Um som diferente chamou a atenção dos pesquisadores que estudavam beija-flores, no Museu de Biologia Professor Mello Leitão, no Espírito Santo. No início, eles chegaram a pensar que poderia ser uma perereca ou um algum inseto. Mas depois descobriram que o responsável por aquele som extremamente agudo, difícil até de escutar, era na verdade o beija-flor-preto (Florisuga fusca). Esse pequeno pássaro emite sons que outras aves provavelmente são incapazes de ouvir.
As vocalizações desse pequeno pássaro, com pouco mais de 12 centímetros de comprimento, encontrado em toda a Mata Atlântica e países platinos, ainda não haviam sido documentadas. Existia um registro sem muitos detalhes no próprio museu. Já o naturalista Augusto Ruschi sugeriu que esses pássaros emitissem sons acima da faixa percebida pelo ouvido humano, pois conseguia vê-los cantar, mas não identificava os sons.
Após o encontro na Serra do Mar, os pesquisadores resolveram voltar ao local com equipamentos mais adequados, usados em estudos com morcegos, e conseguiram registrar as vocalizações e acabaram com o mistério. Eles descobriram que os beija-flores-pretos emitem sons em frequências incomuns, bem acima da de outros pássaros. Os resultados do estudo foram publicados esta semana na revista científica Current Biology.
“Essas vocalizações são rápidas e em tons altos que de fato eles não parecem com sons típicos de pássaros tropicais”, afirma o brasileiro Claudio Mello, professor na Oregon Health and Science University. Segundo o artigo, a comunicação entre pássaros ocorre normalmente em frequências de 500 a 6 mil Hertz, mas o beija-flor-preto vocaliza normalmente sons com 10 mil Hertz.
Por curiosidade, é bom saber que a frequência das cordas soltas de um violão varia de 82 Hertz a mais grave a 330 Hertz a mais aguda. E nós somos capazes de ouvir sons de até 20 mil Hertz de frequência.
Para os pesquisadores, ao emitir sons tão agudos, de duas uma: ou esse beija-flor não escuta o que está cantando ou, o que é mais provável, desenvolveu um canal privado de comunicação na floresta, onde vivem centenas de outras espécies de pássaros, entre elas diversos beija-flores.
“Parece mais razoável assumir que eles escutam os sons que eles fazem, mas nós não examinamos ainda se isso é verdade”, diz Mello. O professor explica que todas as aves em que a percepção auditiva foi estudada, pelo menos até agora, têm alta sensibilidade a frequências abaixo das emitidas pelo beija-flor-preto. “Então a conclusão é que elas provavelmente não ouvem, ou pelo menos não ouvem bem estas vocalizações de frequência mais alta.”
Para tirar essa dúvida, são necessários estudos sobre a audição da espécie, realizados em laboratórios, por meio do monitoramento dos registros em cérebros de aves anestesiadas ou pelas respostas dos pássaros aos sons. São técnicas não adequadas a serem utilizadas em campo.
Os pesquisadores acreditam ainda que os beija-flores-pretos tenham um órgão vocalizador, siringe, incomum, capazes de vibrar muito rapidamente e com uma composição especial. “Agora que estas vocalizações estão bem registradas, inúmeras perguntas surgem sobre como eles produzem o canto, se eles conseguem ouvi-lo, para que fins utilizam estas vocalizações, etc”, destaca o professor. “Estamos interessados em obter financiamentos para mais estudos desta espécie.”
A pesquisa foi financiada pelo programa de bolsas Tartar Trust Fellowship da Oregon Health and Science University Tartar Trust Fellowship, an e Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Eles tiveram suporte no Brasil dado pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica.
Saiba Mais
Artigo: “Black Jacobin hummingbirds vocalize above the known hearing range of birds”.
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