Por unanimidade, a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Maranhão invalidou um decreto de 2019 que desapropriava as terras dos últimos moradores da comunidade do Cajueiro, na capital São Luís. O local é alvo de um projeto de um megaporto para exportação de commodities.
Emitido no governo Flávio Dino, hoje ministro da Justiça e indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Lula, o decreto havia sido questionado judicialmente, mas acabou validado por um juiz da Vara de Interesses Difusos e Coletivos da capital maranhense.
O mesmo magistrado emitiu uma ordem para remover os moradores, com “uso de força policial e arrombamento”, logo após a decisão da 3ª Câmara, mas seu ato foi igualmente derrubado pelo judiciário estadual. Um dos despejados seria o pescador aposentado João Germano, o Joca, de 90 anos.
“O decreto era uma ilegalidade que colocava a corda no pescoço do seu Jorge e de outras famílias, já removidas. Não se encontra no país um decreto semelhante que seja válido”, afirma o advogado Rafael Silva, consultor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Maranhão.
Fontes civis avaliam que a decisão da 3ª Câmara pode extinguir processos para desapropriação na comunidade do Cajueiro, alvo de assédio judicial e violência desde 2014. À época, o território de posse coletiva foi comprado por empresas privadas para a construção de um porto, mostrou ((o))eco.
Sobre a aquisição pairavam suspeitas e investigações sobre supostos dribles na legislação estadual e federal e por grilagem de terras públicas onde as famílias haviam sido assentadas, revelou a reportagem especial Sitiados pelo progresso.
“A obra não pode iniciar sem solução para o impasse territorial”, diz Horácio Antunes, professor da Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “O Cajueiro e povoados vizinhos serão muito afetados pela construção e operação do porto”, afirma.
A empreitada era uma parceria da brasileira WPR – São Luís e da CCCC, sigla em Inglês para Empresa de Construção e Comunicações da China, mas que foi comprada em 2021 pelo Cosan, grupo brasileiro com negócios nas áreas de combustíveis, logística e energia.
Enquanto isso, as obras do porto para exportação de commodities como minério de ferro estariam paradas. “Não tem nada construído. É só desmatamento e devastação”, descreve o advogado Rafael Silva.
A Cosan não atendeu aos nossos pedidos de entrevista. Uma nota enviada por sua Assessoria de Imprensa comenta que o “processo judicial ainda está em curso e que serão adotadas todas medidas judiciais cabíveis. Importante ressaltar que o projeto segue seu curso normal, respeitando seu cronograma original, com avanços em projetos de engenharia e em iniciativas sociais para a comunidade envolvida”. Também afirmou que adotam “as melhores práticas ambientais, sociais e de governança na realização de seus investimentos como gestora de portfólio”.
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