Uma nova espécie de rã amazônica foi descoberta no Acre. O anfíbio foi nomeado Adenomera chicomendesi, ou “rã de espuma de Chico Mendes”, em homenagem ao ambientalista Francisco Alves Mendes Filho por sua luta pelos direitos humanos dos povos indígenas, comunidades de seringueiros e pela própria Floresta Amazônica. Como consequência de seu ativismo, Chico Mendes foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 em sua cidade natal, Xapuri, no Acre.
De acordo com Thiago Ribeiro de Carvalho, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP – Rio Claro) e primeiro autor da publicação, a descoberta e o artigo resultante dessa pesquisa “já somam 20 anos de esforços para o melhor entendimento da biodiversidade dos anfíbios desse gênero, que ocorrem em grande parte da América do Sul ao leste dos Andes”, explica.
“Muitas outras espécies ainda precisam de avaliações detalhadas para sua identificação precisa. Uma parcela destas certamente correspondem a espécies novas, mas ainda não descritas formalmente. Essas novas espécies ocorrem não só na Amazônia, mas também no Cerrado e Mata Atlântica”.
Carvalho conta que tudo começou com o canto peculiar da espécie. “O canto de A. chicomendesi, relativo às outras espécies do gênero, é bem longo e pulsado, e nos lembra um apito dentro da floresta”. Assim, os pesquisadores conseguiram diferenciá-la das outras espécies do gênero. Para Carvalho, o canto das rãzinhas é tão alto que, possivelmente, até o próprio Chico Mendes pode tê-las ouvido. “Se prestar atenção enquanto está numa trilha na mata, é possível ouvi-las facilmente, só tem que ter o ouvido treinado para identificar Adenomera”.
O pesquisador explica que A. chicomendesi ocorre em algumas localidades com uma outra espécie do gênero, A. andreae, da qual não pode ser diferenciada por características morfológicas. “As espécies do gênero têm características externas (morfologia, coloração, tamanho), que muitas vezes ajudam na identificação de anfíbios, conservadas entre espécies próximas, o que dificulta a identificação das espécies. E é aí que entra a bioacústica (estudo das vocalizações das espécies). No gênero Adenomera, os estudos mais recentes, que são frutos da minha tese de doutorado e do meu projeto atual de pós-doutorado, têm reforçado cada vez mais a relevância dos dados acústicos como uma ferramenta eficaz na identificação das espécies ainda em campo. Os cantos de espécies que coocorrem são diferentes a ponto de conseguirmos discriminá-las com o nosso ouvido”.
Segundo o artigo, a espécie aparentemente não está ameaçada de extinção, então os autores sugeriram enquadrá-la na categoria “Pouco Preocupante” (Least Concern – LC) da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção da IUCN. “Com base na estimativa de área de ocorrência e abundâncias relativamente altas onde ocorre, não encontramos evidência para considerá-la em risco de extinção”, afirmou Carvalho. O pesquisador explicou ainda que a nova espécie é típica de florestas primárias e urbanas. “Encontramos a espécie em florestas primárias (Peru), mas também em fragmentos florestais em área urbana. O Parque Zoobotânico da UFAC em Rio Branco é a localidade tipo da espécie (local de onde os espécimes utilizados na descrição são provenientes), que é uma área que se mantém preservada dentro da cidade, dentro do campus. A população que ocorre lá nos pareceu estável, pois sempre que visitamos o fragmento, havia indivíduos vocalizando”.
Sobre a biologia da espécie, Carvalho explica que os indivíduos estão ativos no verão, quando está úmido e chovendo. “Os machos são encontrados vocalizando no folhiço da floresta. Podem ficar debaixo da serapilheira ou expostos quando estão animados. Costumam iniciar a atividade vocal no fim do dia e vocalizam pelo menos durante a primeira metade da noite”. Ele afirma que as espécies do gênero são terrestres, com poucas exceções no Cerrado e Mata Atlântica. “Isso significa que sua desova fica no solo e girinos se desenvolvem em câmaras subterrâneas (construídas pelos machos), de onde os juvenis saem quando já se metamorfosearam”.
A nova espécie foi amostrada em campo no fim da década de 1990, na Amazônia peruana, e só agora foi descrita pela ciência. “No início dos anos 2000, uma publicação com as espécies dessa região lhe atribuiu um status de espécie potencialmente nova devido ao seu canto peculiar. Nessa mesma época, pesquisadores a encontraram em Rio Branco (AC). A espécie permaneceu sem uma revisão mais detalhada. Em 2017, fizemos uma nova expedição à Amazônia, quando obtivemos mais informações para a população de Rio Branco. No ano seguinte, eu visitei a localidade peruana onde o primeiro registro tinha sido feito (Reserva Nacional de Tambopata). Com as informações reunidas, conseguimos fazer as comparações necessárias com as outras espécies amazônicas e confirmar que se tratava de uma espécie nova”, explicou Carvalho. A pesquisa foi desenvolvida em ampla colaboração entre pesquisadores de diversas instituições nacionais como a Universidade Estadual Paulista de Rio Claro (UNESP – Rio Claro), a Universidade Federal de Uberlândia (UFU – campus Pontal em Ituiutaba), a Universidade Federal do Acre (UFAC – Rio Branco) e a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG – Patos); e internacionais, como a Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM) em Lima, Peru, e a International Union for Conservation of Nature (IUCN) em Toronto, Canadá.
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Bela homenagem ao Chico Mendes.