“Aí o que eu acho importante do livro é porque os meus netos, os meus bisnetos, eles vão ter lembrança, (…) através do livro eles vão saber, né?”, diz Tereza de Jesus Alves da Silva, quando questionada sobre a importância de documentar a memória oral da sua comunidade. Tereza e seus vizinhos, moradores da Reserva Extrativista Riozinho do Liberdade, no Acre, são os autores do recém-publicado “A Voz do Liberdade”. O nome do livro não é à toa. As 336 páginas da publicação lançada no final de março dão voz a 24 moradores da reserva extrativista (Resex) e documentam a memória da região e da sua identidade, forjada entre o ofício seringueiro, o modo de vida ribeirinho e a moradia na floresta amazônica.
A reserva extrativista foi criada em 2005 e possui 21 comunidades, com aproximadamente 1.900 moradores. Com 325,6 mil hectares de extensão, a Resex abrange quatro municípios acreanos: Tarauacá, Cruzeiro do Sul, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo. A região foi produtora de borracha até a década de 90. O fim da atividade extrativista deu início ao êxodo rural e as migrações das colocações do interior da floresta para as margens do rio Liberdade. Às margens do curso d’água, que dá nome à reserva, formaram-se as comunidades tradicionais do Liberdade e a articulação de lideranças locais que resultou na criação da área protegida de uso sustentável.
No livro, contam-se as histórias como a de dona Alcirema Cordeiro, uma senhora de cabelos brancos que não sabe ao certo quantos anos tem, mas recita de cor como era feito o corte da seringa na mata na época que a borracha ainda era a principal fonte de renda na região. “Ele [seu marido] plantava roça só pra nós comer. A gente vivia da seringa…”, lembra Alcirema em uma das entrevistas transcritas no livro.
O livro é resultado de um processo de três anos conduzido pelo Instituto Fronteiras junto às comunidades do Riozinho Liberdade e está disponível gratuitamente na biblioteca virtual da organização acreana.
“Tínhamos um objetivo em comum: escrever um livro sobre a história do Liberdade que partisse da experiência marcada na memória de seus moradores, e no qual eles próprios se reconhecessem como ‘escritores da própria história’”, descreve a coordenadora do Instituto Fronteiras, Karla Sessin Dilascio.
O projeto também reuniu autobiografia, poemas e as “crônicas multifônicas”, que são um recorte destas autobiografias e histórias de vida a partir de temas de interesse da comunidade, detalha Karla, como o tempo da borracha, a caça, a chegada da BR-364 e a criação da Resex.
“Este livro é uma história de autoria coletiva através de vários moradores do rio Liberdade, onde resgata as memórias do passado. Foi discutido, pensado e construído coletivamente e traz o empoderamento do presente pensando o futuro para novas gerações com o objetivo de valorizar a todos que residem na Resex Riozinho da Liberdade”, explica Maria Renilde, a popular “Branca”, líder de uma das comunidades do rio Liberdade e presidente da Associação Feminina Mulher Flor.
Um financiamento coletivo ajudou a viabilizar o projeto, que também contou com apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor da Resex, e da Universidade Federal do Acre – Campus Floresta (UFAC/Floresta).
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