento ambientalista local →
Obras e licenças de resort na APA de Maricá estão suspensas por nova decisão do STJ
Corte acatou liminar do MPRJ para determinação de paralisação de atividades do megaempreendimento turístico-residencial de capital espanhol →
Resort de grupo espanhol tem conflito acirrado na APA de Maricá
Indígenas Guarani bloqueiam obras do Projeto Maraey, megaempreendimento com parceiros de peso como a rede internacional de hotéis Marriott e a marca de festivais Rock in Rio →





