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Juristas da área ambiental enviam carta ao presidente Jair Bolsonaro

Os professores Affonso Leme Machado, Édis Milaré e Paulo de Bessa Antunes publicam texto onde demonstram preocupação sobre os rumos que a área do meio ambiente nacional está tomando

Sabrina Rodrigues ·
30 de maio de 2019 · 6 anos atrás
Na carta, os signatários citam os imbróglios envolvendo ICMBio e Ibama e a recente reestruturação Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Foto: Pixabay.

Preocupados com os novos rumos da política ambiental brasileira, três referências na área do direito ambiental nacional, os professores Paulo Affonso Leme Machado, Édis Milaré e Paulo de Bessa Antunes, lançaram uma carta aberta ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), nesta quinta-feira (30). O foco da carta é a política ambiental e as mudanças promovidas no Ministério do Meio Ambiente.

Os autores descrevem que é função do ministério a tutela do patrimônio ambiental e criticam as atuais ações da pasta. “Não cabe ao Ministério do Meio Ambiente a defesa de grupos econômicos ou de produtores, haja vista que estes já se encontram adequadamente representados no interior da Administração Federal, em todos os seus escalões”, afirmam os professores. “A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabelece que o meio ambiente sadio é um direito de todos, incumbindo ao poder público protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

“Ao MMA cabe o papel de gestor de conflitos ambientais e gestor de compromissos, abrindo as portas para todos os setores da sociedade, atuando como fomentador de soluções e compromissos que possam acomodar as diferentes visões relativas ao meio ambiente. A participação cidadã é fundamental para que se alcance uma boa gestão dos recursos ambientais que nos foram deixados pelas gerações passadas e dos quais somos fiéis depositários, cabendo-nos zelar pela sua conservação, como patrimônio comum a todos”.

Os autores citam a recente reestruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), colegiado responsável por criar instruções normativas e regras que vão do padrão da qualidade do ar adotado no país ao licenciamento; e os imbróglios envolvendo o IBAMA e o ICMBIO.

“Entendemos que o fortalecimento dos órgãos de controle ambiental é medida imperiosa e causa-nos estranheza que declarações ministeriais, seguidamente, tenham contribuído para o descrédito de órgãos como o IBAMA e o ICMBio. Os Conselhos existentes no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, em especial o CONAMA, devem ser avaliados em suas atuações de forma respeitosa e estimulante para que se possam fazer as modificações necessárias; jamais propor ou sequer insinuar as suas extinções ou paralisações”, declaram.

O texto ressalta a importância da participação do Brasil em acordos internacionais no âmbito das Organização das Nações Unidas como a Rio 92, Rio +20 e Acordo de Paris e que as recentes declarações das autoridades ambientais estão retrocedendo políticas que levaram pelo menos 40 anos para serem construídas.

“O que, infelizmente, se tem assistido, no momento, é uma preocupante indiferença às enormes dificuldades para a implantação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, a dura luta travada por órgãos de controle ambiental para se fazerem respeitados e reconhecidos pela sociedade. Desequilibrar a gestão ambiental no Brasil é o mesmo que frear o seu desenvolvimento auto-sustentado e fazer dele um alvo fácil das cobiças externas”.

Leia a Carta na íntegra

Carta Aberta ao Senhor Presidente da República

Nós, Paulo Affonso Leme Machado, Édis Milaré e Paulo de Bessa Antunes, em nosso nome pessoal, tendo em vista a aproximação da Semana do Meio Ambiente e baseados em nossa experiência pregressa como Membros do Ministério Público, do exercício de relevantes funções no Sistema Nacional do Meio Ambiente e do contínuo exercício do magistério de Direito Ambiental, vimos a público externar a nossa preocupação com os rumos do Sistema Nacional de Meio Ambiente no Brasil. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabelece que o meio ambiente sadio é um direito de todos, incumbindo ao poder público protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Cabe ao Ministério do Meio Ambiente a função de tutela de nosso patrimônio ambiental, como um mandato irrenunciável a ser exercido de forma clara e peremptória. Não cabe ao Ministério do Meio Ambiente a defesa de grupos econômicos ou de produtores, haja vista que estes já se encontram adequadamente representados no interior da Administração Federal, em todos os seus escalões.

Ao MMA cabe o papel de gestor de conflitos ambientais e gestor de compromissos, abrindo as portas para todos os setores da sociedade, atuando como fomentador de soluções e compromissos que possam acomodar as diferentes visões relativas ao meio ambiente. A participação cidadã é fundamental para que se alcance uma boa gestão dos recursos ambientais que nos foram deixados pelas gerações passadas e dos quais somos fiéis depositários, cabendo-nos zelar pela sua conservação, como patrimônio comum a todos. Assim, o diálogo é condição indispensável para uma boa gestão ambiental, devendo ser relembrado às autoridades que a nossa Constituição consagra expressamente os princípios da participação e da informação como direitos de todos e essenciais para a gestão ambiental. As chamadas Organizações Não Governamentais, como regra, vêm desempenhando importante papel de colaboradores do poder público e merecem respeito pelo que já fizeram.

Como todos sabemos, o Brasil é o maior detentor de Diversidade Biológica dentre todos os países, incluindo a maior parcela da Floresta Amazônica, riquezas como o Pantanal, a Mata Atlântica, Cerrado e tantas outras são patrimônios nacionais que devem ser preservados. Não se pode esquecer que o Brasil vem ocupando posição de liderança no cenário internacional de proteção ao meio ambiente, tendo sido sede de duas importantes conferências internacionais promovidas pela Organização das Nações Unidas, quais sejam, a Rio 92 e a Rio + 20. Na importante questão das Mudanças Climáticas, o Brasil desempenhou papel fundamental para a assinatura do Acordo de Paris. Todavia, recentes declarações das autoridades ambientais nacionais nos levam a crer que este imenso capital acumulado pelo País ao longo de décadas encontra-se sob severa ameaça, o que nos causa profunda preocupação em face de nossa responsabilidade perante as demais nações de todos os continentes do Planeta.

Entendemos que o fortalecimento dos órgãos de controle ambiental é medida imperiosa e causa-nos estranheza que declarações ministeriais, seguidamente, tenham contribuído para o descrédito de órgãos como o IBAMA e o ICMBio. Os Conselhos existentes no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, em especial o CONAMA, devem ser avaliados em suas atuações de forma respeitosa e estimulante para que se possam fazer as modificações necessárias; jamais propor ou sequer insinuar as suas extinções ou paralisações.

É nossa convicção que a melhoria da atuação de tais órgãos passa pela dotação de orçamentos adequados ao seu desenvolvimento e à sua consolidação técnico-administrativa e política, além de capacitação e profissionalização de seus servidores. Esperamos que a alta administração ambiental do País entenda que a proteção ambiental e a sua integração no planejamento do País transcendem interesses políticos ou partidários, sendo essencial para que, inclusive, as atividades produtivas possam ser realizadas de forma sustentável. A adoção de parâmetros ambientais consistentes, o combate ao desmatamento ilegal, o cumprimento da legislação, a observância dos tratados internacionais firmados soberanamente pelo Brasil são essenciais, inclusive para que o País possa participar do comércio internacional e ampliar as suas fronteiras ao negociar com as demais nações.

O que, infelizmente, se tem assistido, no momento, é uma preocupante indiferença às enormes dificuldades para a implantação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, a dura luta travada por órgãos de controle ambiental para se fazerem respeitados e reconhecidos pela sociedade. Desequilibrar a gestão ambiental no Brasil é o mesmo que frear o seu desenvolvimento auto-sustentado e fazer dele um alvo fácil das cobiças externas.

Espera-se que na próxima Semana do Meio Ambiente, a atual administração nacional do meio ambiente faça uma profunda reflexão sobre o papel que vem desempenhando nos últimos meses, que possa abrir-se ao diálogo com a sociedade nacional, assumir o honroso papel que lhe foi outorgado pela Constituição Brasileira e passe a atuar efetivamente na proteção do patrimônio  ambiental do País.

Brasil, maio de 2019

 

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  • Sabrina Rodrigues

    Repórter especializada na cobertura diária de política ambiental. Escreveu para o site ((o)) eco de 2015 a 2020.

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